Divertido
A comédia “Acabou o pó”, em cartaz no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro, tem texto de Daniel Porto, mesmo autor de “O pastor”. Na história dirigida por Vilma Melo, Nena (Leo Campos) recebe a visita inesperada de Kelly (Alexandre Lino) em cuja casa acabou o pó de café. Narrada em tempo real, a peça é a conversa entre as duas: seus problemas amorosos, suas relações com os filhos e parentes, seus valores e seus sonhos. Uma boa comédia.
O espectador assiste ao espetáculo como um voyeur, observando, julgando e se divertindo com o posicionamento de Nena e de Kelly frente aos desafios de suas realidades. Considerando os valores compartilhados pela televisão e espalhados por diversas mídias, a cena reproduz uma estrutura que, imagina-se, deve refletir o subúrbio carioca. Nesse lugar idealizado, há o atravessamento de regras advindas de outros contextos e de posicionamentos diversos que surgem a partir de outras situações. O estranhamento é imediato e esse só acontece pelo acúmulo de vários preconceitos. O resultado é que “Acabou o pó”, como aconteceu em “O pastor”, pauta uma determinada realidade, deixando para o público a responsabilidade de decidir o que fará com isso. O maior mérito, aqui como lá, é que não há o alargamento da realidade em questão, nem a transformação em estereótipo, nem a estilização. Há pura e simplesmente a representação, o que aumenta a importância do público em participar através do posicionamento crítico e, principalmente aqui, cômico.
Leo Campos e Alexandre Lino interpretam os personagens femininos flertando com a afetação, mas sem cair na figura gay felizmente. O tom de voz agudo e em volume alto, a voz cortante e a repleta utilização de ironia constroem uma visão de mundo que encanta porque faz o que é ingênuo e aproveitador conviverem bem. Nena (Campos) se exibe para a amiga com móveis e eletrodomésticos adquiridos por vias escusas enquanto Kelly lamenta o relacionamento com um homem casado. Nesse sentido, os dois trabalhos de interpretação são positivos porque dão a ver a impressão de simplicidade que esconde, na verdade, construções bem complexas, o que é valoroso. Há aqui visível mérito da direção de Vilma Melo também, claro.
“Acabou o pó” diverte, mas acrescenta mais pela possibilidade de fazer refletir.
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Ficha técnica:
Texto: Daniel Porto
Direção: Vilma Melo
Elenco: Alexandre Lino (Kelly) e Leo Campos (Nena)
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