terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O Pequeno Zacarias (RJ)

Foto: divulgação




Tim Rescala e José Mauro Brant juntos em uma mais uma belíssima produção


                “O Pequeno Zacarias – uma ópera irresponsável” é resultado da união de excelentes vozes com belíssimas composições. O espetáculo, em cartaz no Teatro SESC Ginástico, no centro do Rio de Janeiro, é mais uma parceria entre José Mauro Brant e Tim Rescala, que estiveram juntos no excelente “Era uma vez... Grimm”. Com Soraya Ravenle, Sandro Christopher, Chiara Santoro, Wladimir Pinheiro, Marcello Sader, Janaina Azevedo, Rodrigo Cirne e com o próprio Brant no elenco, a peça é a adaptação do conto fantástico “O pequeno Zacarias chamado Cinábrio” do alemão E. T. A. Hoffmann (1776-1822) escrito em 1819. Os valores dessa ópera cômica, no entanto, dividem espaço com os problemas de sua dramaturgia. O texto não se posiciona, mudando de opinião em cada nova cena, de forma que o ritmo fica prejudicado pela forma como a narrativa se estabelece. A impressão de que, a qualquer momento, a peça pode terminar ou poderia ter começado alonga o tempo e faz a narrativa parecer mais longa do que realmente é. Em se tratando de suas belíssimas composições musicais e suas interpretações, não há problema em o tempo se alongar.

                Na cena inicial, nasce Zacarias, um bebê feio, deformado e rabugento que recebe, sem que sua mãe Liese saiba, a benção de uma fada, a senhorita Von Rosenschön. Os efeitos são imediatos: de agora em diante, todos verão o pequeno com bons olhos, não importa o que ele faça. Assim, Zacarias é pedido em adoção pelo Pároco, que o educa como filho. Sem que fique realmente claro para o espectador da peça, a narrativa, nesse momento, sai de Zacarias e vai Rosenschön. Incontáveis anos antes, naquele principado entre as montanhas, moravam muitas fadas vindas do atrasado Djinistão. O príncipe Demetrius era conivente com a presença delas, mas ele morreu e foi sucedido por Paphnutius que as expulsou para implantar o Iluminismo na cultura local. Porém, na noite antes da expulsão, a fada Rosabelverde tomou conhecimento do plano e tratou de se desfazer de todas as pistas que a incriminassem. Acabou reclusa, chegando até a época do Barão Prätextatus von Mondschein em que se dá a história do pequeno Zacarias, sob o novo nome de senhorita Rosenschön. A história então volta ao personagem título no momento em que ele aparece como aluno preferido do Professor Mosch Terpin, catedrático da Universidade de Kerepes. Na parte mais importante da narrativa, há o encontro entre o estudante Zacarias, chamado de Cinábrio (sangue perdido de dragão), e os jovens Balthasar, Fabian e a bela Cândida. É quando se revela, com a ajuda do Dr. Alpanus, que os méritos do protagonista são, na verdade, frutos de feitiçaria. Em resumo, a peça é uma crítica social àqueles que ascendem não por valores próprios, mas por ajuda de terceiros.

                A relação entre o leitor e o conto de Hoffmann é diferente da entre o espectador e a peça adaptada por José Mauro Brant. O narrador onisciente e onipresente do primeiro caso conversa com o leitor através de vocativos como “meu caro leitor”, utilizando a primeira pessoa para contar a história em trechos bem recorrentes. No palco, porém, o personagem narrador aparece na cena de abertura e desaparece, só voltando a aparecer no fim do espetáculo. Se lá as marcas deixam claro a partir de quem a história é narrada, aqui o ponto de vista não é reconhecível. Zacarias é vítima da mãe que dele tem repulsa na abertura e por seu ouro reclama no fim. Desaparece na narrativa quando o Barão aparece na história. E é vilão quando trata mal o estudante Balthasar e se casa com Cândida, a filha do Professor Terpin. Na belíssima trilha sonora composta por Tim Rescala, a ausência de um leitmotiv, que poderia dar unidade para o todo da peça, auxilia na impressão de que são várias histórias em uma só e não vários quadros de uma mesma narrativa.

                Por outro lado, em “O Pequeno Zacarias – uma ópera irresponsável”, a beleza das músicas e de suas interpretações supera qualquer elemento narrativo de menor mérito. Os arranjos complicados reforçam o investimento da produção no romantismo de que a arte de Hoffmann se despedia naquele início de século XIX. Para outro alemão, Hegel, contemporâneo de Hoffmann, o romantismo superava a arte simbólica e a clássica porque expressava as debilidades do homem, mas apontava para o ideal de sociedade que o racionalismo poderia oferecer. Nessa montagem, o preciosismo das composições musicais de Tim Rescala, mas também dos figurinos de Carol Lobato e das projeções de Ricardo e de Renato Villarouca dão a ver a complexidade do homem romântico que vivia em um mundo tão conturbado pelas muitas transformações. Em destaque, se for possível fazer um, a ironia presente nas letras de José Mauro Brant aproxima a crítica feita duzentos anos atrás da sociedade contemporânea, essa ainda repleta de pessoas célebres sem que se saiba exatamente o porquê.

                “O Pequeno Zacarias – uma ópera irresponsável” é um espetáculo que elogia a programação de teatro carioca pela alta qualidade de seus investimentos estéticos. A produção apresenta belíssimos conjuntos de vozes, de músicos e de artistas visuais, além de atores, havendo de fazer se orgulhar as plateias lotadas que há de receber merecidamente.

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FICHA TÉCNICA
 
Texto e Letras: José Mauro Brant
Música Original e Direção Musical: Tim Rescala
Direção: José Mauro Brant e Sueli Guerra

Elenco - Personagens:
José Mauro Brant - Hoffmann, Leonel (o Bacharel), Valete
Soraya Ravenle - Srta. Rosalva Rosaverde / Fada Rosabela
Janaína Azevedo - Lisie (mãe de Zacarias), Espírito da Floresta
Chiara Santoro - Cândida, Espírito da Floresta
Sandro Christopher - Pastor, Professor Moncho, Dr. Próspero Alfanus, Barão Pretextatus do Luar
Wladimir Pinheiro - André (o Primeiro Ministro), Fabiano, Lobato (o costureiro do Teatro
Rodrigo Cirne - Primo, Baltasar
Marcello Sader - Príncipe Pafúncio
Músicos:
Marcelo Jardim (regente)
Ana de Oliveira (1º violino)
Nichola Viggiano (2º violino)
Dhyan Toffolo (viola)
Marcus Ribeiro (violoncelo)
Batista Jr. (clarinete)
Alessandro Jeremias (trompa)
Cosme Silveira (fagote)

Cenário: Miguel Pinto Guimarães
Figurinos: Carol Lobato
Preparação vocal: Agnes Moço e Janaina Azevedo
Vídeo animação: Ricardo e Renato Villarouca
Ilustrações: Rui de Oliveira
Iluminação: Paulo César Medeiros
Coreografia: Sueli Guerra
Visagismo: Mona Magalhães
Projeto Gráfico: Marcos Corrêa
Idealização: Belazarte Realizações Artísticas
Patrocínio: Fomento/Prefeitura do Rio, com apoio do SESC Rio
Realização: Belazarte Realizações Artísticas e SESC
Produção Executiva: Lúdico Produções
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

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