Foto: Dany Garcia
Fábio Guará e Andrey Lopes |
Comédia de Mario Bortolotto tem montagem enrijecida
“Será que a gente influencia o Caetano?” cumpriu temporada carioca no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico entre os meses de setembro e de outubro. A peça é uma produção da Companhia Tarturfaria de Atores que atualiza a comédia escrita em 1985 pelo paranaense Mario Bortolotto. Dirigida por Marcello Gonçalves, a produção traz no elenco Andrey Lopes e Fábio Guará, interpretando os personagens Beto e Mário. Eles são jovens que vislumbram a própria fama internacional como respectivamente poeta e músico. Com muitos problemas na direção, o espetáculo tem bons trabalhos de interpretação, mas que não conseguem atribuir ao todo o melhor resultado. É uma pena.
Texto dos anos 80 denuncia a celebrização
Os nomes dos personagens, Beto e Mario, são referências à primeira montagem do texto. Ela trazia, no elenco, os atores Roberto Virgílio e Mario Bortolotto, que escreveu e dirigiu essa versão. Produzida pelo Grupo de Teatro Chiclete com Banana, em Londrina, no Paraná, a comédia denunciava, de um modo irônico e também poético, os sonhos de sucesso de dois jovens tolos. Sem dedicarem-se aos estudos de literatura e de música, Beto e Mario gastavam seu tempo livre em sonhos com a fama. Em sua imaginação, eles viam a si próprios como poeta e músico capazes de revolucionar o mundo, ganharem dinheiro, conquistarem garotas e influenciarem artistas já renomados.
O título é revelador, porque ele situa a questão central do texto. Para os personagens Beto e Mario, o sucesso é muito mais importante que a arte. Em outras palavras, influenciar o Caetano (Veloso) vale muito mais que a composição de uma bela canção e de uma letra marcante. É interessante notar que, há quase trinta anos, não havia internet e o acesso à informação era, comparado como o é hoje, muito precário. Nesse sentido, a atualidade do texto é brutal, pois vive-se em um mundo onde a celebridade definitivamente não é sinônimo de virtuosismo. Em suas cenas finais, o tom poético coroa a crítica. Mário Bortolotto, depois de denunciar o mal da superficialidade, consegue ver nela o bem da alegria, da coragem e da ingenuidade.
Direção investe nas expressões e perde a leveza
A marginalização é uma marca identitária da dramaturgia de Mário Bortolotto. Em seus quase cinquenta textos, seus personagens vivem em meio à sujeira, ao obscuro, aos vícios, e esse universo não é ponto de partida para a vida, mas a própria vida. A decisão por ir na contracorrente dessa estética fez, da direção de Marcello Gonçalves, a possível responsável pelos desméritos dessa montagem de “Será que a gente influencia o Caetano?”. Com personagens presos em partituras corporais e marcas que enrijecem os movimentos pelo palco, a montagem chegou, ao seu último dia de temporada, dura demais e pouco fluída. Ficam unicamente para o texto a tarefa da ironia e o desafio da piada, embora os atores se esforcem nessa luta. Todas as reações são planejadas, o tempo é ocupado nos seus mais pequenos detalhes, não há folga: como um todo, a peça paira dura, pesada e resistente às bufonarias de Mario e de Beto.
Os atores Andrey Lopes (Beto) e Fábio Guará (Mario) revelam trabalho disciplinado, com expressões bem exploradas. Tudo é limpo, bem traçado, seguro. Porém, no âmbito da produção como um todo, seus personagens perdem a chance de fazer da adolescência apenas convite para a metáfora que poderia vir (mas não vem). Esvai-se a possibilidade da crítica na encenação que alarga o texto e se empenha em redizer, no meio e no fim, o que já foi dito, através das palavras e do corpo, nas cenas de abertura. A repetição de gags, a falta de sutileza e a ausência de distanciamento aproximam a peça de uma comédia mais rasgada que o texto não favorece.
Os blocos de madeira e o fundo, na direção de arte de Alex Brollo e de Rafael Ronconi, não dizem nada, mas oferecem a possibilidade de exploração de níveis superiores e inferiores no palco. Os figurinos, com sutilíssimo movimento no uso de poucos acessórios (suspensório, chapéu,...) também podem ter sofrido limitação pelo valor dado aos movimentos e às expressões. A trilha sonora, quase toda composta por canções de Caetano Veloso, é ótima porque, de acordo com o texto, faz o contraponto, promovendo a reflexão. A luz de Felipe Lourenço atua bem na viabilização de ritmo, com recortes bem fechados, poética e com planos abertos.
Publicado no “Volume 4 – Doze Peças de Mario Bortolotto”, da Editora Atrito Art, em 2003, o texto de “Será que a gente influencia o Caetano?” foi montado recentemente com direção de Claudinei Brandão e por Henrique Stroeter com Pierre Bittencourt e Mario Matias, esse último que também esteve na montagem de 2009. O Rio não recebeu essa montagem, mas aguarda por ela.
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FICHA TECNICA
Texto: Mário Bortolotto
Direção: Marcello Gonçalves
Elenco: Andrey Lopes e Fábio Guará
Iluminador: Felipe Lourenço
Diretor de Movimento: Márcio Vieira
Direção de Arte: Alex Brollo e Rafael Ronconi
Produção: Bruna Fachetti
Programador Visual: Carol Vasconcellos
Assistente de Direção: Bruce Brandão e Karini Oliveira
Administração: Bruna Fachetti
Fotografia: Dany Garcia e Felipe Oliver
Realização: Tartufaria de Atores
Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias