sexta-feira, 13 de abril de 2018

Cauby! Cauby! – Uma lembrança (RJ)

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Foto: Dalton Valério

No centro,Diogo Vilela

Diogo Vilela em excelente trabalho


O ótimo “Cauby! Cauby! – Uma lembrança” é o novo musical de Flávio Marinho e de Diogo Vilela sobre o cantor niteroiense Cauby Peixoto (1931-2016). A peça estreeou nesse verão no Teatro Carlos Gomes e recentemente fez excelente temporada no Centro Cultural João Nogueira – Teatro Imperator, no Méier, na zona norte do Rio de Janeiro. Além de Diogo Vilela, que interpreta com sensibilidade o protagonista, o elenco é também formado por Paulo Trajano, Aurora Dias e, em especial, Sabrina Korgut e Sylvia Massari além de outros atores. Com direção musical de Liliane Secco, o espetáculo narra a vida daquele que foi considerado o maior cantor da história da música brasileira. Felizmente, a peça dá privilégio ao aspecto da solidão mais do que aos fatos biográficos. Nesse momento, a produção, que também lindos figurinos de Ronald Teixeira, está fora de cartaz, mas espera-se que retorne tão logo quando possível. 

Ótimo musical faz da vida uma metáfora 
“Cauby! Cauby! – Uma lembrança” é muito mais uma peça sobre a solidão de um cantor que foi famoso do que mais um musical biográfico felizmente. No texto de Flávio Marinho, os fatos principais de sua vida aparecem, mas surgem não tanto para informar o público sobre o que já consta em seu wikipedia. Ao contrário disso, em privilégio, está a construção da imagem de um homem que foi um grande popstar, tido como símbolo sexual de sua geração e considerado o maior cantor entre todos os cantores do Brasil, mas que, nas últimas décadas de sua vida, está completamente só. Em outras palavras, é uma reflexão sobre a tese de que os momentos de glória, de sucesso e de esplendor não são garantias de um futuro tão pleno. Ou seja, é preciso valorizar ao máximo os bons momentos, porque, se eles passarem, ficarão as boas lembranças. 

A dramaturgia começa após a morte do homenageado quando dois jovens estudantes de jornalismo – Alex (Luiz Gofman) e Mara (Ryene Chermon) – procuram Dona Nancy, uma fã de Cauby Peixoto que ganhou notoriedade por sua fidelidade ao ídolo. Foi ela quem acompanhou o cantor nos últimos anos de sua vida, e essa história está contada no documentário “Cauby – Começaria tudo outra vez”, dirigido por Nelson Hoineff, de 2013. Nancy ajuda os jovens com seu trabalho e, a partir disso, os personagens vão surgindo em cena. No entanto, talvez por ela não ser testemunha ocular dos fatos narrados, esses aparecem com vida própria, fugindo de Nancy e investindo no imaginário da plateia que se identifica com a história como se ela fosse sua. 

Como não poderia deixar de ser, o texto é também oportunidade para vários números musicais através dos quais o público mais velho pode se lembrar e o mais jovem pode conhecer canções que fizeram parte da vida de quem estava aqui dos anos 40 aos 60 dos século passado principalmente. Representações de Emilinha Borba, Ângela Maria, Lana Bittencourt, Maysa Matarazzo ganham lugar enquando dezenas de outros nomes nacionais e internacionais são citados. Com habilidade, tudo isso constrói um quadro que terá suas forças testadas ao limite. O mais bonito é reparar que boa parte dos artistas pré-bossa nova, com exceções bem pontuais, não reagiram às transformações, mas prefeririam continuar tocando seus violinos enquanto o Titanic da música romântica afundava. Ouvi-los hoje é entrar em contato com uma sonoridade completamente diferente, mas de inegável enorme valor. 

Assim, a organização dramatúrgica está eficientemente desenvolvida sob um tripé composto de informações biográficas do homenageado, sobre os números musicais, mas há um terceiro, que une os dois: o carisma do personagem (e de seu intérprete). Prende o público a esperança humana de que o protagonista seja feliz de novo ao final. E há que se assistir à peça para saber se ele será. 

A produção atual sucede a de “Cauby! Cauby! - O menino pobre que queria ser príncipe”. Lançada em 2006, a peça tinha também Diogo Vilela interpretando o papel título, trabalho que lhe conferiu o Prêmio Shell de Melhor Ator do ano, e Sylvia Massari. Além deles, integrava o elenco Stella Maria Rodrigues,Arlindo Lopes, Marya Bravo e grande elenco também, como essa, com coreografias de Tânia Nardini, figurinos de Ronald Teixeira e direção musical de Liliane Secco. 

Diogo Vilela brilha como Cauby Peixoto 
A direção de Flávio Marinho e de Diogo Vilela, nessa versão, assistidos por Juliana Medella, impõe o ritmo relativamente ágil dentro do possível em uma dramaturgia memorialista que tem a palavra “lembrança” em seu título. Diferente da versão anterior, o cenário de Ronald Teixeira de Guilherme Reis traz uma enorme quantidade de objetos para ver, o que reduz o palco e consequentemente torna as distâncias mais curtas. A opção traz resultado positivo na articulação das cenas, essas com divisões bem marcadas entre diálogos e números musicais. De modo constante e seguro, o espetáculo atravessa o tempo e ocupa o espaço sem percalços embora sem também, em termos de direção, grandes momentos. 

Como já se disse, os figurinos de Ronald Teixeira, o cenário dele e de Reis e a direção musical de Liliane Secco colaboram bastante bem para os méritos do todo pela alta qualidade de todos os seus empenhos. O guarda-roupa de Cauby Peixoto na peça é feito com o maior cuidado e capricho, sem aproximar o personagem de uma caricatura possível e nem levá-lo a ser descrito como alguém que ele não foi. Essa sensibilidade há que ser destacada elogiosamente. Tânia Nardini, assinando as coreografias, e Maneco Quinderé, assinando o desenho de luz, fazem boas participações, mas sem destaques. 

Do elenco de “Cauby! Cauby! – Uma lembrança”, vale dar atenção aos trabalhos de Paulo Trajano (Di Veras) e o de Sylvia Massari (Dona Nancy). Com ótimos desempenhos, eles trazem vida ao texto, chamando positivamente a atenção e conseguindo oferecer ao todo alguma irregularidade positiva. Sabrina Korgut (Angela Maria) e Aurora Dias (Lana Bittencourt) são as melhores vozes do conjunto e, por isso, também participam bem ao lado de Luiz Menezes, como excelente bailarino. Também integrado por Luiz Gofman, Ryene Chermon e por Rafael de Castro, o elenco desprovido de más interpretações. 

Diogo Vilela está excelente como Cauby Peixoto. Com galhardia, ele toma emprestado a postura, a voz, as respirações, o tom do homenageado para oferecer ao público uma grande interpretação. Esse é, sem dúvida, o melhor trabalho de sua carreira desde 1998, com “O diário de um louco”, de Nikolai Gogol. É uma honra contemplá-lo em tão magnífica atuação. 

Uma saudade 
“Cauby! Cauby! – Uma lembrança” dá uma saudade enorme dos tempos em que fomos felizes, sejam eles quais ou quando foram. Melhor que isso, a peça lança a esperança de que é possível que estejamos justamente vivendo esse período agora e é preciso, por isso, fazer algo que para que, no futuro, se possa ter saudades de hoje. Cauby Peixoto, pelo musical, soube viver a vida em máxima potência. Que tenhamos todos nós também essa sabedoria (e sorte). Aplausos! 

*

Ficha técnica:
de: Flávio Marinho
Direção: Diogo Vilela

Elenco:
Paulo Trajano
Aurora Dias
Luiz Gofman
Luiz Menezes
Ryene Chermon
Rafael de Castro
Sabrina Korgut
Sylvia Massari

Músicos:
Liliane Secco
André Amaral
Fernando Trocado
Charles Rock
Tássio Ramos

Direção de Produção: Marília Milanez
Produção Executiva: Marco Aurélio Monteiro
Assistente de Produção: Letícia Ponzi
Direção Musical: Liliane Secco
Desenho de som: Murilo Corrêa e Cia.
Coreografias: Tânia Nardini
Assistente de Direção: Juliana Medella
Cenário: Ronald Teixeira e Guilherme Reis
Adereços: George Bravo
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Ronald Teixeira
Visagismo: Mona Magalhães

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