quinta-feira, 5 de abril de 2018

Romeu + Julieta – Ao som de Marisa Monte (RJ)

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Foto: Fábio Motta

Acima, Claudio Galvão; abaixo, Bárbara Sut e Thiago Machado

Aventura Entretenimento completa 10 anos com ótimo espetáculo


O ótimo “Romeu + Julieta – Ao som de Marisa Monte” é o mais novo musical produzido pela Aventura Entretenimento. Com texto de William Shakespeare adaptado por Eduardo Rieche e por Gustavo Gasparani, a montagem tem direção assinada por Guilherme Leme Garcia e direção musical por Apollo Nove. Nos papeis títulos, têm ótimas interpretações de Bárbara Sut e de Thiago Machado, mas, no palco, também se destacam positivamente Kakau Gomes como Sra. Capuleto, Claudio Galvan como Frei Lourenço e, em especial, Stella Maria Rodrigues como Ama e Ícaro Silva como Mercuccio. Toda a estética do espetáculo apresenta resultado bastante valoroso, mas os figurinos de João Pimenta protagonizam os méritos. Esse clássico da literatura mundial, cujas apresentação se dispensa, ganhou, nessa versão, a poética das músicas da cantora e compositora carioca Marisa Monte. Para além de toda a beleza de um e de outro, é ainda mais lindo estar na plateia cantando canções tão especiais enquanto se celebra tão especial  história amor em obra tão qualificada. A peça fica em cartaz até dia 27 de maio no Teatro Riachuelo, na Cinelândia, com ingressos cujos preços agora variam entre R$25 e R$140 reais.Vale a pena! 

Romeu e Julieta reais? 
Escrita entre 1594 e 1596, ninguém sabe ao certo os detalhes da elaboração de “Romeu e Julieta” e nem tampouco de suas primeiras encenações. Há, porém, várias teorias sobre as inspirações de William Shakespeare (1562-1616) para lançá-la. Uma delas, célebre pelas pesquisas de Peter Ackroyd e de Clare Asquith, traz a perspectiva histórico-biográfica, que vale a pena ser conhecida. 

Essa teoria começa na amizade entre os jovens Shakespeare e Henry Wriothesley (1573-1624), o 3º conde de Southampton, a quem o dramaturgo dedicou os poemas “Venus e Adonis” e “O estupro de Lucrécia”. Wriothesley era filho de Mary Browne (1552-1607), que por sua vez era filha do Visconde de Montagu (1528-1592), um nobre católico que havia sido banido da Inglaterra, em 1558, na época da ascenção da Rainha Elisabeth I ao trono. Ele havia apoiado os governos dos irmãos Edward VI e Mary I, que reinaram no intervalo entre Henrique VIII e Elisabeth I. Além disso, em uma época de intensos conflitos religiosos na Inglaterra entre católicos e protestantes, o avô católico de Wriothesley liderou uma expedição a Roma a fim de reestabelecer o catolicismo no país perigosamente. 

Consta que uma primeira versão de “Romeu e Julieta” se apresentou na festa do segundo casamento do Visconde de Montagu (ou Montéquio?), quando ele se uniu a Magdalena Dacre (1538-1608). A festa aconteceu em 15 de julho de 1558, quatro meses antes do início do reinado de Elizabeth I (e quatro anos antes do nascimento de Shakespeare). Essa lembrança, na família de Wriothesley, era um fato marcante. 

Essa versão imemorial de “Romeu e Julieta” teria sido escrita pelo célebre dramaturgo George Gascoigne (1535-1577) com base em uma novela do italiano Matteo Bandello (1485-1561), que havia sido publicada em 1554. Bandello teria se baseado em Xenofonte de Éfeso (séc. II e III a. C.), Ovídio (43 a.C–17 d. C.), Dante Alighieri (1265-1321), Masuccio Salernitano (1410-1475) e em Luigi da Porto (1485-1529) para criar a história. Além da versão de Gascoigne, é possível que Shakespeare conhecesse a novela de Bandello por uma tradução dela para o francês, escrita por Pierre Boaistuau (1517-1566) e que se chamava “Histórias trágicas”, de 1559; ou por uma edição inglesa chamada “A trágica história de Romeu e Julieta”, publicada em 1562 e assinada por Arthur Brooke (? – 1563). (Vale lembrar que “A megera domada” foi inspirada em “The supposes”, de 1566, escrita por Gascoigne.) 

Muitos teóricos dessa perspectiva comentam que a versão shakespeareana de “Romeu e Julieta” é uma homenagem do bardo ao seu amigo Wriothesley, mas não apenas como uma referência ao seu avô. Há mais história envolvida. 

Com a morte de seu pai, o 2º conde de Southampton (1545-1581), Wriothesley passou a ser bastante favorecido na corte elisabetana por William Cecil, o Barão Burghley (1520-1598), um dos homens mais poderosos da Inglaterra no período. No entanto, por volta de 1591, o relacionamento entre Burghley e Wriothesley degringolou. O velho Burghley, muito próximo da Rainha, havia acertado o casamento entre Wriothesley com sua neta Elizabeth de Vere (1575-1627), também parenta do 7º conde de Oxford. O dote de 5 mil libras já havia sido pago, mas o jovem Wriothesley estava apaixonado por outra mulher e recusou a pretendente.

Prima do 2º conde de Essex, Elizabeth Vernon (1572-1655) era uma dama de honra de Elisabeth I. Essex também era amigo de Wriothesley e de Shakespeare e apoiava a união contra o acordo entre Burghley e Oxford. O casamento aconteceu em 30 de agosto de 1598, 26 dias após a morte do Barão Burghley, quando Vernon já estava grávida. Elizabeth I, em favor do falecido Burghley e de Oxford, mandou o jovem casal católico para a prisão de Fleet. Lá provavelmente nasceu a Lady Penélope Wriothesley, no mês de novembro. Ao ganhar a liberdade, Wriothesley e Essex participaram de uma rebelião contra a já idosa rainha em favor de seu tio Jaime VI da Escócia, esse que viria a se tornar, em 1603, Jaime I, novo rei da Inglaterra. Shakespeare acompanhou toda essa aventura. 

“Romeu e Julieta”, nessa leitura, está coberto de referências ao relacionamento entre Wriothesley e Vernon. Na história, o jovem Romeu da casa dos Montéquio (uma referência ao avô de Wriothesley) se apaixona por Julieta Capuleto, mas as duas famílias são históricas rivais na cidade medieval de Verona, na Itália. Frei Lourenço, confessor de ambos, planejando colaborar com a paz na cidade, os casa em segredo. Logo depois da cerimônia, porém, Romeu se envolve em uma briga e mata Teobaldo, primo de Julieta. (Elizabeth de Vere, que foi rejeitada por Wriothesley, nasceu no Castelo Theobalds, palácio do século XV que, no reinado de Elizabeth I, passou a ser de Burghley.) Por isso, ele é banido, partindo para Mântua. 

Em Verona, os Capuleto decidem pelo casamento de Julieta com o nobre Conde Páris, sem saber que ela já estava casada. Frei Lourenço, para resolver a situação, sugere que, na véspera do casamento, a jovem beba uma poção que lhe dará aparência de morta por 48 horas. E manda um mensageiro a Mântua para explicar tudo a Romeu. Uma peste impede que a verdade chegue ao jovem Montéquio que, desesperado com a notícia da morte de Julieta, compra um veneno e volta para visitar o túmulo de Julieta. Lá ele se mata e, quando Julieta acorda, ao ver o corpo do marido, apunhala-se, morrendo também. 

A enorme beleza dos versos de Shakespeare fez dessa história uma das mais famosas na cultura ocidental. Mesmo quem já a conhece muito bem se encanta com sua força. As referências históricas que essa perspectiva trazida aqui oferece, porém, podem deixar tudo ainda mais interessante. Vale lembrar, nesse sentido, de que a Lady Penélope Wriothesley (1598-1667), a primeira filha de Wriothesley e de Vernon, se casou com o 2º Barão Spencer (1591-1636), antigo antepassado da Lady Diana Spencer (1961-1997), a princesa de Gales. Ou seja, por que não pensar que o atual Príncipe William e seus herdeiros são descendentes diretos dos reais Romeu e Julieta? 

A cuidadosa versão de Guilherme Leme Garcia 
A versão dirigida por Guilherme Leme Garcia conserva a beleza poética do clássico shakespereano. Diferente de “Hamlet”, cuja mania de cortar precisa ser abolida, “Romeu e Julieta”, como outras peças do bardo, teria seu ritmo muito prejudicado sem adaptações para o palco. No original, cada fala dos protagonistas é longuíssima, capaz de deleitar o leitor pelo enorme lirismo, mas de também cansar o público de teatro mais ávido por ação. 

Em “Romeu e Julieta”, toda a narrativa acontece, essencialmente, em 3 três dias, sendo que a última cena tem lugar em torno de quarenta e oito horas depois do terceiro. Em termos do ótimo ritmo da encenação, há um acumular de ações nos primeiros três dias e um arrastar sutil nos últimos dois. Shakespeare faz o trem correr para deixá-lo cair do despenhadeiro muito lentamente, tornando a dor da queda ainda mais atroz. E Guilherme Leme Garcia compreendeu esse jogo muito bem. Há uma pulsação intensa nos personagens na primeira parte que sede lugar para um horror em suas faces no segundo turno. Não há invenção da roda, mas a celebração da beleza com toda a sua galhardia. 

As coreografias de Toni Rodrigues e os jogos de esgrima de Renato Rocha ocupam lugares discretos, mas significativos nessa montagem. Apesar da presença das músicas, “Romeu e Julieta” não se torna um musical a la Broadway, o que pasteurizaria demais sua profundidade trágica. Tudo parece servir para compor o quadro, preencher a paisagem desenhada por Shakespeare, sem qualquer esforço tolo em tomar-lhe o lugar. E nisso tudo é muito valoroso, distinto e positivo. 

Marcam presença os figurinos de João Pimenta com visagismo de Fernando Torquatto. A montagem mostra-se distante das versões cinematográfias de George Cukor e de Franco Zeffirelli, mas também também longe da de Baz Lhurmann. A referência mais possível é o universo semântico de Marisa Monte de modo que se pode dizer que é no guarda-roupa em que a trilha sonora se encontra com a poesia. 

Nas letras das canções de Marisa Monte, o amor é uma força que sobrevive ao tempo e o tempo, por sua vez, é um ambiente maior que o lugar. A afetividade na escolha das cores (branco, doutorado, cinza) aproxima a peça da lembrança, da memória, do passado. “Romeu e Julieta”, de Pimenta, mas também de Apollo Nove, é uma fotografia antiga e apagada cuja imagem ainda vibra em nosso peito, atual e forte. O desenho de som de Carlos Esteves e a direção vocal de Jules Vandystadt devem ter seus méritos reconhecidos considerada a enorme dificuldade imposta pela sonoridade de Marisa Monte. O tom da cantora e sua afinação passam por lugares bastante específicos, muito particulares, que são bastante difíceis de reproduzir (ou de reconstruir) em beleza similar. O desafio foi vencido felizmente! 

Daniela Thomas, como de costume, participa pouco, mas eficientemente através de criações cenográficas inteligentes e que se casam muito bem com o desenho de luz, esse assinado aqui por Monique Gardenberg e por Adriana Ortiz. O palco está bem preenchido, quadros muito bonitos se dão a ver na oposição entre a luz morta da fronte e a escuridão do fundo. Em tudo, se vê uma concepção bem amarrada que traz a história, a memória, o sentimento para ferir, curar e ensinar. Guilherme Leme Garcia teve colaboração artística, nesse espetáculo, de Vera Holtz. 

Ícaro Silva
Ótimas atuações!
Tanto Romeu como Julieta são personagens pouco interessantes para o trabalho de ator porque bastante limitados pelo texto que os têm como protagonistas. Dar-lhes vida é praticamente cumprir um roteiro de ações já cristalizadas que é atravessado pelas inúmeras montagens anteriores e por toda a expectativa natural que se criou em seus entornos. Bárbara Sut, com belíssima voz, e Thiago Machado vencem o desafio de manterem-se comportados dentro desse roteiro e de apenas servirem-se do carisma natural ao qual a plateia há de agradecer se se cumprir o combinado. Nem um, nem outro intérprete, nos personagens protagonistas, parece estar interessado em brilhar mais que Shakespeare e, por isso, ambos são iluminados pelo texto de modo muito elogiável. É gostoso, mesmo sabendo de toda a história de trás para a frente, torcer por eles, emocionar-se com eles, deixar-se tocar através deles. 

Há, no entanto, outros personagens mais generosos. E esses aqui têm ótimas chances. Stella Maria Rodrigues e Ícaro Silva trazem uma Ama e um Mercuccio deliciosos: afiados, libidinosos, corajosos, sensíveis, leais. Em excelentes interpretações, essas duas figuras brilham no todo da montagem com máxima potência graças ao empenho de seus realizadores talentosos. Outros dois trabalhos destacáveis são os de Claudio Galvan, que brilha no final do primeiro ato, e o de Kakau Gomes, respectivamente Frei Lourenço e Sra. Capuleto. Eles protagonizam belos números musicais com suas lindas vozes, mas também outras cenas com grande força e presença cênica. Bruno Narchi, Marcello Escorel e Kadu Veiga trazem Benvólio, Sr. Capuleto e Príncipe de modo ajustado e adequado sem grandes destaques. 

Os dez anos da Aventura Entretenimento
“Romeu + Julieta – Ao som de Marisa Monte” é a vigésima quinta produção da Aventura Entretenimento em seus dez anos de existência. É muito bonito vê-la encontrar sua vocação: a de produzir espetáculos de qualidade com profissionais competentes e em realizações dignas de seus currículos. Todos temos que comemorar essa data festiva! Esse espetáculo é ótimo! 

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Ficha Técnica

Concepção e Direção: Guilherme Leme Garcia

Adaptação e roteiro musical: Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche

Colaboração Artística: Vera Holtz

Direção Musical: Apollo Nove

Direção vocal: Jules Vandystadt

Coreografia: Toni Rodrigues

Lutas: Renato Rocha

Cenário: Daniela Thomas

Figurino: João Pimenta

Visagismo: Fernando Torquatto

Desenho de luz: Monique Gardenberg e Adriana Ortiz

Desenho de Som: Carlos Esteves

Desenho gráfico: Victor Hugo

Produção de Elenco: Marcela Altberg

Elenco: Bárbara Sut (Julieta), Thiago Machado (Romeu), Ícaro Silva (Mercuccio), Stella Maria Rodrigues (Ama), Claudio Galvan (Frei), Marcello Escorel (Sr. Capuleto), Kacau Gomes (Sra. Capuleto), Bruno Narchi (Benvoglio), Pedro Caetano (Teobaldo) Diego Luri, Kadu Veiga, Max Grácio, Neusa Romano, Franco Kuster, Gabriel Vicente, Laura Carolinah, Luci Salutes, Saulo Segreto, Thiago Lemmos, Vitor Moresco, Gabi Porto, Santiago Villalba, Daniel Haidar e Natália Glanz.

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