quarta-feira, 11 de abril de 2018

Isso vai funcionar de alguma forma (RJ)

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Foto: divulgação

No centro, em destaque, Larissa Siqueira


Merece mais tempo na sala de ensaios

A peça “Isso vai funcionar de alguma forma”, em uma alusão ao próprio título, funciona bem em três aspectos. O primeiro deles é como intenção, considerando a importância de se debater cada vez mais questões relativas a gênero e a sexualidade com vistas à construção de um mundo mais humano, respeitoso e democrático. O segundo deles é como experimentação cênica, isso no sentido de dizer que buscar novas formas de expressão artística é sempre um compromisso assumido por bons realizadores e que merece ser aplaudido. O terceiro deles é enquanto realização pessoal, pois deve ter sido interessante para seus responsáveis ver-se em cena, ocupando uma pauta nobre na programação de teatro carioca. Fora esses três aspectos, no entanto, o espetáculo é muto ruim. Os méritos estariam garantidos em uma sala de ensaio, na casa das atrizes, diretoras e dramaturgas, mas estão insuficientes ao público carioca, que merece, no mínimo, uma montagem que vá além das intenções e do ego e consiga oferecer algum apuro estético relevante. No elenco, estão Amanda Mirásci, Dominique Arantes, Larissa Siqueira e Vilma Melo, além de Mariana Nunes, que nem precisou vir à sessão (aqui analisada) para o espetáculo acontecer. Com direção de quatro mulheres e dramaturgia de outras quatro, a péssima montagem multiplamente assinada está em cartaz no Teatro Oi Futuro do Flamengo até 29 de abril. Não vale a pena ver. 

Pretensamente tudo, realmente nada 
Os textos “Licença”, de Renata Mizrahi; “Movimento plantar”, de Dominique Arantes; “Silência”, de Keli Freitas; e “Você tem medo de quê? / Não pode”, de Daniele Ávila Small, fazem parte da dramaturgia do espetáculo “Isso vai funcionar de alguma forma”. Para quem está sentado na plateia, em termos de organização dramatúrgica, o que se vê é uma justaposição de composições verbais ou somente cinéticas que podem querer dizer zilhares de coisas como também não dizem nada. No todo, exigem demais a boa vontade da audiência em dar sentido para o que se oferece, funcionando como uma garatuja que precisa do amor de mãe para ser vista como obra de arte. 

Sobram gritos, palavras soltas, trechos desconexos em meio a algunas exceções positivas cujo mérito aumenta com a interpretação, mas já existiria sem ela. Encontrar, como tema, as questões de gênero (e da luta das mulheres contra uma sociedade misógina e demais pautas relativas à identidade, ao respeito às diferenças e ao fim do preconceito) é um desafio estimulado pela composição da ficha técnica e pelos textos do programa, mas definitivamente não pela dramaturgia do espetáculo em si. Ou seja, ainda que esteja pintado e seja vendido como peça contemporânea, a obra está absolutamente dependente de materiais exteriores a ela. Esses materiais estão à produção como as bulas ao remédio. E isso não é contemporâneo, é só ruim mesmo. 

Cristina Moura, Denise Stutz, Inez Viana e Rúbia Rodrigues assinam a direção, mas o problema é que o espetáculo não tem direção. Isto é, como uma estrutura única, ele não tem forma, não se dirige a lugar algum, cabendo, ao invés disso, em qualquer lugar de qualquer mapa semântico. Em uma cena inicial, quatro atrizes mudam de posição em relação a uma cadeira e algumas cadeiras. Em outras, se dedicam a construir um círculo de terra. Para exemplificar, essas imagens são imagens, mas, excetuando suas existências no mundo, não marcam posição alguma. 

Em termos de encenação, tudo o que se vê em “Isso vai funcionar de alguma forma” parece ser um embrião recém concebido em uma sala de ensaio e que, inadvertidamente, ganhou uma pauta, um programa e um letreiro e foi parar na grade de programação oficial do teatro carioca. Nem as quatro dramaturgas, nem as quatro diretoras parecem ter assistido ao espetáculo assinado por elas e, de fato, se responsabilizado pelo “filho” que carrega seus sobrenomes juntos aos das atrizes e das demais membros da equipe criativa. 

Não está pronto 
Amanda Mirásci, Dominique Arantes, Larissa Siqueira e Vilma Melo desperdiçam seus repertórios expressivos na composição de paisagens abstratas demais (se se considerar o espetáculo em cartaz como uma produção cuja etapa de criação já terminou). É possível identificar grande força nas presenças cênicas de Melo e de Siqueira, mas essas, assim como a sensibilidade de Mirásci, são características que fazem parte das idiossincrazias das intérpretes e não propriamente são explorações de alguma possibilidade estética de seus repertórios como artistas. O trabalho de Mariana Nunes como atriz nem pôde ser considerado, pois, no dia de análise da sessão, a atriz teve um problema e faltou sem que isso impedisse a apresentação da peça. 

A cenografia de Mina Quental (Ateliê na Glória), a luz de Daniela Sanchez e a direção de trilha sonora de Letícia Novaes servem para tudo e para nada. A maior metáfora disso, no entanto, se vê no figurino de Luiza Fardim: uma colagem de vários tecidos em modelagem esquisita que pouco faz além de enfeiar as atrizes. 

Ao público de “Isso vai funcionar de alguma forma”, cuja ficha técnica é imensa!, cabem dois caminhos: ou produzir gritos sonoros de quem finge que entendeu alguma coisa, mas, na verdade, está só afetivamente torcendo para que as meninas se deem bem em seus intentos; ou assumir que o que está em cartaz não está pronto e, portanto, não deveria estar ali, mas ainda em preparação. 

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FICHA TÉCNICA

Idealização e Coordenação artística: Dominique Arantes e Rúbia Rodrigues – Grupo BARKA

A partir das dramaturgias: “Licença” de Renata Mizrahi; “Movimento Plantar” de Dominique Arantes; “Silência” de Keli Freitas e “Você tem medo de quê?/Não pode” de Daniele Ávila Small

Direção Cristina Moura, Denise Stutz, Inez Viana e Rúbia Rodrigues

Elenco: Amanda Mirásci, Dominique Arantes, Mariana Nunes, Larissa Siqueira e Vilma Melo

Direção de trilha sonora: Letícia Novaes

Iluminação: Daniela Sanchez

Figurino: Luiza Fardin

Cenografia: Mina Quental – Ateliê na Gloria

Assistente de Figurino: Julie Mateus

Assistente de cenografia: Ana Clara Albuquerque

Assistente de fotografia: Daniela Paoliello

Direção de Palco: Ana Paula Gomes e Mariah Valerias

Operação e técnico de Luz: Rodrigo Lopes

Operação de Som: Camila Costa

Cenotécnico: André Salles

Tradução em libras: JDL Traduções

Programação Visual: Elisa Riemer

Fotos e registros videográficos: Elisa Mendes

Assessoria de Imprensa: Bianca Senna – Astrolábio Comunicação

Mídias Sociais: Rafael Teixeira

Direção de Produção: Davi de Carvalho – Travessia Produções.

Produção executiva: Ártemis Amarantha, Jefferson Almeida e Tamires Nascimento - Tem Dendê! Produções

Assistente de Produção: Lucas Lins

Coordenação Administrativa: Davi de Carvalho

Assessoria Contábil: Jorge Chenkel – CVR Contabilidade

Assessoria Jurídica: Colen Advogados e Assistentes

Patrocínio: OI, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Lei de Incentivo à Cultura

Produção: Travessia Produções

Realização: Grupo Barka e Travessia Produções

Apoio Cultural: Oi Futuro

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