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Douglas Tholedo, Ester Elias, Leandro Luna, Tiago Abravanel, Sabrina Korgut e Mateus Ribeiro |
Possíveis motivos para o bom não ser excelente
O bom “Meu amigo, Charlie Brown – Um musical da Broadway” podia ser excelente, mas não é. Ele estreou em março de 2016 em São Paulo e, durante outubro e novembro, cumpriu temporada no Teatro Bradesco, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. Trata-se da versão brasileira do original de Clark Gesner com colaboração de Andrew Lippa aqui assinada por Mariana Elisabetsky. A história traz os personagens da turma de Charlie Brown (“Peanuts”, que no Brasil foi traduzido como “Minduim”), célebre personagem de quadrinhos do chargista americano Charles M. Schulz (1922-2000). Leandro Luna (no papel título), Tiago Abravanel (Snoopy), Ester Elias (Sally Brown) e Guilherme Magon (Schroeder) estão no elenco ao lado de Sabrina Korgut (Lucy) e Mateus Ribeiro (Linos), esses últimos em vibrantes destaques. Dirigido por Alonso Barros, o espetáculo parece não lidar bem com um palco muito grande e, se eximindo de mais largos investimentos em cenários e em figurinos, joga muita responsabilidade para cima do texto, das interpretações e do que o público pode saber do contexto original. Isso resulta em perigosos desequilíbrios que prejudicam o todo infelizmente. Uma nova montagem com elenco todo constituído por crianças está por vir em 2017. Vale a pena esperar por ela.
Ótima versão de Mariana Elisabetsky
“You`re a good man, Charlie Brown” foi um enorme sucesso na Off-Broadway no fim dos anos 60. Com texto, letras e músicas de Clark Gesner (1938-2002), a peça estreou em 1967 e ficou em cartaz por quatro anos até 1971, quando, em nova produção, foi levada com pompa e circunstância para a Broadway. Lá, porém, foi um grandioso fracasso, se mantendo em cartaz por apenas 32 apresentações. Em 1999, com algumas músicas e arranjos novos de Andrew Lippa, houve uma remontagem na Broadway com péssimo resultado também. Naquele ano, a produção recebeu indicações ao Tony de Melhor Remontagem e de Melhor Direção (Michael Mayer) e os troféus de Melhor Ator Coadjuvante (Roger Bart/Snoopy) e de Melhor Atriz Coadjuvante para Kristin Chenoweth (Sally Brown), mas o público não deu a menor bola pra isso e a peça saiu de cartaz depois de 149 apresentações, não mais que seis meses desde a estreia. O que a crítica disse dessa versão pode também valer para a produção nacional da peça que aqui se analisa. “You`re a good man, Charlie Brown” foi feito para palco pequeno e para público reduzido e, se quiser ter sucesso hoje em dia, precisa entender que os personagens hoje têm que estabelecer novas relações com a plateia.
De 1950, quando Charlie Brown apareceu, até agora, os personagens da série já viraram livros, músicas, peças de teatro, filmes, programas de televisão, parques de diversões, roupas, etc. Com traços simples, limpos e fáceis de ver, ela trazia diálogos curtos, mas com alguma profundidade, inspirando gerações em todos os cantos do mundo desde então. Seus personagens são crianças muito pequenas, descobrindo a vida e fazendo reflexões sobre o que veem, o que sentem, seus sonhos, frustrações, tristezas e alegrias. Tudo isso revelava um ponto de vista sobre a infância que não tinha nada a ver com o ideal colorido e imaculado que correntemente se espalhava da primeira idade. Entre outras coisas, a obra de Charles M. Schulz fazia ver (e faz!) que, em todo adulto, ainda há crianças e que, em toda a criança, há uma guerra contra diversas dificuldades que é similar a que há nos adultos.
O problema está na transformação disso para uma narrativa longa. A dramaturgia de “Meu amigo, Charlie Brown” se constrói a partir de uma justaposição de pequenos quadros, que remetem, em termos de ritmo, às tirinhas originais. No todo de noventa minutos, ela não tem uma curva dramática tradicional que narre uma história completa com início, meio e fim. Seus quadros funcionam em separado, cada um procurando atingir a máxima potência, deixando para o público o mérito pela sensação de unidade. O sentimento de fracasso de Charlie Brown (Leandro Luna), a grossura de sua irmã Sally Brown (Ester Elias), o autoritarismo de sua amiga Lucy (Sabrina Korgut), a determinação do irmão dela Linus (Mateus Ribeiro), a introspecção do amigo pianista Schoroeder (Guilherme Magon) e a falta de conexão com a realidade do cachorro Snoopy (Tiago Abravanel) são vistos como positivos e como negativos ao mesmo tempo em uma bela abordagem complexa da vida, do mundo e das relações. Todos esses personagens, em determinado momento, assumem o protagonismo das histórias de maneira que, no geral, eles se tornam símbolos de diversas dimensões do mundo.
Nesse sentido, o problema da montagem não está na dramaturgia, mas no modo como a encenação se apresenta hoje. No Brasil, a versão brasileira de Mariana Elisabetsky (mesma responsável pelo maxi mega ultra excelente “Wicked”) é ótima porque as palavras originais aterrissam no nosso idioma com aparente fluidez e com muita beleza. A primeira montagem de 2010, que venceu o Prêmio Coca Cola, além de Luna no papel título, tinha Elisabetsky interpretando Sally Brown, Paula Capovilla como Lucy, Felipe Caczan era Schroeder, Thiago Machado como Lino e Frederico Silveira era Snoopy.
Quais, então, são as questões que não tornam “Meu amigo, Charlie Brown” de bom para excelente?
Os problemas na encenação dirigida por Alonso Barros
Quando o musical reestreou na Broadway no fim dos anos 90, o mundo já estava tomado de imagens muito mais interessantes que Charlie Brown. De “Mary Poppins” (1964) para “O Rei Leão” (1997) foi um grande caminho percorrido. Assim, os desafios mudaram de lugar, talvez aumentaram. Não se pode mais ver a tosquice de Shulz como um efeito da tirinha jornalística, essa feita para ser consumida diariamente, mas é preciso entendê-la como uma imposição. É como se seus desenhos dissessem: “Pare, respire, olhe para mim!” E, nesse intervalo de reflexão, o mundo se modifica. Em termos de tecnologia visual, as videoportraits de Bob Wilson, bem como toda a sua obra, têm essa proposta, para citar um exemplo.
Em segundo lugar, “Meu amigo, Charlie Brown” é um espetáculo para dois públicos simultâneos. As crianças olharão para as cores, os adultos são convidados à reflexão. Se se investe só no primeiro público, metade das possibilidades da proposta morrem e o que sobra fica debilitado.
Por fim, não é apenas no modo como a dramaturgia se constrói (por episódios independentes) que o conceito de musical se modifica, mas também pelos modos de sua produção. São apenas seis pessoas no elenco sem grandes trocas de cenário e de figurino e sem corpo de baile para encher os olhos daquele mesmo público que vai ver “Wicked” e “O fantasma da Ópera”. Ou seja, aquele não é um musical como esses: um palco menor e uma relação mais íntima com a plateia lhe faria melhor.
Dito isso, é possível encontrar os problemas na encenação de Alonso Barros. Os cenários de Chris Aizner e os figurinos de Jô Resende (a luz de Paulo César Medeiros quase não tem o que fazer nesse quadro.) meramente se preocupam em espantar o negro das cortinas, substituindo ele por adesivos coloridos. O palco, parecendo um enorme stand de feira comercial, abre inúmeros espaços vazios, exigindo que os atores e as músicas preencham o ambiente. A Broadway já fez isso duas vezes e não deu certo lá. Por que aqui daria? Nessa como naquelas versões (1971 e 1999), faltou preciosismo, faltou coragem em investigar novas possibilidades de apresentação desse contexto.
Além disso, toda a reflexão de Shulz se pasteuriza no esforço da produção em vender o espetáculo apenas às crianças. A começar pelo horário em que ele se apresenta (15horas), mas indo principalmente ao como isso se dá, vê-se um empenho em fazer graça na tentativa desastrosa de chamar a atenção das crianças para que elas não conversem muito e prestem a atenção. É claro que peças como “João e Maria” e “Cinderella” também têm níveis de sentido mais complexos, mas “Meu amigo, Charlie Brown” é inteiramente constituído por esses nas palavras, nas letras e nas melodias, sobrando apenas ao colorido do cenário e do figurino os elos de ligação às crianças. Ou seja, a montagem se equivoca no estabelecimento de relações, priorizando as menos vantajosas.
Eis grandes trabalhos: Sabrina Korgut e Mateus Ribeiro
Por fim, na análises das possíveis problemáticas de “Meu amigo, Charlie Brown”, vale considerar as colaborações do elenco. Isolados dos demais elementos em que suas construções surgem, todos os trabalhos são positivos. Tiago Abravanel (Snoopy), cujo carisma natural já foi tantas vezes elogiado, se serve da enorme popularidade do seu personagem aqui para elevar os méritos da obra como um todo positivamente. Disciplinado, responsável e generoso, ele não puxa o foco quando teria possibilidade de, melhorando o equilíbrio da produção. Leandro Luna (Charlie Brown) e Ester Elias (Sally Brown) têm participações interessantes, com ela enfrentando o desafio atroz de defender bem aqui o personagem que levou Kristin Chenoweth ao estrelato dezessete anos atrás. Guilherme Magon (Schroeder) está tão apagado no grupo quanto seu personagem é no dele.
Os grandes destaques dessa montagem são Sabrina Korgut (Lucy Van Pelt) e Mateus Ribeiro (Linus Van Pelt). Nas excelentes interpretações deles, veem-se nela vibrante defesa das canções e nele da dança, ambos se tornando o grande motivo pelo qual valeu a pena assistir à essa montagem. Eis grandes trabalhos! O elenco, de um modo geral, luta contra várias questões outras do espetáculo já levantadas aqui com galhardia. A ele, os aplausos.
No Brasil, “Meu amigo, Charlie Brown” vai receber uma nova montagem com elenco inteiramente constituído por crianças. Na Off-Broadway, houve produção assim também no meio desse ano e as críticas publicadas alertam para, apesar da oportunidade de se conhecer novos atores, é a peça prejudicada por causa da dificuldade das canções. Vale a pena esperar para conferir como ela se sairá por aqui em 2017, ano em que “You`re a good man, Charlie Brown” comemorará 50 anos desde sua primeira estreia.
Ficha Técnica:
Baseado nas Tirinhas de Charles Schulz
Um Musical de Clark Gesner
Versão Brasileira – Mariana Elisabetsky
Elenco:
Tiago Abravanel - Snoopy
Leandro Luna - Charlie Brown
Sabrina Korgut - Lucy Van Pelt
Ester Elias - Sally Brown
Guilherme Magon - Schroeder
Mateus Ribeiro - Linus Van Pelt
Tecca Ferreira - Swing feminino
Douglas Tholedo - Swing masculino
Direção e Coreografia – Alonso Barros
Diretor Musical e Maestro Regente – Alexandre Queiroz
Direção Vocal – Rafael Villar
Direção de Produção – Néctar Cultural
Cenários – Chris Aizner
Figurinos – Jô Resende
Iluminação – Paulo César Medeiros
Stage Manager – Cris Fraga
Assessoria Jurídica – Marcelo Takeyama
Fotógrafo – Caio Gallucci
Comunicação e Filmes – Ponto Case
Assessoria de imprensa – Casé Assessoria
Realização – Néctar Cultural
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