O vigor do Teatro do Absurdo
Caco Ciocler, Kiko Mascarenhas e, principalmente, Marjorie Estiano brilham em “O Desaparecimento do Elefante”, peça bem dirigida pelas realizadoras Monique Gardenberg e Michele Matalon a partir de cinco contos do romancista japonês Haruki Murakami (1949) escritos ao longo da década de 80. Com um visual de extremo bom gosto, a produção exibe de forma relevante sua habilidade em narrar histórias pela coesão dos diversos elementos cênicos, além da boa interpretação do conjunto de atores. Dentro do universo vigoroso do Teatro do Absurdo, as histórias marcam os desafios do homem contemporâneo, esses expressos no teatro desde Jean Genet (“As criadas, 1947), Eugène Ionesco (“A cantora careca”, 1951), Samuel Beckett (“Esperando Godot”,1953) e, não nos esqueçamos!, desde Qorpo Santo (1829-1883). A peça, que cumpriu temporada no Teatro Fashion Mall, no Rio de Janeiro, apresenta seus personagens em uma situação de abandono próxima do americano Edward Albee (1928), recentemente encenado com "A Peça do Casamento"e em vias de produção com "Quem tem medo de Virgínia Wolf?" Em “O Desaparecimento do Elefante”, está claro que a visão de mundo expressa é a partir da ausência de lógica ou de leis de causa e efeito.
Abandonados em uma situação alheia a eles, os personagens, que não chegam a ser vítimas, dão apenas continuidade ao desregramento. O desempregado permanece submisso a sua mulher (“O Pássaro de Cordas”), assim como, na cena seguinte (“O Comunicado do Canguru”), o encarregado de responder às cartas de reclamações dos consumidores (Kiko Mascarenhas), ao se apaixonar por uma das cartas, envia um vídeo confessando o seu amor. Depois, dois jovens recém-casados (Caco Ciocler e Marjorie Estiano), para espantar uma maldição e a própria fome, assaltam uma loja de fast food, sem querer levar dinheiro algum, mas apenas uma grande quantidade de lanches. Por fim, dizendo ser testemunha ocular do caso, um jovem conta a uma jornalista a sua versão do desaparecimento de um elefante de um zoológico abandonado. A única história que destoa do recorte feito por Gardenberg e por Matolon é “Sono”. Nela uma mulher (Maria Luisa Mendonça), que não dorme há dezessete dias, lê o romance “Ana Karenina” e começa a confundir ficção com realidade. O fato (forte) da insônia ser encarada como uma doença afasta essa história das demais. Reconhece-se a causa dos acontecimentos quando veem-se os efeitos. Nisso, a sequência contrasta, pesa, subverte e cansa. Longa, ela parece uma peça dentro da peça, ainda que interpretada e encenada com mesmo valor que as demais.
Não há más interpretações no elenco, mas há excelentes trabalhos, como é o caso de Marjorie Estiano (A jovem esposa cosplay), de Caco Ciocler (O marido desempregado) e de Kiko Mascarenhas (Como o apaixonado). Fernanda de Freitas tem destaque como a adolescente da sequência inicial e Rafael Primot, num difícil mas valoroso tom monocorde, como o rapaz obcecado pelo elefante desaparecido na sequência final. De um modo geral, as construções são delicadas e divertidas, proporcionando bons momentos ao espectador independente da cena.
O cenário transparente de Daniela Thomas é lugar ideal para os vídeos de Henrique Martins e de Frederico Machuca, promovendo uma estrutura cheia de espaços a serem preenchidos, movimentados, reinventados ao longo da encenação. Os figurinos de Claudia Kopke e o desenho de luz de Maneco Quinderé são definitivos para a excelência estética já destacada.
Dentre as muitas metáforas possíveis, sem dúvida, a do elefante que desaparece é uma das mais acessíveis, sendo, positivamente, a última a ser contada. O zoológico foi fechado, todos os animais se foram, e o animal ficou abandonado até que desapareceu, sumindo sem deixar marcas. Murakami, através de Gardenberg e de Matalon, talvez esteja nos dizendo sobre os grandes problemas que, quando esquecidos, deixam de existir. Essa, no entanto, é apenas uma possibilidade de sentido das muitas que esse belo espetáculo tem a oferecer.
Ficha técnica:
Contos de Haruki Murakami
Adaptação: Monique Gardenberg
Direção: Monique Gardenberg e Michele Matalon
Com: André Frateschi, Caco Ciocler, Clarissa Kiste, Fernanda de Freitas, Kiko Mascarenhas, Maria Luisa Mendonça, Marjorie Estiano, Rafael Primot e Rodrigo Costa.
Participação Especial: Felipe Abib
Participação Virtual: Jiddu Pinheiro
Cenografia: Daniela Thomas
Figurinos: Claudia Kopke
Iluminação: Maneco Quinderé
Visagismo: Juliana Mendes
Preparação de Movimento: Marcia Rubin
Fotos: André Gardenberg
Imagens e Projeções: Henrique Martins e Frederico Machuca
Assistente de direção: Isabel NessimianProdução executiva: Gabriel Bortolini
Produção: Bianca de Felippes / Gávea Filmes
Co-produção: OZ
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