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Nadia Bambirra |
Mais um ótimo espetáculo de Jorge Farjalla
“Antes do café” é o mais novo ótimo espetáculo dirigido por Jorge Farjalla, encenador que assinou a excelente última versão de “Dorotéia”, de Nelson Rodrigues, com Rosamaria Murtinho, Letícia Spiller e grande elenco no primeiro semestre. Esse monólogo, escrito pelo americano Eugene O`Neill (1888-1953) entre 1916 e 1917, surge agora na programação teatral do Rio de Janeiro com interpretação destacável de Nadia Bambirra. Sua primeira temporada na Sala Nathalinha, no Teatro Nathália Timberg, acabou no fim de novembro último, mas a montagem deve retornar em breve para novas apresentações. Vale a pena esperar por ela!
Expressionismo x neorrealismo no texto de O`Neill
Em mais um dia, a costureira Mrs. Rowland (Nadia Bambirra) acorda antes de seu marido para preparar o café do casal. O problema desse amanhecer é justamente o fato dele prenunciar um dia como todos os outros. Alfred Rowland, como de costume, chegou tarde em casa, bêbado e fedido na noite anterior e agora dorme lá dentro aparentemente sem preocupar com o sustento dele e de sua esposa. Objetos têm sido constantemente penhorados, a data para o pagamento do aluguel se aproxima, o pão vai ficando cada vez mais duro.
O tempo da narrativa é o mesmo tempo da diegese, isto é, a encenação da peça dura exatamente o tempo com que as coisas, na história, acontecem. O público está ou diante ou dentro da pequena casa na Christopher Street, na cidade de Nova Iorque, no início de um outono. Vemos a personagem andar pela casa, fazer suas orações, organizar o início do seu dia e principalmente deixar sair toda a sua mágoa. O poeta Alfred Rowland, com diploma em Harward, era o único filho de um homem milionário. Ela, filha de uma família simples, não teve dúvidas em se casar com ele, mas, na época, não vislumbrava o futuro que recairia sobre ela. Todo o dinheiro foi perdido, os sonhos se foram.
“Antes do café” (“Before breakfast”) foi uma das primeiras peças escritas por Eugene O`Neill, que vinte anos depois ganharia o Nobel de Literatura além de muitos outros prêmios. Quando foi escrita, o país estava mergulhado em um sentimento de êxtase consumista e Nova Iorque era uma região onde, mais do que no resto dos Estados Unidos, tudo parecia ser brilhante. O metrô unia a cidade de ponta a ponta, a região da Broadway começava a ficar cheia de teatros, a mulher americana era celebrada nos espetáculos de Florenz Ziegfield e dalí para Hollywood.
Mas O`Neill, viajando de um lado para o outro pelo mundo (América do Sul e África inclusive) em pequenos trabalhos para sobreviver e também na companhia de teatro do pai pelo interior dos Estados Unidos, entrou em contato com uma outra realidade. Longe dos anúncios comerciais, havia muita pobreza, injustiça, situações indignas. Depois de uma tentativa de suicídio, foi internado em um sanatório e ali começou a escrever o que, depois da queda da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, seria lido como a grande verdade dos fatos.
Quando lançado, “Antes do café” foi associado com o expressionismo de August Strindberg e de Frank Wedekind. Isso talvez porque se considerava a “sujeira” do texto como uma consequência do ponto de vista, esse tido como muito comprometido pelas emoções. Depois de 29, na grande depressão americana, no entanto, é muito mais fácil ler o texto a partir do neorrealismo, do qual Tennessee Williams e John Steinbeck são grandes referentes. Assim, talvez não sejam as emoções que tornam o contexto horrível, mas sim a realidade dele é que levam a personagem a estar assim. Eis um grande texto!
Excelente interpretação de Nadia Bambirra
A direção de Jorge Farjalla, assistida por Jaffar Bambirra e por por Vitor Losso, para além de assinar o espetáculo teatral, oferece uma obra plástica de alta grandeza. As palavras de O`Neill, além de ganharem corpo em Nadia Bambirra, assumem contretude no modo como as paredes da casa dos Rowland estão, bem como seus móveis, objetos, roupas e comida. O espectador mais atento passa, ao longo da sessão, os olhos por cada canto do que vê e se encontra com linda narrativa em cada milímetro do espaço, esse que permite com que a personagem possa nadar pelas questões mais profundas da dramaturgia sem medo.
Farjalla imprime ainda um ritmo na cena que oferece à audiência a chance de conviver com a personagem e com seu contexto cuidadosamente. Isso estrutura o discurso, qualifica as ações e exige do público que ele analise o que vê a partir de um olhar de dentro. Nesse sentido, esse “Antes do café” de Jorge Farjalla, negando-se a ir pelo mais fácil, faz a obra reassumir uma leitura expressionista, que é tão bela como seria uma realista, essa mais usual, como já disse.
Nadia Bambirra passeia por dentro da personagem, levando o público a conhecer diferentes ambientes de sua personalidade. Com maestria, a intérprete viabiliza momentos mais dramáticos, outros mais reflexivos e alguns até cômicos, sempre fazendo das oposições um meio rico de encarar o panorama sob a ótica da complexidade. Com excelente uso da voz, do corpo e das entonações à disposição, a audiência se sente tocada pela perspectiva de sua Mrs. Rowland e sai do teatro com a certeza de que um ponto de vista mais humano é sempre a melhor saída para enfrentar o mundo.
Elogiadíssimo!
Como acontece com todo bom espetáculo assinado por um bom encenador, todos os elementos sentem a concepção de seu diretor. Assim, o nome de Jorge Farjalla está em todos os itens da ficha técnica, o que seria óbvio se fosse também normal entre as produções cariocas (mas infelizmente não é). “Antes do café” tem , como já se destacou, excelentes contribuições do cenário co-assinado também por Camila Rodrigues e por Lua Haddad, do figurino co-assinado por Alex Brollo, da luz e da trilha sonora essa só de Farjalla. Em resumo, vê-se aqui a mão firme que raramente se vê, mas que é a melhor sempre, porque a única capaz de oferecer coerência para a obra como um todo. Elogiam-se, pois, todas as contribuições dos colaboradores da equipe de Farjalla.
“Antes do café”, elogiadíssimo também pela doutora Tânia Brandão, é mesmo um espetáculo essencial nesse fim de primavera de 2016. Que volte em breve e para muitas e longas temporadas.
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Ficha Técnica
Autor – Eugene O´Neill
Direção e encenação – Jorge Farjalla
Elenco – Nadia Bambirra
Cenário e direção de arte – Camila Rodrigues
Supervisão de figurino – Alex Brollo
Concepção de luz – Jorge Farjalla
Produção executiva – Denam Pettmant e Lua Haddad
Realização – 5KFilms e Cia Guerreiro
Obrigada por essa crítica, me dá a força que preciso para seguir essa estrada. Evoé!
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