terça-feira, 8 de setembro de 2015

Ataulfo Alves – O bom crioulo (RJ)

Foto: divulgação

Marcelo Capobiango e Wladimir Pinheiro


Mais um monótono musical biográfico

“Ataulfo Alves – O bom crioulo” é mais um espetáculo biográfico que traz boa parte de todos os problemas apontados repetidamente em produções do gênero na cidade. Preparada para homenagear o compositor mineiro (1909-1969), autor de canções como “Ai que saudades da Amélia” e “Mulata assanhada”, a produção se perde entre a biografia cronológica e linear e a interpretação anunciada de seu repertório mais célebre. Com texto superficial de Enéas Carlos Pereira e de Edu Salemi, e direção esforçada de Luiz Antônio Pilar, a peça traz no elenco os já várias vezes elogiados Wladimir Pinheiro e Édio Nunes, entre outros, aqui sem grandes destaques. A montagem estreou nesta sexta-feira, dia 4/9, e ficará em cartaz até o início de outubro no Teatro Dulcina, na Cinelândia.

Os mesmos problemas de sempre
A dramaturgia de Enéas Carlos Pereira e de Edu Salemi é muito ruim por dois motivos: a apresentação do personagem-título e o ritmo da narrativa. Em primeiro lugar, tomando o personagem a partir da peça, Ataulfo Alves (Wladimir Pinheiro) se tornou cantor por acaso, virou famoso facilmente, teve algumas brigas com alguns colegas, mas morreu velho em uma mesa de cirurgia cercado pela amada esposa e por seus filhos queridos. Para a peça, em uma visão romântica e superficial, os fatos da vida do homenageado aconteceram separadamente, sem que houvesse frustrações, lutas e dificuldades. Todos sabemos que, na realidade, as coisas não aconteceram assim.

Em segundo lugar, o texto de “Ataulfo Alves – O bom crioulo” dispensa tudo o que semanalmente a crítica teatral vem apontando, nos últimos anos, acerca dos musicais biográficos. Quando a peça começa, e o protagonista diz que já morreu e, logo em seguida, cita a sua terra natal – Miraí/MG –, resta ao espectador esperar para ver um show em que as músicas mais famosas dividem lugar com a apresentação cronológica de alguns fatos da vida do cantor. Bastará, para a plateia, fazer as contas e acompanhar, no programa, a quantidade de músicas que faltam para saber quando a peça vai terminar. Por melhor que sejam a direção e as interpretações, isso é fatal para o ritmo da encenação. Nos últimos anos, a programação de teatro carioca vem oferecendo oportunidades constantes de reflexão sobre esse aspecto, mas os autores parecem ter achado por bem “inventar a roda” e cometer os mesmos erros infelizmente. É uma pena.

A excelente direção musical de Alexandre Elias
Com méritos, a direção de Luiz Antônio Pilar se esforça em valorizar as situações paralelas na biografia desse fictício Ataulfo Alves. Ao longo de duas horas, os melhores momentos da encenação são os jogos criados para os personagens coadjuvantes. Os bêbados e seus conflitos amorosos, as pastorinhas, os alfaiates e as imitações caricatas de personagens reais são alguns que podem ser citados. Considerada a enorme dificuldade, é possível dizer que houve, na estreia, quadros bem estruturados e capazes de manter a atenção.

Não há trabalhos relevantes nas interpretações. Wladimir Pinheiro (Ataulfo), um excelente cantor e ator da cidade, apresenta ótimo trabalho aqui, mas não melhor do que já trouxe em outras produções. Édio Nunes (Pixinguinha) mostra elogiável habilidade em dança, mas essa também já foi melhor destacada na crítica de outros espetáculos. Luciana Balby (a Morte) e Marcelo Capobiango (o Barman) têm boas participações também, mas pouco espaço na hierarquia da construção do sentido. Como um todo, o elenco apresenta bom trabalho, sem grandes problemas.

“Ataulfo Alves – O bom crioulo” investe em grande quantidade de figurinos (Helena Affonso), mas muitos deles precisam de melhor acabamento. O cenário de Doris Rollemberg participa com curvas que tanto servem a um declínio da art deco como ao apogeu do modernismo. Com isso, os painéis retratam da primeira metade do século XX até o fim dos anos 60 modestamente. A iluminação de Daniela Sanchez não tem grandes momentos. De tudo, nessa produção, o melhor é a direção musical de Alexandre Elias. Nessa versão, o espetáculo aproxima as composições do homenageado, reforçando as relações entre samba e viola, bolero e marchinhas, entre dor e alegria.

Com quatorze pessoas no palco (dez atores e quatro músicos) e uma grande equipe, “Ataulfo Alves – O bom crioulo” sugere a importância do compositor homenageado. Fica, porém, devendo enquanto espetáculo musical de qualidade realmente elogiável. O esforço da direção e a alta qualidade da direção musical esbarram pelo texto monótono infelizmente. Vale dizer, no entanto, que a celebração da música brasileira nunca é demais!


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FICHA TÉCNICA
Direção Geral: Luiz Antonio Pilar

Autores: Enéas Carlos Pereira e Edu Salemi

Diretor Assistente - Édio Nunes

Assistentes de Direção - Madara Luiza

Direção Musical: Alexandre Elias

Cenografia: Doris Rollemberg

Figurinos: Helena Affonso

Iluminação: Daniela Sanchez


Som designer: Branco Ferreira

Direção de Produção - Mariana Campos

Assistentes de Produção - Caroline de Silva e Vilson Almeida

Coreógrafo - Édio Nunes

Preparadora Vocal e Musicista ensaiadora - Ananda Torres

Cabelo/Make – Gal

Assistente de Direção Muiscal: Victor Huggo

Músicos: Bezaleel Ferreira,Caio Marcio dos Santos,Rafael Mallmith, Reginaldo Vargas Operadora de luz: Katia Barreto

Designer Gráfico - Maria Júlia Ferreira

Cenotécnica – Fátima de Souza

Cenotécnica Montagem / Contra regra - Renato Silva

Maquinista – João Paulo Santos

Costureira Cênica – Nice Tramontin

Camareira: Maria Célia Silva


Elenco:

Wladimir Pinheiro – Ataulfo Alves

Alexandre Vollú – Ari Barroso / Mario Lago

Dany Stenzel – Carmem Miranda / Alda (pastora)

Édio Nunes – Pixinguinha / Wilson Batista

Luciana Balby – Silvia / Olga (pastora)

Marcelo Capobiango – Barman / Pai do Ataulfo

Marcelo Gonçalves – Almirante / Sergio Bittencourt

Marco Bravo – Seu Antunes / Mister Evans

Patricia Costa – Judite (velha) / Abigail (pastora)

Shirlene Paixão – Judite (jovem) / Marilu (pastora)