Denise Del Velcchio interpreta Medeia |
Foto: divulgação
A vitalidade da tragédia grega
“Trágica.3” está em cartaz no Teatro 1 do Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, com Letícia Sabatella, Miwa Yanagizawa e com Denise Del Vecchio interpretando Antígona, Electra e Medeia respectivamente. Dirigida por Guilherme Leme, a peça justapõe quadros das três personagens trágicas, resumindo as histórias mais conhecidas de cada uma e recriando seus universos com a vitalidade que a tragédia grega merece. Os três trabalhos de interpretação são bastante bons, as dramaturgias também, com destaque para o cenário de Aurora dos Campos, a iluminação de Tomás Ribas e para a trilha sonora original de Marcello H, Fernando Alves Pinto e de Sabatatella. Fica possível a reflexão sobre os elos de ligação entre as três tragédias citadas pelo espetáculo. Porque aproximam a fé e a falta de lógica, essas peças continuam sendo ótimas bases de apoio para lidarmos com a contemporaneidade.
Criadas e recriadas por diversos dramaturgos ao longo da história, Antígona, Electra e Medeia são três mulheres diferentes. “Trágica.3” começa com a oposição entre sociedade e família, que é definitiva quando Antígona enterra o irmão Polinices, descumprindo uma ordem real. Para ela, filha de Édipo com a avó Jocasta, os laços familiares vêm em primeiro lugar. Electra, por sua vez, representa o oposto: o corte dos laços familiares. Já adulta, ela trama com o irmão Orestes o assassinato da mãe para vingar o pai. No passado, Agamenon empreendeu uma guerra contra Troia em apoio ao irmão Menelau. Para vencer a batalha, levou a filha Ifigênia ao sacrifício, do que nunca foi perdoado pela esposa Clitemnestra, que o matou. Por fim, Medeia surge sem família, sem pátria e sem juventude no fim da vida. Motivada por Eros, a princesa Medeia da Cólquida, contra seu pai, ajuda Jasão a ganhar o velocino de ouro com o qual poderia ser rei de sua terra, Tessália. Expulsos tanto da terra dele como da dela, o casal vai morar em Corinto, onde Jasão se casa com Glaucia, filha do Rei Creonte. Para se vingar do marido, Medeia mata os filhos e vai morar em Atenas, de onde também será expulsa. No fim da vida, assassinará outros homens e fará de seu filho com Egeu o rei da Cólquida, quando enfim poderá descansar. O que une, assim, essas três mulheres é um certo tipo de liderança para a qual elas foram condenadas. Enterrar o irmão, tramar a morte da mãe e assassinar os filhos não são atos trágicos porque terríveis, mas porque expressam um destino do qual elas não poderiam fugir. Ao mesmo tempo em que são protagonistas, nenhuma delas foi rainha, mas, nesses mitos, apenas argumentos de uma visão de mundo que ainda é metáfora para tentar explicar a falta de lógica da vida cotidiana.
À parte as versões mais conhecidas de Sófocles, Eurípedes e de Ésquilo, a dramaturgia de “Trágica.3” chega assinada com “Antígona”, de Caio de Andrade; “Electra”, por Francisco Carlos; e com “Medeia”, pelo dramaturgo alemão Heiner Müller (1929-1995). O resultado mostra grandes desafios vencidos. Conhecem-se as histórias, os conflitos, os valores de cada personagem, sentem-se o sabor e o peso da retórica clássica, mas aprofunda-se no recorte essencial de cada figura a tempo de se ter um panorama das três mulheres, uma ao lado da outra. Nesse sentido, a direção de Guilherme Leme tem os méritos de não se render ao tempo, de valorizar as expressões, de conservar os movimentos retos (e apolíneos!) e equilibrados da boa tragédia encenada.
Letícia Sabatella, Miwa Yanagizawa e Denise Del Vecchio apresentam bons trabalhos dentro das possibilidades de suas personagens. É claro que a imagem da mãe que mata os filhos para se vingar do marido pela traição é mais aterradora que a da filha que planeja o assassinato da mãe e da irmã que enterra o irmão com as próprias mãos, e por isso, aparentemente, o resultado de Del Vicchio é superior ao de suas parceiras. Embora relevante, nem sempre as aparências são justas e aqui é preciso destacar o bom resultado do conjunto. Na viabilização do discurso oral e dos quadros através dele, e na economia dos gestos e das expressões corporais, os três trabalhos são bastante positivos.
Na composição do quadro, os cortes retos e elegantes dos figurinos de Glória Coelho lembram que Antígona, Electra e Medeia são filhas de reis (Édipo, Agamenon, Eetes), mas, mais que isso, eles expressam o raciocínio trágico: as linhas retas de Apolo, o lugar objetivo do destino superior. Nesse sentido, a iluminação de Tomás Ribas conversa bem com o cenário de Aurora dos Campos, ambos os trabalhos construindo um lugar recortado, duro, uniforme inclusive na evolução das cores, apesar dos vídeos, esse uma espécie de marca de abandono da concepção, partindo para algo mais sentimental. A trilha sonora marca a relação do contexto narrativo com o tom de ritual: de um lado, os lamentos. De outro, a sentença divina.
“Tragica.3”, pelo aparato visual, estético e reflexivo que recupera, merece aplausos.
*
FICHA TÉCNICA:
A vitalidade da tragédia grega
“Trágica.3” está em cartaz no Teatro 1 do Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, com Letícia Sabatella, Miwa Yanagizawa e com Denise Del Vecchio interpretando Antígona, Electra e Medeia respectivamente. Dirigida por Guilherme Leme, a peça justapõe quadros das três personagens trágicas, resumindo as histórias mais conhecidas de cada uma e recriando seus universos com a vitalidade que a tragédia grega merece. Os três trabalhos de interpretação são bastante bons, as dramaturgias também, com destaque para o cenário de Aurora dos Campos, a iluminação de Tomás Ribas e para a trilha sonora original de Marcello H, Fernando Alves Pinto e de Sabatatella. Fica possível a reflexão sobre os elos de ligação entre as três tragédias citadas pelo espetáculo. Porque aproximam a fé e a falta de lógica, essas peças continuam sendo ótimas bases de apoio para lidarmos com a contemporaneidade.
Criadas e recriadas por diversos dramaturgos ao longo da história, Antígona, Electra e Medeia são três mulheres diferentes. “Trágica.3” começa com a oposição entre sociedade e família, que é definitiva quando Antígona enterra o irmão Polinices, descumprindo uma ordem real. Para ela, filha de Édipo com a avó Jocasta, os laços familiares vêm em primeiro lugar. Electra, por sua vez, representa o oposto: o corte dos laços familiares. Já adulta, ela trama com o irmão Orestes o assassinato da mãe para vingar o pai. No passado, Agamenon empreendeu uma guerra contra Troia em apoio ao irmão Menelau. Para vencer a batalha, levou a filha Ifigênia ao sacrifício, do que nunca foi perdoado pela esposa Clitemnestra, que o matou. Por fim, Medeia surge sem família, sem pátria e sem juventude no fim da vida. Motivada por Eros, a princesa Medeia da Cólquida, contra seu pai, ajuda Jasão a ganhar o velocino de ouro com o qual poderia ser rei de sua terra, Tessália. Expulsos tanto da terra dele como da dela, o casal vai morar em Corinto, onde Jasão se casa com Glaucia, filha do Rei Creonte. Para se vingar do marido, Medeia mata os filhos e vai morar em Atenas, de onde também será expulsa. No fim da vida, assassinará outros homens e fará de seu filho com Egeu o rei da Cólquida, quando enfim poderá descansar. O que une, assim, essas três mulheres é um certo tipo de liderança para a qual elas foram condenadas. Enterrar o irmão, tramar a morte da mãe e assassinar os filhos não são atos trágicos porque terríveis, mas porque expressam um destino do qual elas não poderiam fugir. Ao mesmo tempo em que são protagonistas, nenhuma delas foi rainha, mas, nesses mitos, apenas argumentos de uma visão de mundo que ainda é metáfora para tentar explicar a falta de lógica da vida cotidiana.
À parte as versões mais conhecidas de Sófocles, Eurípedes e de Ésquilo, a dramaturgia de “Trágica.3” chega assinada com “Antígona”, de Caio de Andrade; “Electra”, por Francisco Carlos; e com “Medeia”, pelo dramaturgo alemão Heiner Müller (1929-1995). O resultado mostra grandes desafios vencidos. Conhecem-se as histórias, os conflitos, os valores de cada personagem, sentem-se o sabor e o peso da retórica clássica, mas aprofunda-se no recorte essencial de cada figura a tempo de se ter um panorama das três mulheres, uma ao lado da outra. Nesse sentido, a direção de Guilherme Leme tem os méritos de não se render ao tempo, de valorizar as expressões, de conservar os movimentos retos (e apolíneos!) e equilibrados da boa tragédia encenada.
Letícia Sabatella, Miwa Yanagizawa e Denise Del Vecchio apresentam bons trabalhos dentro das possibilidades de suas personagens. É claro que a imagem da mãe que mata os filhos para se vingar do marido pela traição é mais aterradora que a da filha que planeja o assassinato da mãe e da irmã que enterra o irmão com as próprias mãos, e por isso, aparentemente, o resultado de Del Vicchio é superior ao de suas parceiras. Embora relevante, nem sempre as aparências são justas e aqui é preciso destacar o bom resultado do conjunto. Na viabilização do discurso oral e dos quadros através dele, e na economia dos gestos e das expressões corporais, os três trabalhos são bastante positivos.
Na composição do quadro, os cortes retos e elegantes dos figurinos de Glória Coelho lembram que Antígona, Electra e Medeia são filhas de reis (Édipo, Agamenon, Eetes), mas, mais que isso, eles expressam o raciocínio trágico: as linhas retas de Apolo, o lugar objetivo do destino superior. Nesse sentido, a iluminação de Tomás Ribas conversa bem com o cenário de Aurora dos Campos, ambos os trabalhos construindo um lugar recortado, duro, uniforme inclusive na evolução das cores, apesar dos vídeos, esse uma espécie de marca de abandono da concepção, partindo para algo mais sentimental. A trilha sonora marca a relação do contexto narrativo com o tom de ritual: de um lado, os lamentos. De outro, a sentença divina.
“Tragica.3”, pelo aparato visual, estético e reflexivo que recupera, merece aplausos.
*
FICHA TÉCNICA:
Textos:
Medeia - Heiner Müller
Antígona - Caio de Andrade
Electra - Francisco Carlos
Elenco: Denise Del Vecchio, Letícia Sabatella, Miwa Yanagizawa, Fernando Alves Pinto e Marcello H
Concepção e Direção: Guilherme Leme
Concepção e Direção: Guilherme Leme
Cenografia: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomás Ribas
Figurino: Glória Coelho
Figurino: Glória Coelho
Trilha Sonora Original: Fernando Alves Pinto, Leticia Sabatella e Marcello H
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Coordenação de Comunicação: Daniela Cantagalli
Programação Visual e Fotos: Victor Hugo Cecatto
Produção Executiva: Sílvia Rezende
Direção de Produção: Sérgio Saboya
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Patrocínio: Banco do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Bem-vindo!