terça-feira, 8 de setembro de 2015

Não nem nada (SP)


Foto: divulgação
Atores em cena

Um dos espetáculos mais elogiados de 2014 finaliza curta temporada no Rio


“Não nem nada” é um dos espetáculos mais elogiados desde 2014, quando estreou em São Paulo. A produção, que tem texto de Vinícius Calderoni e direção dele e de Rafael Gomes, fez uma temporada no Teatro Poeirinha recentemente. No elenco, além dos ótimos trabalhos de interpretação do autor e de Geraldo Rodrigues, há os excelentes de Mayara Constantino e de Renata Gaspar. Foi um prazer ter visto mais essa montagem assinada pelo Empório de Teatro Sortido, também autor do lindo “Músicas para cortar os pulsos”.

Texto merecidamente ao Prêmio Shell de 2014
O espetáculo é a primeira parte da trilogia “Placas Tectônicas”, que será completada por “Ãrrã” e por “Chorume”, ainda a serem produzidos. O texto de “Não nem nada” é formado por doze cenas em que microdramaturgias são estratégias do autor para dar conta da desarticulação do sentido. As situações de ataque, resposta, de esquiva e os diálogos velozes bem podem ser lidos como próximos da dramaturgia do maranhense Dionísio Neto. Embora com um repertório mais popular e uma situação mais esfacelada, o texto também está ao lado dos do francês Bernard-Marie Koltès. Monólogos que também são diálogos, e vice-versa, preenchem o tempo, subvertem a cronologia e dispensam a lógica sem depender do teatro do absurdo.

O homem, visto como um hospedeiro de informações de toda ordem, aparece desde a primeira cena quando a relação entre taxista e passageiro surge. A partir daí, com grandes momentos no jantar entre homem e mulher que completarão 65 anos de casados e no programa de entrevista com Átila Bulhões, todo o texto faz da palavra a mais alta responsável pela performance. Ao final, paira a imagem do mundo que há dentro de nós e do universo como algo que engloba o homem ao mesmo tempo em que, por ele, é produzido. Indicado merecidamente ao Prêmio Shell de 2014, o texto de Vinícius Calderoni é excelente.

As excelentes Renata Gaspar e Mayara Constantino
A direção do autor e de Rafael Gomes aponta para a força do texto sem eximir-se da função de dar-lhe viabilidade cênica. A fragmentação surge no palco no modo como as placas da plataforma de Valentina Soares e de Wagner Antônio ambientalizam os sons das palavras. Cheio de alçapões, pontos de escape, desníveis e de encaixes, o tablado onde as cenas também acontecem é metáfora para o ritmo da dramaturgia. Assistida por Guilherme Magon, a direção abre o quadro, situando o “palco” no centro do palco, alargando a duração, incluindo o intervalo e, assim, questionando o real além da narrativa sobre suas marcas de realidade. O ritmo é vibrante e melhor ainda é a capacidade do vazio da cena de oferecer sempre novas evoluções. Palmas!

Os trabalhos de interpretação no conjunto são ótimos, mas é preciso destacar as excelentes participações de Renata Gaspar e de Mayara Constantino. A grande variedade dos usos das vozes, tons, ritmos e das entonações não surge apenas como amostra de técnica e de talento. O uso delas, mas também das potencialidades corporais, são fontes de sentido para o quadro que a peça parece querer representar. Excelentes atuações.

A estética do espetáculo surge em plena e fluida relação com sua aparente proposta. Os figurinos de Valentina Soares e a luz de Wagner Antônio e de Robson Lima têm participações pequenas. Elas equilibram o todo já fortemente preenchido pelo texto e pela encenação.

“Não nem nada”, por não parecer a realidade, fica mais real. Assim, o teatro, em novas produções como essa, permanece na investigação do homem e na busca por novas linguagens. Parabéns!

*

FICHA TÉCNICA:
Texto e direção: Vinicius Calderoni
Elenco:Geraldo Rodrigues, Mayara Constantino, Renata Gaspar e Victor Mendes
Codireção:Rafael Gomes
Assistência de direção: Guilherme Magon
Cenografia: Valentina Soares e Wagner Antônio
Desenho de luz: Wagner Antônio e Robson Lima
Figurinos:Valentina Soares
Preparação corporal: Fabrício Licursi
Direção de produção: Cesar Ramos e Gustavo Sanna