quinta-feira, 5 de maio de 2016

Se eu fosse Iracema (RJ)

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Foto: divulgação

Adassa Martins

Adassa Martins brilha em belíssimo monólogo

O excelente “Se eu fosse Iracema” é o primeiro espetáculo do Coletivo 1COMUM que terminou sua primeira temporada no último dia 1º de maio no Sesc Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro. O monólogo interpretado brilhantemente por Adassa Martins foi escrito por Fernando Marques e dirigido por Fernando Nicolau. O texto articula discursos de toda ordem sobre a questão indígena, revelando aspectos diferentes sobre o tema, mas sempre convocando o público a uma reflexão. Eis um espetáculo que deve ser visto e aplaudido pelo mérito da proposta e por seus altíssimos resultados estéticos. A produção reestreia no próximo dia 14 de maio, no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá, na zona sul da capital carioca.

Excelente dramaturgia
A dramaturgia une depoimentos dos índios, discursos e relatos deles, narrativas adaptadas do cinema e da literatura, entrevistas de políticos e a Constituição Federal de 1988. Ela evolui de um contexto a outro, sempre aprofundando a questão positivamente. Sozinha em cena, Adassa Martins dá corpo e voz para esses materiais, se alternando na interpretação de índios e de brancos através da história brasileira nos últimos quinhentos anos. O trabalho confirma o seu enorme talento e sua técnica apurada, mas tem o nobilíssimo mérito de apontar para a importância da causa indígena.

Em questão, em “Se eu fosse Iracema”, está a perpetuação da linha divisória que parece se manter em nossa cultura atualmente entre nós e os índios. A demarcação de terras, em processo de diminuição constante, precisa também ser uma exclusão social? Assim, de modo às vezes delicado, outras vezes assertivo, a peça providencia a interrogação, promove a reflexão e se esforça meritosamente em abrir os olhos de quem assiste para os níveis desse debate. Um trabalho belíssimo!

Adassa Martins se movimenta de maneira vibrante no âmbito de cada um de seus muitos personagens nesse espetáculo. Em todos eles, os detalhes expressivos dão conta da situação, da dramaturgia e da interpretação das figuras de modo que o espectador apreende a proposta e a frui com fluência. Da ironia da ministra Kátia Abreu à profundidade vocal do pajé, “Se eu fosse Iracema” é uma belíssima oportunidade que a atriz ganha de renovar os elogios que ela merecidamente tem recebido. Dividindo com ela os méritos, a direção de Fernando Nicolau, sobretudo pelo modo como distribui os signos, equilibra a viabilização do ritmo e confere harmonia ao todo.

Luz, cenário e figurino colaboram para os méritos do espetáculo
O desenho de luz de Licurgo Caseira participa ativamente da apresentação dos quadros, abrindo e fechando o espaço de acordo com as intenções da proposta e com a natureza de cada momento. O cenário assinado também por ele age no mesmo sentido positivamente. Em cena, um tronco de árvore cortado por uma lâmina de vidro anuncia a personagem como alguém que fala de dentro, que tem propriedade e que sobretudo está viva apesar das intempéries. É brilhante! O figurino de Luiza Fradin é outro ponto alto. Uma longa saia feita de látex e de borracha é o caule da árvore, é a terra da qual todos nós fazemos parte, é o tom da natureza. Seu peso, sua textura e sua forma colaboram para esse panorama semântico de primeiríssima grandeza. A trilha sonora de João Schmid ajuda a espalhar os níveis da narrativa sem tirar dela a unidade, no que também é excelente.

O único ponto negativo de “Se eu fosse Iracema” diz respeito a um aspecto de fora da obra artística, mas essencialmente participante dela: o ar condicionado. O frio cortante que impera durante a sessão alonga a narrativa, retrai o envolvimento da audiência, agride o público. Esse é um problema comum no teatro carioca que precisa merecer mais atenção das produções. Não deve ser difícil olhar para a plateia e identificar nela a busca por casacos, o estalar de dedos e o enrijecimento corporal. A confortabilidade é, afinal de contas, um aspecto que, de um modo geral, ajuda no sucesso de um espetáculo. E poderia ter sido bem mais presente aqui.

Vida longa à “Se eu fosse Iracema” e às reflexões que essa peça suscita.

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FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Fernando Marques
Direção: Fernando Nicolau
Elenco: Adassa Martins
Iluminação e cenografia: Licurgo Caseira
Figurino e caracterização: Luiza Fradin
Trilha sonora original e desenho de som: João Schmid
Assistência de direção: LuCa Ayres
Direção de arte e projeto gráfico: Fernando Nicolau
Escultura do busto: Bruno Dante
Caracterização: Luiza Fardin
Fotografia: João Julio Mello (Imatra)
Direção de produção e produção executiva: Clarissa Menezes
Realização e produção: 1COMUM
Idealização: Fernando Nicolau e Fernando Marques