domingo, 15 de abril de 2018

LTDA (RJ)

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Foto: Ricardo Borges

Brunna Scavuzzi e Lucas Lacerda


Uma direção criativa de Debora Lamm

“LTDA” é o mais novo espetáculo do Coletivo Ponto Zero, uma companhia de atores baianos radicada no Rio de Janeiro que assinou o ótimo “Curral Grande” há dois anos. Com um texto interessante de Diogo Liberano, mas que peca pelo excesso de linearidade, a projeto investe meritosamente no tema das “fake news” (notícias falsas), essa uma das pautas mais essenciais dos dias que vivemos no Brasil. A direção de Debora Lamm, pela criatividade, é o ponto alto da montagem que tem, no elenco, as interpretações de Brisa Rodrigues, Brunna Scavuzzi, Leandro Soares, Lucas Lacerda e de Orlando Caldeira com destaque para a primeira. A peça, que recém estreou, fica em cartaz no absurdamente congelante Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura, na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, até o dia 26 de maio. 

Dramaturgia linear demais 
Embora deva ser aplaudida em função do trato com o tema das “fake news”, a dramaturgia de Diogo Liberano não é boa porque é linear demais. Desde o começo da peça, sabe-se indubitavelmente quem é o herói – o jovem Edimilson – e quem são os vilões – os sócios Lydio e Lenise. Eles se reconhecem, inclusive entre si, como nessas funções narrativas e a estrutura dramática inicial se mantém intacta até o final da história sem alterações. Nos trechos finais, é possível notar a falência das forças dramatúrgicas até o apelo a algo emotivo que possa trazer algum brilho à narrativa. É quando dados estatísticos sobre a mortandade de afrodescendentes no Brasil e, em especial, o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco são citados. Esses dois aspectos, de um modo geral, nada têm a ver com o tema central de “LTDA” a menos que, em um esforço reflexivo, consideremos que tudo tem a ver com “fake news” no Brasil, o que não é de todo uma inverdade. 

A narrativa começa quando Edimilson (Leandro Soares), recém saído de uma graduação em jornalismo, faz uma entrevista para ser admitido como funcionário em uma empresa de comunicação. Na antessala da entrevista, os sócios Lydio (Lucas Lacerda) e Lenise (Brunna Scavuzzi) têm um diálogo acirrado que demonstra as divergências entre os colegas acumuladas desde muitos anos. O candidato descobre - sem muito esforço e inclusive com a ajuda dos entrevistadores - que a empresa, na verdade, se trata de uma célula criadora e multiplicadora de notícias falsas. Elas visam criar uma realidade a partir da qual o interesse da massa consumidora se assanhe, aumentando as vendas do produto do cliente contratante. Na boca dos personagens, de modo claro e direto, há a certeza de que essa é uma atividade antiética (e perigosa!) em todos os termos, desde os profissionais até os sociais. Motivado pela sua falta de dinheiro e pela necessidade de sobrevivência, Edimilson se deixa contratar [e não fica exatamente claro porque ele não foi preterido por outros candidatos menos questionadores]. 

Nessa dramaturgia de Liberano, há três investidas interessantes às quais se espera algum desenvolvimento que infelizmente não chega, o que é frustrante. Como já se disse, há duas forças opostas no texto, cada uma delas representada por algum personagem. Edimilson, ao ser contratado pela empresa, corre o risco de sucumbir aos seus ideais, mas em nenhum momento isso acontece. Até o final de “LTDA”, ele será o herói puro e incorruptível que se conheceu no início. Do outro lado, sobretudo por parte de Lenise, há dissidência iminente na empresa. É possível que a “força do mal” possa se corromper com a entrada do mocinho, mas, em qualquer lugar da narrativa, não há qualquer desenvolvimento dessa possível transformação também. 

Por tudo isso, o personagem mais interessante de “LTDA” é o de Luana (Brisa Rodrigues). Ela já era uma funcionária da empresa antes da chegada de Edimilson. Não se sabe se ela faz parte da equipe criativa ou se é só integrante do corpo burocrático, mas se percebe que ela nem é do mal, nem é do bem. Habitando em um lugar para além da ética, ela está, durante todo o recorte que se vê no texto, absorta em seus próprios dilemas sem participar nem de um momento, nem de outro. O problema disso, voltando à questão inicial do excesso de linearidade, é que, mesmo com ela, o equilíbrio se mantém inabalável. 

Um ponto, a princípio, enigmático de “LTDA” é a figura do Narrador (Orlando Caldeira). Ele descreve as cenas, apresenta os personagens e as situações e tem poder de comando do que acontece na narrativa sem nunca exatamente se apresentar. Lá pelas tantas, descobre-se que ele é o dramaturgo, escrevendo – com má vontade - a história de Edimilson, mas que preferiria estar trabalhando sobre sua própria história. Em linhas gerais, nessa peça, o Narrador é um alter ego de Diogo Liberano que, por algum motivo, preferiu não estar ele próprio no palco como fez em “Sinfonia sonho”, espetáculo da sua companhia Teatro Inominável que estreou em 2012. A falta de função dramatúrgica do personagem não lhe traz qualquer mérito infelizmente. 

Sendo assim, os méritos da dramaturgia de “LTDA” se reduzem a dois aspectos: o primeiro diz respeito ao modo como Liberano sustenta o interesse da audiência, criando zonas de possíveis conflitos que infelizmente não acontecem. O segundo, e mais importante, se refere à atualidade do tema da dramaturgia. O problema desse aspecto, porém, é que o texto faz a reflexão pelo público: ele próprio diz como o tema deve ser encarado, ele mesmo trata a audiência como uma massa acéfala incapaz de tomar partido, quase recaindo sobre os pontos que critica na sociedade além da narrativa. Enfim, não é bom. 

Ticiana Passos e Ana Luzia de Simoni ao lado de Debora Lamm 
O bom é que “LTDA” recebeu de Debora Lamm uma direção bastante criativa. Cada novo quadro surge em cena de um jeito diferente e interessante em que se exploram positivamente possibilidades cênicas bastante valiosas. Os Sócios, diferente dos demais personagens, usam um microfone para se comunicar em talvez uma referência sobre o poder de sua voz na mídia. O núcleo principal da narrativa acontece em um pequeno tablado no centro do palco, que divide o espaço cênico em zonas mais e menos privilegiadas. Em um determinado momento, quando CC está conversando com Luana, o Narrador vai substituindo os objetos da mão da primeira e, assim, alargando o campo semântico do diálogo ao infinito. E, assim, poder-se-iam citar vários pequenos detalhes do espetáculo que reforçam os elogios à Lamm, assistida por Junior Dantas, nesse seu trabalho de direção. 

Há ainda em “LTDA” ótima colaboração dos figurinos de Ticiana Passos. Como sempre, ela age em favor do quadro, compondo-o em uma divisão de cores que é muito interessante. O guarda-roupa, que já é uma marca de Passos como artista visual, é composto por um vestuário quase realista com o qual o público se identifica e, melhor ainda, se localiza na história, essa trazida para perto de si. Pode-se destacar o casaco usado por Lenise como elemento que, saindo fora da curva, chama a atenção para si e auxilia na valorização de todo o resto positivamente. O visagismo é assinado por Josef Chasilew 

O desenho de luz de Ana Luzia de Simoni participa ativamente do empenho de Lamm em melhorar o ritmo do espetáculo apesar do marasmo do texto. Com colaborações bastante específicas e pontuais, o feito traz grandes méritos ao quadro desde a cena de abertura, às paisagens de conflito e até aos trechos de quebra de quarta parede. A direção musical de Marcello H., em alguns momentos, concorre com a voz dos atores e com o ar condicionado do teatro, mas sobrevive aos problemas e faz boa participação. 

Bom conjunto de atuações 
No que se refere às interpretações, Brunna Scavuzzi (Lenise) e Orlando Caldeira (Narrador) apresentam bons trabalhos, mas sem grandes destaques, atuando em zonas confortáveis, justas, honestas, mas sem brilho. Lucas Lacerda (Lídio) é quem mais se esforça para criar quadros mais complexos em sua composição, mas provavelmente o ator sofra pela falta de conflito no modo como seu personagem foi criado pela dramaturgia. É interessante notar como ele saboreia as palavras, como usa bem o corpo, as pausas e as intenções, mas também é desanimador reparar como tudo isso parece se esgotar quando se percebe que nada diferente acontecerá com ele na narrativa. 

Leandro Soares (Edimilson) passa dois terços da peça apresentando uma atuação inexpressiva através de um uso da voz sem movimentos e feições sem qualquer transformação. No trecho final, porém, há uma considerável modificação em todos os aspectos, o que faz com que a peça termine com melhores luzes sobre seu trabalho felizmente. Brisa Rodrigues, o maior destaque do elenco, se serve bastante bem de uma personagem relativamente isolada da narrativa, trazendo uma composição bastante bem defendida por meio de sua postura, do seu tom de voz e de suas expressões. Ao longo da sessão, ela se modifica exibindo ótimo repertório expressivo que conquista o público e traz mais aplausos ao conjunto. 

O mérito da pauta das “fake news” 
O bom espetáculo “LTDA” dá importante contribuição à grade de programação teatral carioca por pautar as “fake news” no debate, mas também por se viabilizar a partir da ótima direção de Debora Lamm e também de meritosas colaborações de Ticiana Passos, Ana Luzia de Simoni e de Brisa Rodrigues. Que faça uma bonita carreira! 

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Ficha técnica:

Dramaturgia: Diogo Liberano
Direção: Debora Lamm
Direção de Produção: Lucas Lacerda
Direção de Movimento: Denise Stutz
Criação Sonora: Marcelo H
Figurino: Ticiana Passos
Visagismo: Josef Chasilew
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Cenário: Debora Lamm
Assistente de Direção: Junior Dantas
Assistente de Figurino: Brisa Rodrigues
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Programação Visual: Daniel de Jesus
Fotos de Divulgação: Ricardo Borges
Making Off: Mika Makino e Tatiana Delgado
Marketing Digital: Eddesign - Maria Alice Edde
Produção Executiva: Geovana Araujo Marques
Assistente de Produção: Julia Kruger e Naomi Savage
Gestão Fnanceira: Carlos Darzé e Lucas Lacerda
Realização: Coletivo Ponto Zero

Personagens e elenco:
Lydio, o sócio - Lucas Lacerda
Lenise, a sócia - Brunna Scavuzzi
Luana, a antiga funcionária - Brisa Rodrigues
Edimilson, o novo funcionário - Leandro Soares
O leitor - Orlando Caldeira

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