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Grupo Emú em cena |
Ariane Hime volta a brilhar em peça sobre Mercedes Baptista
“Mercedes” é o primeiro espetáculo assinado pelo do Grupo Emú. Concebido e idealizado por Sol Miranda, a peça celebra a vida e a obra da bailarina e coreógrafa Mercedes Baptista (1921-2014). Ela é conhecida por ter sido a primeira mulher negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, mas sua importância para a cultura brasileira vai muito além disso. Suas pesquisas em torno da dança de matrizes afro, sua participação na criação de alas coreografadas nos desfiles de carnaval das escolas de samba e sobretudo seu lugar definitivo na formação de profissionais da dança moderna alçam seu nome para lugar de muito mais prestigioso destaque. As excelentes intenções da produção, no entanto, não são o bastante. Dirigido por Juracy de Oliveira e por Thiago Catarino, o espetáculo carece principalmente de bons trabalhos de interpretação apesar do ótimo destaque à Ariane Hime. A produção está em cartaz até o dia 29 de maio no Teatro de Arena do Espaço SESC Copacabana.
Dramaturgia perde oportunidades
Assinada por Cássio Duque e Sol Miranda, a dramaturgia parte de uma personagem-título atormentada pela culpa de algo feito no passado. Quando a peça começa, uma Mercedes (Iléa Ferraz) já com mais idade se encontra com outra mais jovem (Sol Miranda) e as duas avaliam sua trajetória. A questão é que a primeira sente que a segunda talvez não devesse ter sido tão rígida com seus alunos. Na análise da dramaturgia, porém, não se veem elementos que de fato embasem essa problemática apesar de uma única cena em que a personagem reproduz, na aula que leciona, a rigidez que presenciou quando era aluna de Eros Volúsia (1914-2004) (Ariane Hime). Em outras palavras, o grande conflito do texto, na verdade, quase inexiste e, a partir daí, apenas se alternam aspectos mais cronológicos e outros mais celebrativos da homenageada, o que é monótono. Nesse sentido, o espetáculo “Mercedes” depende em demasia da figura a qual se refere, oferecendo a ela pouco enquanto narrativa para quem não a conhece.
A dramaturgia perde ainda a chance de combater a maior fama de Mercedes Ignácia da Silva, que é a de ter sido, em 1947, a primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Não há dúvidas de que esse feito tenha trazido a ela enorme honra, mas esse processo tem muito mais complexidade do que o exposto. Por que demorou cinquenta anos desde a abolição da escravatura para haver uma bailarina negra no Municipal? Se se trata de um espaço público, por que ele era tão fechado à parcela tão significativa da população? Em torno dessas questões, há, na história, a permissão para artistas negros cursarem aulas de dança no Serviço Nacional de Teatro, a proibição deles de entrarem no Copacabana Palace e há a atuação do Teatro Experimental do Negro. E tudo isso nos anos de 1940: época de popularização do American Way of Life, da política de boa vizinhança entre Brasil e Estados Unidos - com Carmen Miranda (1909-1955) indo para lá e Orson Welles (1915-1985) e Katherine Dunham (1909-2006) vindo para cá -, e o governo populista de Getúlio Vargas. Não se sabe exatamente se o preconceito racial foi o motivo, ao mesmo tempo, pelo qual Mercedes Baptista foi aceita no corpo de baile do Municipal e depois pouquíssimas vezes chamada a integrar o elenco de suas produções. Ela era de fato uma boa bailarina clássica? Essa pergunta, como todas as demais, são desconsideradas na dramaturgia de “Mercedes”.
Por outro lado, as grandes contribuições de Mercedes Baptista para a cultura brasileira sofrem de pouca importância no espetáculo que lhe homenageia. O modo como ela modificou o curso da dança moderna no Brasil, trazendo notoriedade aos ritmos afros até então somente atribuídos ao Candomblé, é pouco lembrado. A defesa do seu Minueto em pleno desfile da Salgueiro em 1963 é meramente citado apesar de, no âmbito da dança, ter alçado o samba para além da apenas festa. E finalmente as menções à participação de Mercedes na formação de dezenas de profissionais que, nas últimas décadas, são parte relevante da história da dança moderna brasileira são muito raras infelizmente. Tudo isso retrata as oportunidades que o texto perdeu de fazer dessa uma grande narrativa.
Ariane Hime volta a brilhar
Quanto à encenação, a montagem carece de boas interpretações. Os atores-bailarinos Canela Monteiro, Evandro Machado, Priscila Lúcia e Renata Araújo apresentam um belíssimo trabalho e fazem das coreografias um dos aspectos mais bem avaliados do espetáculo. No entanto, a peça cai toda vez que as cenas tomam o lugar da dança. Iléa Ferraz (Mercedes), com um único bom momento de exceção, sustenta sua protagonista no grito em um tom regular e monótono. Drayson Menezes (Abdias do Nascimento) não traz qualquer força, sucumbindo ao exagero nesse aspecto dos colegas com quem contracena.
Sol Miranda (Mercedes), que interpreta também a personagem-título, tem gestos flácidos e movimentos soltos que depõem contra a defesa de uma bailarina (principalmente clássica do Municipal). Sua pouca expressividade facial também regulariza sua atuação nas cenas sem coreografia. Núbia Pimentel (Mãe) e Tuany Zanini (Repórter) fazem boas participações, mas muito pequenas. Raphael Rodrigues apresenta um excelente trabalho como bailarino e tem algum destaque como intérprete ao lado de Ariane Hime (Eros Volúsia e Katherine Dunham), essa sim a melhor atuação da noite. Com movimentos claros, expressões limpas, complexidade nas modulações de voz e de tom, a atriz já elogiada em “Salina (a última vértebra)”, peça do Grupo Amok Teatro, volta a brilhar no palco do Teatro de Arena.
Viva Mercedes Baptista!
A direção musical de Sergio Pererê, com belas composições dele e de Kadú Monteiro interpretadas ao vivo, é outro aspecto positivo da produção que merece ser destacado. Já elogiadas, as coreografias de Fábio Batista garantem a atenção do público. Há ainda a iluminação de Paulo Cesar de Medeiros e de Hebert Said, tornando o quadro mais valoroso.
“Mercedes” tem a feliz intenção principal de celebrar a história de personagem tão importante para a cultura brasileira. De fato, ela merece mais atenção.
Ficha Técnica
Concepção e idealização: Sol Miranda
Direção: Juracy de Oliveira e Thiago Catarino
Texto: Cássio Duque e Sol Miranda
Dramaturgia: Grupo Emú
Supervisão de direção e de dramaturgia: Fabiano de Freitas
Elenco: Ariane Hime, Iléa Ferraz, Núbia Pimentel, Raphael Rodrigues, Drayson Menezes, Tuany Zanini e Sol Miranda
Participação especial: João Paulo Alves e Reinaldo Junior
Coreografia e Direção de Movimento: Fábio Batista
Preparação Corporal: Charles Nelson, Elton Sacramento e Fábio Batista
Bailarinos: Renata Araújo, Canela Monteiro, Evandro Machado e Priscila Lúcia
Preparação para Ponta: Yara Barbosa
Direção Musical: Sérgio Pererê
Composição Musical: Kadú Monteiro e Sérgio Pererê
Piano: Richard Neves
Violino: Frida Maurine
Violoncelo: Raquel Terra
Percussão: Kaio Ventura
Preparação Vocal: Priscilla Lacerda
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Iluminador de cena: Hebert Said
Figurino: Lucas Pereira
Concepção de Cenário: Juracy de Oliveira e Adriano Farias
Cenografia: Bambuê Arquitetura Viva & Mundo Livres
Fotografia Artística: Daniel Barboza e Felipe Alencar
Designer Gráfico: Leo Dallone
Ilustração Artística: Iléa Ferraz
Assessoria de formação de plateia: Ébano Produções Artísticas
Produção audiovisual: Helena Bielinski
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação
Produção: Emú Produções Artísticas
Produção Geral: Sol Miranda
Administração: Tuany Zanini
Parceiro: Terreiro Contemporâneo
Coprodução: Alquimia Cultural
Gerência de produção: Saulo Rocha
Coordenação de produção: Roberta Leão
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