domingo, 4 de novembro de 2012

DziCroquettes em Bandália (RJ)

Foto: divulgação

Afora os preconceitos, encantamento e diversão  


Talvez, o realmente único grave entrave de “DziCroquettes em Bandália – Um musical eletrônico” seja a expectativa e há um pouco de estímulo vindo negativamente da produção nesse sentido. No texto do programa, consta o seguinte: “Símbolo da contracultura na década de 70, os “DziCroquettes” estão de volta.” Não, não estão de volta. Quem for no Teatro Leblon assistir a “DziCroquettes em Bandália – Um musical eletrônico” não vai voltar ao passado, no Teatro Tereza Rachel, no meio da ditatura militar e achar revolucionário um grupo de homens magros e peludos vestidos ora de homem, ora de mulher, ora de ambos em excelentes coreografias de Lennie Dale. E, se pensar dessa forma, vai sair frustrado. “DziCroquettes em Bandália – Um musical eletrônico” é um ótimo NOVO espetáculo, que conserva na estética algumas referências com os Dzis antigos, mas em um novo tempo, para um novo público, com um novo elenco. A revolução, enfim, acabou, mas a arte continua. E, no novo formato, continua bem. 

Encerrando qualquer comparação entre o espetáculo e o grupo que transformou o teatro brasileiro há quarenta anos, os novos Dzis não são nem magros e nem peludos, mas sarados e lisos. Os personagens, e a confusão entre o que é real e o que é ficção já deixou de ser inovadora há muitas décadas, são um grupo de rapazes que estão dispostos a vivenciar a sua própria sexualidade e a vida de um jeito mais livre e despojado. Vivendo em uma garagem, eles descobrem o documentário sobre “DziCroquettes” (2009, Tatiana Issa e Raphael Alvarez) e, inspirados naquela estética, transformam o lugar em uma casa de shows, mas, também, em um lugar onde corpos são vendidos ao prazer a fim de ganhar-se algum dinheiro. O mote, que não passa de um mote, pois permanece sem desenvolvimento e sem final, é apenas um motivo para os números de dança e de música que surgem do início ao fim e encantam, em sua maioria, a plateia. Com destaque positivo para as cenas de Flamenco, para o número de Kiko Guarabira e para “Dois prá, Dois pra cá” (belamente interpretada por Leandro Mello), apenas para citar três grandes momentos, o espetáculo apresenta um conjunto de bons cantores e bons dançarinos que, dirigidos por Ciro Barcelos, que também atua no elenco, ficarão ainda melhores com o tempo, as sucessivas temporadas e, espera-se, os novos espetáculos que darão continuidade ao projeto que agora estreia. 

Com exceção da participação de Bayard Tonelli, que interpreta “Borboletas também sangram” com força, ritmo e com magia, todas as cenas de texto se justapõem estranhamente com a estrutura da peça como se dela não fizessem parte, mas fossem legendas explicativas para o que se está vendo. A cena em que os atores pedem dinheiro ao público é negativamente agressiva, porque constrangedora (principalmente porque o público dos Dzis de hoje é burguês e não mais alternativo como, talvez, o era há quarenta anos). Há um apelo cansativo, mas não desnecessário, em repetir que o espetáculo foi montado sem recursos e uma tensão, essa, sim, exagerada em discutir a multiplicidade de orientações sexuais que pairam no elenco de atores e/ou de personagens. O desgaste desses momentos age em sentido oposto aos excelentes e marcantes figurinos de Claudio Tovar, que exploram com beleza e com criatividade tanto o lado feminino como o lado masculino, ora com divisões, ora sem elas, de cada intérprete e/ou figura. Impressa em cada roupa, a assinatura de Tovar, participante como Bayard e como Ciro do antigo grupo dos Dzis, pontua as ligações suficientes com o grupo referencial. 

Ciro Barcelos, antes e depois de tudo, está de parabéns pela coragem de ter liderado essa produção. Sem medo das comparações que vieram e, infelizmente porque equivocadas ainda virão, o novo espetáculo e o novo grupo estão em pé de forma viva e potente. Os temas do século XXI são outros, a discussão política tem outra cara, o impacto da misoginia não é o mesmo. Mas “DziCroquettes” faz parte da história do teatro brasileiro e o esforço, nem sempre alcançado, em não cristalizá-lo merece incentivo (sobretudo financeiro) e aplauso. Com empenho e valor, a direção musical de Demétrio Gil e design de som de Washington Campos, o cenário de Barcelos e de Guarabira (que seria muito mais animadamente fruído em uma casa de shows do que num comportado palco italiano) e a luz de Aurélio de Simoni fazem de “DziCroquettes em Bandália – Um musical eletrônico” mais um musical que celebra o Rio de Janeiro, o teatro nacional e o público cada vez mais atento a produções bem feitas. 

Uma vez que está na origem etimológica da palavra “teatro” o conceito de “lugar de onde se vê”, o que o público espera ver no palco não é, afinal de contas, algo tão impensável assim. Se, nesse sentido, o teatro acontece de verdade no olhar do público, que ele se deixe acontecer sem conceitos anteriores, mas com o coração aberto para algo novo cheio de encantamento e de diversão. 

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FICHA TÉCNICA

ProduçãoGeral: Cristal Produções Entretenimento
Concepção, roteiro e direção Geral: Ciro Barcelos
Assistente de direção e roteiro: Radha Barcelos
Músicas,letras e texto: Ciro Barcelos
Colaboraçãode textos: Colaboração Coletiva
DireçãoMusical, vocal e arranjos: Demetrio Gil
Figurinista:Claudio Tovar
Participaçãona estamparia de figurino: Victor Dzenck
Coreografia:Ciro Barcelos e Kiko Guarabyra
Cenógrafo:Pedro Valério
Designde Luz: Aurélio de Simoni
Designde Som: Washington Campos
Produçãode Elenco: Radha Barcelos
ProduçãoExecutiva: Renata Fagundes & Fernanda Fagundes

ELENCO

*Ciro Barcelos
*Wilson Procopio
*Franco Kuster
*Thadeu Torres
*Pedro Valério
*Cleiton Morais
*Kiko Guarabyra
*Leandro Mello
*Demétrio Gil
* Sonny Duque
*Kostya Biriuk
* Bayard Tonelli

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