quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Queime isso (RJ)


Foto: divulgação


Alcemar Vieira, Karine Carvalho, Tatsu Carvalho e Celso André


A primeira montagem de Lanford Wilson no Brasil

“Queime isso”, nova peça dirigida por Victor Garcia Peralta, fica em cartaz até dia 17 de setembro no Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia. O texto, escrito pelo americano Lanford Wilson (1937-2011), tem recebido, desde a estreia em 1987, na Broadway, críticas bastante elogiosas. No elenco, estão Karine Carvalho, Celso André, Tatsu Carvalho e Alcemar Vieira, os dois últimos em ótimos trabalhos. A produção assinada por Ana Beatriz Figueras e por Tatsu Carvalho promove uma reflexão interessante sobre os laços que unem as pessoas, mas também sobre arte, homofobia, contemporaneidade e sobre família.

John Malkovich interpretava o papel de Pale na primeira montagem
A peça começa quando a jovem coreógrafa Anna (Karine Carvalho) volta do enterro de Robbie, que morreu ao lado do namorado em um acidente de barco. Ela e ele, juntamente com o publicitário Larry (Alcemar Vieira), moravam juntos em um loft de Manhattan em cuja sala toda a peça acontece. Na cena de abertura, Anna narra para Larry e para Burton (Celso André), amigo dos dois, a noite que passou ao lado da família de Robbie. É, no entanto, com a entrada de Pale (Tatsu Carvalho) que o conflito inicia. No meio da madrugada, completamente alterado, ele invade o apartamento dizendo ter vindo buscar as coisas do irmão mais novo falecido.

Ao longo da história, o forte impacto da presença de Pale modificará a vida dos três personagens. Anna, encontrando nele o companheiro ausente, precisará escolher entre a elegância de Burton e a selvageria de Pale. Burton, por sua vez, experimentará o sabor do desafio pela primeira vez. Larry, uma espécie de bobo da corte, talvez descubra um motivo que o ligue aos demais. Nova versão de Stanley Kowalski, Pale terá outra chance de conhecer o irmão bailarino cuja dança ele jamais dedicou-se a assistir quando pode.

“Queime isso”, escrita na segunda metade dos anos 80, é uma reflexão sobre os laços que a AIDS estava modificando em Nova Iorque e o faria para sempre no resto do mundo. Escrita sob fortes influências de Anton Tchékhov e de Tennessee Williams, a peça é sobre a força de um personagem que, resistindo à própria morte, une pessoas e dá a elas nova oportunidade de ressignificarem as próprias vidas. Elogiadíssima na primeira montagem, no inverno de 1987, na Broadway, a produção trazia John Malkovich no papel de Pale. No Brasil, Lanford Wilson era inédito até agora. O autor ganhou o Pulitzer, em 1980, por “Talley’s Folly”.

Problemas de ritmo, mas bom jogo de oposições
Dirigido por Victor Garcia Peralta, o espetáculo, em vários momentos, parece ser mais longo do que precisava pela banalidade com que muitos diálogos são ditos. A opção por um quadro atemporal nem aprofunda a situação original, nem aproxima aquela realidade dos dias de hoje. Embora os personagens se vistam como em 2015, não há celulares entre eles e os tempos continuam fieis à dramaturgia. Só que a AIDS e a internet modificaram o mundo e a peça, ao eximir-se de marcar a comunicação entre essas duas eras, perde a oportunidade de ser mais que a representação do texto.

Ainda no que diz respeito à direção, os ótimos trabalhos de Tatsu Carvalho (Pale) e de Alcemar Vieira (Larry) destoam muito da linearidade pouco convincente de Karine Carvalho (Anna). Os méritos de Vieira, privilegiado pelas melhores falas do texto, são perigosos na medida em que seu personagem é o menos claro na narrativa. Por outro lado, é bastante interessante o marcado jogo de oposições entre as figuras de Celso André (Burton) e de Tatsu Carvalho.

Tatsu Carvalho e Alcemar Vieira brilham
É bastante fácil identificar as proximidades entre McMurphy, que Tatsu Carvalho interpreta na montagem de “Um estranho no ninho”, e sua versão para Pale, aqui em “Queime isso”. Melhor ainda é perceber suas distâncias. Estão claras as quebras que modificam o seu personagem aqui ao longo da narrativa, ele que incialmente modifica as vidas de todos os seus pares tanto nessa quanto na outra história. Como na interpretação de Alcemar Vieira, há ótimo uso da voz e do corpo, em que diferentes níveis são responsáveis por maior profundidade. Em Karine Carvalho, vários momentos escapam pelo modo excessivamente regular com que a atriz apresenta sua Anna. Celso André, discreto nas expressões e naturalmente vistoso no porte, colabora bem para a narrativa.

Miguel Pinto Guimarães apresenta um cenário que responsabiliza o texto e os atores pelos méritos no contorno da narrativa. Ainda que bonito, o visual traz belos desafios para a direção na sustentação do ritmo, nem todos eles vencidos infelizmente. No mesmo sentido, age a trilha sonora de Mauro Bernan. Os figurinos de Alessandra Padilha marcam com elegância a evolução do tempo. A iluminação de Felipe Lourenço valoriza o ambiente, no qual se mistura, marcando bem as horas do dia em que as cenas acontecem positivamente.

Depois de ler um bilhete, queimá-lo significa destruir tudo a seu respeito menos a informação lida. Nesse sentido, para além do palpável fica o essencial, muitas vezes invisível aos olhos. Ao sugerir essa reflexão, “Queime isso” se anuncia como uma boa opção na grade teatral do Rio. Vale a pena assistir.

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Ficha Técnica:
Texto: “Queime Isso” (Burn This) de Lanford Wilson
Direção: Vitor Garcia Peralta
Direção de Movimento: Toni Rodrigues
Tradução: Ricardo Ventura
Cenário: Miguel Pinto Guimarães
Figurinos: Alessandra Padilha
Iluminação: Felipe Lourenço
Design Gráfico: Ana Andreiolo
Trilha: Mauro Berman
Atores: Tatsu Carvalho, Karine Carvalho, Alcemar Vieira e Celso Andre
Produção: Tatsu Carvalho e Ana Beatriz Figueras
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação