sábado, 26 de abril de 2014

Amores (RJ)

Grupo Os Desequilibrados faz 18 anos
Foto: Dalton Valério

Símbolo da nova e essencial dramaturgia brasileira

“Amores”, que ganhou vários prêmios de Melhor Texto quando estreou no fim dos anos 90, pode ser um símbolo de que a nova dramaturgia brasileira tem mesmo consistência e qualidade para ficar. Dirigido por Ivan Sugahara, a produção que abre a comemoração dos 18 anos de trabalho dos Desequilibrados é a segunda montagem do texto de Domingos Oliveira (1936) e mais um novo trabalho do grupo. Em cartaz na Sede das Companhias, na Escadaria do Selarón, na Lapa, a peça aborda o ponto de vista dos relacionamentos nos últimos anos pré-internet do Brasil. Porque feita com delicadeza e com bastante qualidade, “Amores” convida a pensar sobre o hoje com argumentos fortes, além de emocionar e de divertir.

Transformado em uma espécie de apartamento, o palco das Sede das Companhias é lugar onde esses personagens se encontram. Como quadros pendurados na parede, o público está dentro desses lugares, observando calado o que acontece. Há três partes fundamentais na história escrita por Domingos de Oliveira. Na primeira, o funcionário público Pedro (Saulo Rodrigues) e sua esposa Telma (Ângela Câmara) estão obcecados pela vontade de ter um filho. As falas são apressadas, o volume da voz é bastante alto, o tom é quase agressivo, pontuando o desespero deles com o relógio da fertilidade. Assim, ao querer “coroar” o casamento com o nascimento de um filho, Pedro e Telma se mostram mais próximos da separação contraditoriamente. Na segunda, decepcionado com a vida e extremamente carente com as relações, o roteirista de TV e professor de filosofia Vieira (José Karini) vive o dilema de ganhar a sua filha Cíntia (Lívia Paiva), ajudando-a no trabalho e com os namoros, mas também de justamente perde-la através dos mesmos motivos. Também aqui as brigas pontuam conversas que falam principalmente de amor, mas também de liberdade e de segurança. Como uma flor que nasce nesse asfalto, a terceira história aparece, sendo a mais bonita e a que é esmagada mais terrivelmente. Em “Amores”, a doce Luiza (Ana Abbott) parece ter encontrado o amor de sua vida, sendo correspondida lindamente pelo pintor Rafael (Lucas Gouvêa), mas ambos descobrem que ele é soropositivo nessa época do mundo em que a AIDS era sinônimo de sentença de morte física além de social. Situada no fim dos anos 90, é interessante pensar que, quando “Amores” foi levada ao palco pela primeira vez, os figurinos dos personagens eram as mesmas roupas que o público usava na plateia. As músicas eram as mesmas, o Presidente do Brasil era o mesmo, as referências culturais podiam ser as mesmas. Menos de vinte anos depois, a história desses amigos e desses parentes que se encontram para contarem de si talvez não seria a mesma se tivesse acontecido hoje, mas identificar essa diferença e refletir sobre isso são tarefas do público e mérito da direção.

Os trabalhos de interpretação são excelentes, mas maior ainda é o resultado em conjunto. É visível que a concepção que ampara a estrutura do que é visto em um diálogo é a mesma que está presente em outro, apesar de se mostrar em nuances diferentes. Dessa forma, ao se movimentarem pela narrativa, os personagens exibem uma história que é coesa e coerente, que é rica em suas diferenças e potencialidades, que é inteligente pelos vários níveis de interpretação que possibilita. “Amores” envolve o público com alegria e jovialidade, cheio de pretensões conquistadas: queremos ser amigos desses personagens, leva-los para casa e também nós contar-lhes nossas histórias.

Com minucioso cenário (Carolina Sugahara) e figurino (Tarsila Takahashi), trilha sonora e sonorização de primeiríssima qualidade nos mínimos detalhes, “Amores” investe sólida e inteligentemente no realismo, estando aí o motivo primeiro pelo qual o público se envolve tão facilmente com a história e com quem a conta. Nesse sentido, do texto que é dito às interpretações, da movimentação às pausas, em cada parte e no todo, “Amores” é uma bela obra que os Desequilibrados oferecem em seu próprio aniversário. Ganham aplausos e que também vida longa!

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FICHA TÉCNICA
Texto: Domingos Oliveira
Direção: Ivan Sugahara
Elenco: Ana Abbott, Ângela Câmara, José Karini, Lívia Paiva, Lucas Gouvêa e Saulo Rodrigues
Assistência de Direção: Beatriz Bertu
Cenário: Carolina Sugahara
Figurino: Tarsila Takahashi
Iluminação: Renato Machado
Programação Visual: Luciano Cian
Fotografia: Dalton Valério
Direção de Produção: Marcelo Chaffim
Realização: Os Dezequilibrados

Um comentário:

  1. Eu assisti. Adoreiiii ! -Assino em baixo de tudo que está escrito acima. Este grupo parece ter uma só cabeça e um só coração. Com uma imensa criatividade em conjunto, brincam em cena com total propriedade. Mais um trabalho deles que vou ver e saio gratificado.

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