sábado, 6 de dezembro de 2014

Hamlet - Shakespeare’s Globe Theatre (Inglaterra)

Foto: divulgação

Ladi Emeruwa interpreta Hamlet

O “Hamlet” do Shakespeare’s Globe Theatre


A montagem de “Hamlet”, produzida pelo Shakespeare’s Globe Theatre, de Londres, veio para coroar o ano de celebração de 450 anos de William Shakespeare (1654-1616), um dos maiores dramaturgos da história do teatro universal. As duas apresentações no Teatro de Câmara da Cidade das Artes deram continuidade à turnê internacional da peça iniciada no dia 23 de abril, aniversário do escritor, com o objetivo de levar a montagem para 205 países. O Brasil foi o 56º. Escrita entre 1599 e 1601, “Hamlet” é a tragédia mais conhecida do bardo e, para nós, a oportunidade é um momento raro em que se pode ouvir o texto original encenado no idioma em que foi escrito. Quanto à montagem, o trabalho de interpretação do nigeriano Ladi Emeruwa é outro real grande destaque.


Quando a peça começa, o fantasma do Rei Hamlet da Dinamarca, falecido há um mês, aparece ao filho, explicando a ele as circunstâncias até então obscuras de sua morte. Segundo a aparição, com a ajuda da Rainha Gertrudes, o atual Rei Claudio planejou a morte do irmão, fazendo derramar em seus ouvidos um veneno mortal. A partir daí, começa o movimento do jovem príncipe em confirmar o que lhe disse o espírito do pai. Finda a inocência, o olhar por sobre o mundo de Hamlet identificará a malícia, a ambição desmedida, a falsidade em toda a parte e em toda a gente. O público, leitor e espectador, não saberá se, de fato, houve o regicídio, mas verá o quanto as palavras e as situações podem receber diferentes leituras, algumas delas bem desfavoráveis. No texto, a corrupção com fins criminosos poderá ficar clara somente nas cenas finais, mas aí já será tarde para identificar como tudo começou, se causada pela “loucura” de Hamlet ou se sua consequência.

Dirigida em conjunto por Dominic Dromgoole e por Bill Buckhurst (ambos já haviam dirigido a peça em separado em outros momentos), essa montagem se apresenta desprovida de suntuosidade. Três “paredes” de lona fazem as vezes de coxias e de rotunda enquanto caixas de transporte e algumas tábuas completam o cenário. O elenco reduzido em oito atores dá conta dos mais de vinte personagens. Segundo a tradição, era assim que as primeiras peças de Shakespeare foram inicialmente produzidas: prontas para serem apresentadas em qualquer lugar, para viajar longas distâncias e em circunstâncias difíceis e sem depender de muito dinheiro. A encenação estabelece bem o jogo entre os personagens, valorizando o texto, as pausas e as entonações.

Quanto ao elenco, a produção propôs uma divisão interessante: atores com traços caucasianos de um lado e outras raças de outro. O nigeriano negro Ladi Emeruva divide Hamlet com o descendente de paquistaneses Naeem Hayat enquanto a chinesa Jennifer Leong divide Ophelia com a negra descendente de latinos Amanda Wilkin. O personagem do fantasma do Rei Hamlet é interpretado por Rawiri Paratene, ator oriundo da tribo Maori da Nova Zelândia. Relacionando as feições dos intérpretes com os personagens interpretados, essa oposição do casting talvez sinalize que, assim como o espírito do monarca falecido, os jovens personagens Hamlet e Ophelia não pertencem ao mesmo mundo dos demais. O príncipe está certo de que sua própria mãe matou seu pai. Ophelia teve seu pai assassinado pelo seu futuro noivo. A consciência desses crimes os envolve em um regime alternativo de percepção da realidade.

São boas as interpretações de Keith Barlett (Polonius), de Tom Lawrence (Rosencrantz) e de Phoebe Fildes (Horatio), mas é de Ladi Emeruwa (Hamlet) o melhor trabalho em “Hamlet”. Para o espectador, está nítida a verdade impressa no seu olhar, na viabilização das intenções em cada fala, e em cada movimento, em cada ação e reação. Tantas vezes apresentado como um louco ou como um ingênuo, ou mesmo como vítima, esse Príncipe Hamlet é um homem que tragicamente cumpre apenas o destino que lhe foi imposto pelo espírito do falecido pai: vingar sua morte. É excelente! Tão bom resultado se encontra menos em Rawiri Paratene (Fantasma) e menos ainda em Miranda Foster (Gertrude), em John Dougall (Claudius) e em Jennifer Leong (Ophelia) pelo alto grau de inexpressão de seus trabalhos.

Os figurinos fazem estranha felizmente isolada referencia aos anos de 1940 sem qualquer motivo aparente nem articulação com outro elemento. Já descrita, a cenografia de Jonathan Fenson propõe um interessante vínculo dessa montagem com a tradicionalmente original, partindo de poucos elementos e centrando a narrativa no jogo entre os atores. Tem bom destaque a direção musical de Bill Barclay.

Funcionando com doações, sem dispor de fundos governamentais, a companhia do Shakespeare’s Globe, que honrou a cidade com sua visita, faz os interessados em teatro refletirem sobre a beleza das produções mais simples em termos visuais em oposição a bons trabalhos de encenação e um texto dramático de grandeza inigualável como “Hamlet”. Aplausos.

*

FICHA TÉCNICA:
Shakespeare’s Globe apresenta Hamlet, de William Shakespeare

Equipe de criação:
Direção: Dominic Dromgoole e Bill Buckhurst
Cenografia: Jonathan Fensom
Direção musical: Bill Barclay
Música original adicional: Laura Forrest-hay

Elenco:
John Dougall: Cláudio / Polônio
Ladi Emeruwa: Hamlet
Phoebe Fildes: Ofélia / Gertrudes / Horácio / Rosencrantz
Miranda Foster: Gertrudes
Naeem Hayat: Hamlet
Beruce Khan: Horacio / Rosencrantz / Laertes / Guildenstern
Tom Lawrence: Horacio/ Rosencrantz/ Laertes/ Guildenstern
Jenniffer Leong: Ofélia/ Horacio / Rosencrantz
Rawiri Paratene: Cláudio / Polônio
Matthew Romain: Horácio/ Rosencrantz/ Laertes/ Guildenstern
Amanda Wilkin: Ofélia/ Gertrudes / Horácio / Rosencratz
Keith Bartlett: Cláudio/ Polônio

Diretores de palco: Rebecca Austen, Carrie Burnham, Dave McAvoy e Adam Moor

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!