Werner Schunemann, Carolina Kasting e Olavo Cavalheiro |
Pouco além de informação
O espetáculo “Querido Brahms” encerrou, no fim de agosto, a temporada no Teatro SESC Ginástico no centro do Rio. A peça, que estreou em São Paulo em fevereiro, é dirigida por Tadeu Aguiar e tem texto assinado pelo paulista José Eduardo Vendramini. Os dois têm carreiras sólidas marcadas por produções bastante elogiadas, mas essa infelizmente não é o caso. Carolina Kasting interpreta Clara que está desesperada com o estado mental do marido, o compositor Robert Schumann, interpretado por Werner Schunemann. Por isso, ela chama o amigo também compositor Johannes Brahms, vivido por Olavo Cavalheiro, mas esse pouco pode fazer para ajudá-la. Lentíssima, e estritamente baseada em fatos reais, a narrativa prende o elenco, a direção e toda a arte em uma situação açucarada demais para o século XXI.
Com méritos à pesquisa, problemas na dramaturgia
Publicado em 2013, pela editora Giostri, o texto de José Eduardo Vendramini é tão romântico quanto a arte defendida pelos personagens reais que ele retrata. Em ato único, a história se passa em uma manhã de fevereiro de 1854, na Alemanha, na casa do casal Robert Schumann (1810-1856) e sua esposa Clara (1819-1896). Casados desde 1840, quando ela era uma pianista de fama internacional e ele um compositor renomado, quando a peça começa, os dois estão à bancarrota. Devido à evolução de diversas doenças, inclusive a sífilis, o estado de saúde de Robert (Werner Schunemann) o impediu de manter-se em empregos fixos. Perseguido por visões de toda a ordem, com humor alterável facilmente e com o físico debilitado, ele já não consegue, na situação de abertura, sustentar a família que crescia com a chegada do oitavo filho que Clara (Carolina Kasting) espera
Sobrou pouco à versão do texto para o palco
Na peça de Vendramini, o espectador fica sabendo de toda a situação dos Schumann a partir da chegada de Johannes Brahms (Olavo Cavalheiro). Ele atende a um chamado de Clara, que quer sua opinião sobre a possível internação do marido em um sanatório. Schumann, que, um ano antes, havia celebrizado o jovem amigo Brahms (1833-1897) através de uma crítica, surge e confirma a descrição feita por sua esposa ao visitante. Depois de uma hora de encenação, a peça termina sem que o texto tenha desenvolvido a situação inicial. Sai o espectador do teatro com uma enorme quantidade de informações sobre os personagens que sugere o mérito do dramaturgo em sua pesquisa, mas com quase nada além disso.
Fiel ao texto, a direção de Tadeu Aguiar não teve para aonde ir. Seu mérito está em fazer com que os atores se esforcem para evitar o exagero sempre que possível, mas isso nem sempre visivelmente pode ser atingido. Enquanto teatro, “Querido Brahms” se exime de toda a pesquisa de linguagem dos últimos cem anos. Ao voltar-se ao naturalismo do fim do século XIX, a peça sustenta a quarta parede, visa emocionar os corações mais puros da plateia e se constitui em uma obra burguesa que exige da plateia mínimo repertório de música clássica. Ao citar banal e constantemente (Felix) Mendelssohn, (Frantz) Liszt, (Richard) Wagner, entre outros contemporâneos dos personagens, a narrativa delimita um território a que uma pequena parcela do público infelizmente hoje tem acesso. Além de representar os personagens, sobrou pouco à versão do texto para o palco.
Werner Schunemann (Schumann), Carolina Kasting (Clara) e Olavo Pinheiro (Brahms) colaboram nos esforços da direção em ultrapassar as insólitas barreiras do texto. Sem autopiedade, mas com algumas reservas de autocrítica, Schunemann e Kasting apresentam trocas de níveis dentro das possibilidades. Por seu turno, Cavalheiro, o papel-título, dá conta da pequena função de interlocutor dos personagens (através de quem toda a pesquisa da dramaturgia chega à plateia). As referências à “interpretação televisiva”, que a crítica especializada tem atribuído ao elenco, parecem ter sido propositais. “Querido Brahms” habita mesmo entre romantismo e realismo das telenovelas, mas isso não é ruim.
O que se disse a respeito das interpretações vale para o figurino de Ney Madeira e de Dani Vidal, a luz de Cizo de Souza, a sonoplastia de Fernanda Barrichello e para o visagismo de Hugo Daniel. Em todos esses aspectos, a produção apresenta esmero em construir um todo coerente capaz de deixar a plateia segura. O cenário de J.C. Serroni destoa quanto ao seu uso no momento em que os ambientes interno (a sala) e externo (jardim) se confundem. A direção musical de Miguel Briamonte tem destaque na bela interpretação à capela de “Im wundershchonen monat mai” por Olavo Cavalheiro. Ela é a primeira das dezesseis canções escritas por Schumann em 1840 a partir dos poemas de Heinrich Heine.
Sabe-se, pela história real, que Robert Schumann solicitou ele mesmo a própria internação em um sanatório, onde faleceu dois anos depois. Também que Brahms e Clara permaneceram “amigos” durante quatro décadas seguintes, morando em cidades diferentes, ele apaixonado por ela, ela em luto eterno ao marido. Nenhuma das três situações, no entanto, fazem de “Querido Brahms” algo mais que informativo.
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Ficha Técnica
Autor: José Eduardo Vendramini
Direção: Tadeu Aguiar
Elenco: Carolina Kasting, Werner Schünemann e Olavo Cavalheiro
Direção Musical: Maestro Miguel Briamonte
Diretora de Produção: Rosana Penna
Produtora executiva: Keila Blascke
Luz e Co-Produção: Cizo de Souza
Visagismo: Hugo Daniel
Cenário: J.C.Serroni
Figurinos: Ney Madeira e Dani Vidal
Sonoplasta: Fernanda Barrichello
Iluminador: Sidney Rosa
Contrarregra e Assistente: William Alves
Camarins: Cristina Zimmerle
Coordenador Geral: Lucas Olles
Assessoria de imprensa: Lúdicos Comunicações