terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Couve-flor (RJ)

Foto: divulgação

Da esquerda pra direita, Clarisse Zarvos, Nathália Lima Verde (de costas),
 Marília Nunes, Bel Flaksman (de costas), Sarah Lessa e Patrick Sampaio

Espetáculo promove reflexão sobre o conceito de família nos dias de hoje



“Couve-flor” tem o mérito de propor uma reflexão valiosa sobre o conceito de família nos dias de hoje. Com texto escrito em parceria entre Rosyane Trotta e os coletivos Miúda e Brecha, a peça tem Bel Flaksman, Clarisse Zarvos, Marília Nunes, Nathália Lima Verde, Sarah Lessa e Patrick Sampaio no elenco em meritosa encenação dirigida por Caio Riscado. Depois de ter cumprido uma bela temporada no Teatro Sérgio Porto, o espetáculo segue para outra na Sede das Companhias, na Lapa, zona central do Rio de Janeiro.

A história de “Couve-flor” começa quando Tobias (Patrick Sampaio) encontra Nina, uma antiga conhecida, que lhe convida para ficar em sua casa por uns tempos. Nina (Marília Nunes) divide a moradia com mais quatro mulheres – Luciana (Bel Flaksman), Malu (Clarisse Zarvos), Dora (Nathália Lima Verde) e Gab (Sarah Lessa) – e o grupo reage de diferentes formas ao novo morador. Tendo já iniciado uma pesquisa teórica sobre a definição de família na contemporaneidade, esse mergulho de Tobias na casa de Nina e de suas amigas poderá dar novos contornos ao seu trabalho acadêmico. Assim, ao longo da história, o pesquisador há de se interrogar sobre qual poderia ser o elemento catalisador dessa estrutura familiar que ele observa: Luciana, que é a dona da casa? Gab, que, sendo transexual, pode ser a figura masculina? Ou Malu e Dora, que são um casal? O problema da dramaturgia de “Couve-flor” é que a pergunta sobre o que faz dessa família ser família é unicamente uma questão intelectual do trabalho de Tobias cuja resposta não modifica nem sua vida, tampouco as das demais personagens. Negativamente, o grande conflito é apenas uma pergunta de pesquisa mal feita. 

Por outro lado, a família criada entre as cinco mulheres é, por si só, um objeto interessante para o desenvolvimento da narrativa. A liberdade até então cultivada pelas moradoras sofre abalos com a necessidade sentida por uma delas de um pouco mais de regras na casa, mas é relevantemente alterada pela chegada do sexto personagem. Há ainda a relação delas com os pais de Luciana e com os vizinhos que observam criticamente suas festas íntimas. Por ser uma transexual que mora com outras quatro mulheres, Gab/Gabriel é universo dramático a parte ao lado do processo de formação de um casal entre o grupo e as novas relações de convivência. Nesse sentido, o laço de amizade cujos diferentes níveis unem essas pessoas se apresenta como uma força muito mais atraente do que as monótonas reflexões teóricas que o personagem Tobias protagoniza. Nesses trechos, ao invés de investir na discussão do tema, a peça infelizmente parece querer discuti-lo sozinha.

A direção de Caio Riscado, assistido por Mayara Yamada e por Gunnar Borges, faz os intérpretes, os objetos cenográficos e os demais elementos cênico-narrativos preencherem o palco em igual medida, representando bem a atmosfera de ecossistema. A cena de abertura, em que há um giro de 360 graus no quadro de observação, é um exemplo do conceito que pode estar por trás da obra “Couve-flor”: uma questão tem sempre muitos lados e, na contemporaneidade, já não há mais espaço para um ponto de vista unilateral. No encadeamento das cenas, essa noção se aprofunda brilhantemente. Estendem-se aqui os elogios à direção de movimento de Luar Maria.

Livros, plantas, objetos de design, na elogiosa direção de arte de Natália Araujo, fazem referência à complexidade do ser humano que não se encaixa em padrões ainda que possa reproduzir modelos, mas esses não integralmente. A peça tem ainda participação marcante do desenho de iluminação de Marcela Andrade e de Pedro Struchiner além da direção musical de Rafael Lorga.

Quanto às interpretações, não há um grande trabalho individual, mas deve-se destacar positivamente a unidade do grupo. O elenco, cujas interpretações fogem do teatral e se aproximam de um real além da narrativa, tem seus melhores momentos na cena em que discutem o futuro do coletivo após a formação do casal Malu e Dora.

Entre todos os méritos de “Couve-flor”, certamente está o esforço em lembrar que família, principalmente no mundo de hoje, é uma questão de afeto. Vale a pena ser visto!


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FICHA TÉCNICA
Texto: Rosyane Trotta e coletivos Miúda e Brecha
Elenco: Bel Flaksman, Clarisse Zarvos, Marília Nunes, Nathália LimaVerde, Patrick Sampaio e Sarah Lessa
Direção geral e idealização de projeto: Caio Riscado
Direção de movimento e preparação corporal: Luar Maria
Direção de vídeo: Lucas Canavarro
Direção, produção musical e trilha sonora original: Rafael Lorga
Direção de arte, cenário e figurino: Nathália Araújo
Iluminação: Marcela Andrade e Pedro Struchiner
Design gráfico: Raul Taborda
Produção: Lia Sarno
Assistência de produção: Bel Flaksman
Assistência de direção, pesquisa e projeto: Mayara Yamada
Assistência de direção: Gunnar Borges
Stand-in: Mayara Yamada e Natália Araújo
Operador de luz: Marcela Andrade / Luar Maria / Gunnar Borges
Operador de som: Rafael Lorga / Caio Riscado / Mayara Yamada
Canção original: Pra fazer amor (Rafael Lorga e Clarice Lissovsky)
Referências textuais - citação: Ana Martins Marques ("Falésias") / paráfrases: Leonarda Gluck, Philippe Baptiste, Ivana Bentes e Lucas Lolli Savi.
Gravação e Mixagem: Estúdio DoisporDois
Realização: Miúda, Brecha e Rosyane Trotta

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