A boa dramaturgia de Leilah Assunção
A boa comédia “Boca molhada de paixão calada”, com texto de Leilah Assunção, estreou na Sala Rogério Cardoso, na Casa de Cultura Laura Alvim, zona sul do Rio de Janeiro. Dirigida por Márcio Veira, a peça é a nova produção da Cia. Escaramucha, com Ana Berttines e Rômulo Rodrigues no elenco. A produção marca o aniversário de 70 anos da dramaturga paulista comemorados em 2013. Produzido pela primeira vez há vinte anos tem o mérito de bem unir, em sua complexa dramaturgia, um panorama histórico do Brasil no período da ditadura ao lado da exposição de conflitos de casal. O resultado é muito interessante.
Antônio e Camila são ex-marido e ex-mulher que combinaram de se encontrar em um apartamento para ver como anda o interesse sexual de um em relação ao outro. As tentativas de fazer sexo são interrompidas por lances de memória que levam os dois a passarem a limpo o casamento. O que poderia ser uma comédia banal se torna um roteiro riquíssimo de informações sobre os anos da ditadura do Brasil. O casal viveu ativamente esse período. Foram manifestantes de esquerda, se exilaram, viveram as drogas, a liberdade sexual, o feminismo. E tudo isso com o bom humor que marca o brasileiro mediano, aquele que fala mal da corrupção, mas também estaciona em lugar errado. Daí o sucesso da dramaturgia. Na plateia, o espectador sabe que suas referências estão sendo requisitadas, mas também deve reconhecer está sendo entretido. É um jogo divertido e complexo.
O trabalho de direção de Márcio Vieira traz dois desafios aos intérpretes, revelando seus bons trabalhos. Ao longo da encenação, Ana Berttines e Rômulo Rodrigues conseguem não deixar o ritmo cair apesar de “Boca fechada” partir de uma discussão e se manter assim com raros momentos de exceção. Além disso, os movimentos cênicos se resumem a um vira e mexe sem fim e sem propósitos claros das peças do cenário de Daniele Geammal. No quesito, a peça não tem bom resultado. Destacam-se o carisma dos dois atores, mas principalmente as quebras de intenções e as pausas de Berttines, garantindo ótimos momentos.
O cenário e o figurino de Geammal não são bons. Embora a trama se passe em um apartamento, a peça acontece em um lugar indefinido: sem janelas, com fotos estranhamente penduradas e com uma cortina de fundo que é sempre um cenário e nunca um signo para algo representativo. Um sofá-cama dividido em partes a la Polenguinho, com madeira pesada forrada de veludo molhado azul, encarrega o elenco de carregar suas fatias de um lado para outro sem possibilitar bons quadros estéticos. O vestido azul de malha tem um tom que se repete no sofá e que varia muito pouco da camisa masculina em um todo azul cansativo e pobre. Djalma Amaral, Zéza Julio e Daniel Cunha apresentam o desenho de luz, a trilha sonora e o visagismo sem relevância.
“Boca molhada de paixão calada” vale a pena ser visto porque, além dos bons trabalhos de interpretação, é a produção inédita de um texto de nossas mais importantes dramaturgas do teatro brasileiro contemporâneo. Além disso, com humor e criatividade a peça se insere plenamente na programação cultural que reflete os 50 anos de um dos períodos mis negros de nossa história, o Golpe Militar.
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FICHA TÉCNICA
Texto: Leilah Assunção
Direção e idealização: Márcio Vieira
Elenco: Ana Berttines e Rômulo Rodrigues
Iluminação: Djalma Amaral
Cenário e Figurino: Danielle Geamal
Direção Musical: Zéza Júlio
Visagismo: Daniel Cunha
Fotografia: Fernanda Sabença
Produção executiva : Cristiane Pimenta / KC Produções
Produção e realização: PRAMA COMUNICAÇÃO (Ana Berttines e Rômulo Rodrigues)
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