sábado, 20 de dezembro de 2014

Gertrude Stein, Alice Toklas e Pablo Picasso (RJ)

Foto: divulgação
Bárbara Bruno em cena


Sobre a "Geração Perdida"

Em cartaz no Teatro do Leblon, a peça “Gertrude Stein, Alice Toklas e Pablo Picasso” tem o mérito de oferecer, nos dias de hoje, um espaço riquíssimo para a reflexão sobre o papel da vanguarda na construção do pensamento modernista. Escrita por Alcides Nogueira, a peça se passa na primeira metade do século XX quando vários artistas se encontravam na casa da escritora americana Gertrude Stein (1874-1946) em Paris. Ernest Hemingway, Henri Matisse, Thornton Wilder, Jean Cocteau, F. Scott Fitzgerald e Pablo Picasso, entre outros, formavam a chamada Geração Perdida. O texto, no entanto, sugere uma aproximação entre a contemporaneidade e aquele período, exibindo a vitalidade daqueles encontros cheios de liberdade. Interpretado por Giuseppe Oristânio, por Sabrina Faerstein e por Bárbara Bruno, essa última dividindo a direção com Paulo Goulart Filho, o espetáculo merece ainda mais atenção pelo modo como se apresenta. Sem os tradicionais pontos de mudança, clímax e sem conflito narrativo em sua dramaturgia, a peça é ainda sim cheia de força estética.

Em 1996, Alcides Nogueira deu novas cores ao texto “Retrato de Gertrude Stein quando homem”, que havia sido escrito quatro anos antes e encenado pelo Grupo Fodidos Privilegiados, com direção e atuação de Antônio Abujamra, e com Vera Holtz e Suzana Faini no elenco, oferecendo à atriz Nicette Bruno, que então completava 50 anos de carreira dividindo o palco com Clarisse Abujamra e com Francarlo Reis. Dezoito anos depois, a nova montagem com direção de Paulo Goulart Filho e de Bárbara Bruno chega ao Rio de Janeiro em que se apresenta pela primeira vez. Coberto de quebras de referências, definindo o código como a sua recorrente negação, o  espetáculo se estrutura, por exemplo, justapondo figurinos que remetem aos anos 20 com um notebook, ou citações ao contexto histórico europeu do início do século XX com imagens da atualidade da política brasileira. A liberdade aparece em todos os cantos através de frases longas, digressões de pensamento e de retomadas de repertório da cultura ocidental. O resultado é a atenção constante do espectador que se mantém cativo, não apenas acompanhando os últimos anos da vida de Gertrude Stein, de sua esposa Alice B. Toklas e do amigo do casal Pablo Picasso, mas experimentando um certo tipo de festa com muita filosofia e excepcional criatividade. O melhor do texto de Nogueira é a inteligência dos diálogos nos quais a fluência ultrapassa a complexidade brilhantemente.

Bárbara Bruno (Gertrude), Sabrina Faerstein (Alice) e Giuseppe Oristânio (Picasso) apresentam um qualificado trabalho de interpretação que dribla bem a ausência de ação do texto. Os poucos movimentos pelo palco assumem a proposta de muito mais sugerir uma reflexão e bem menos de contar uma história. Os personagens são apresentados, assim, pela força da relação que estabelecem uns com os outros e não tanto por suas características próprias. Nesse sentido, a direção dos irmãos Bárbara Bruno e Paulo Goulart Filho se afasta positivamente de qualquer caricatura que pudesse superficializar Gertrude, Alice e Picasso, avançando por aspectos mais sutis de seus contornos. Estão lá o amor incondicional de Gertrude por Alice, mas também a autocrítica da primeira sobre seu próprio trabalho, as limitações culturais da segunda que não a impediam de contribuir para a obra da outra e a determinação de ambas em permanecer juntas por quase quarenta anos. Em contraponto, Picasso tem seu lado humano valorizado no âmbito de suas frustrações pessoais em relação à sua Espanha idealizada. Deste modo, a sensibilidade dos intérpretes na viabilização de suas figuras merece ser valorizada nessa produção, como também os delicados cenário e figurino de Maria Bonomi. No mesmo sentido, o desenho de luz de Daniela Sanchez e a trilha sonora original de André Abujamra.

“Gertrude Stein, Alice Toklas e Pablo Picasso” explora a não linearidade, a esparsa cronologia e o amplo uso de figuras de linguagem para dar a ver um mundo em que as regras eram quebradas pela necessidade de valorizar mais as perguntas do que as repostas. Os questionamentos ainda são essenciais. Viva a liberdade!


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Ficha técnica:
Autor: Alcides Nogueira
Direção: Bárbara Bruno e Paulo Goulart Filho
Cenário e Figurino: Maria Bonomi
Trilha Originalmente Composta: André Abujamra
Luz: Daniela Sanchez
Elenco: Bárbara Bruno, Sabrina Faerstein e Giuseppe Oristânio

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