quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Silêncio (RJ)

Suzana Faini é Esther, a matriarca da família
Foto: Renato Mangolin

Suzana Faini brilha em novo texto de Renata Mizrahi

Dentre os muitos bons valores de “Silêncio”, nova peça cujo texto é de Renata Mizrahi, está a forma como a autora lida com o assunto escolhido. Durante quase todo o espetáculo, o tema das judias que se tornaram prostitutas no Brasil após chegarem da Polônia é tratado com muita importância, a partir de seus conflitos e de sua complexidade. Então, chega um novo personagem à história, esse representante da nova geração dos judeus no país, e tudo aquilo que havia sido discutido com seriedade até o momento vira uma frase quase banal. O recado é simples: as coisas têm a importância que lhes é dada. Com direção de Mizrahi e de Priscila Vidca (a mesma dupla de “Os sapos”), a peça tem bons trabalhos de interpretação em que se destaca a atuação excelente de Suzana Faini. A peça está em cartaz no Sesc Arena Copacabana.

É noite de Shabat, o início do descanso judaico. Na casa da jovem Débora (Gabriela Estevão), comemoram-se os cinquenta anos de Regina (Verônica Reis), mãe de Débora e de Clara (Karen Coelho). Além deles, participam da recepção Beto (Alexandre Mofati), o pai das duas e marido de Regina, e os avós Esther (Suzana Faini) e David (Jitman Vibranoski), pais da aniversariante, avós da dona da casa. Enquanto o namorado de Débora, Flávio (Vicente Coelho), não chega, a família deixa ver quase todas as opiniões que uns têm sobre os outros, revelando vários meandros de uma relação familiar bastante complicada. Rapidamente, se reconhecem as oposições, as discordâncias, as proximidades e as distâncias entre os personagens. O texto vai se tornando metáfora para relações reais, criando pontos de reflexão bastante interessantes para o espectador interessado em pensar sobre si mesmo e sobre como a família e a sociedade são vitais na constituição da identidade do indivíduo.

Ao lado do texto, a encenação constrói um quadro equilibrado e bem disposto. Enquanto dois ou mais personagens falam, é ainda possível identificar conteúdo nas faces silenciosas. A qualidade do jogo de encenação de Mizrahi e de Vidca preenche os espaços quase sem cenário, conduzindo a narrativa pela potencialização dos signos teatrais. Quando os personagens saem da cena principal, continuam sendo vistos, mas não veem a cena, estabelecendo assim uma outra cena paralela que é também muito interessante porque sustenta o assunto, estabelece a tensão. Assim, o ritmo avança de forma irregular e positiva, apresentando, desenvolvendo e concluindo a história de forma meritosa.  A ebulição anunciada acontece, mas o fim continua sendo surpreendente. E belo.

Todos os atores viabilizam bons trabalhos de interpretação, mas Suzana Faini se destaca não só pelo personagem privilegiado, mas pela forma minuciosa com que a atriz dá a ver a sua matriarca. Mantendo na dureza do olhar a força das reações de sua Esther, a intérprete gera uma atenção que alcança na forma o que o diálogo por si só também diz. O grande número de falas fica em mesmo nível que a atenção que sobre ela se desperta. Acertadamente, é Esther a protagonista uma vez que é sua a maior curva dramática dentre as várias de “Silêncio”.

O cenário de Nello Marrese e o figurino de Bruno Perlatto têm uma participação bastante relevante. Apesar da época contemporânea em que a história se passa, o figurino de Débora e os móveis de sua casa remetem a uma época que já passou, expressando um certo conservadorismo não apenas da personagem anfitriã, mas também do seu ponto de vista central. A força dos ritos da tradição judaica perpassam de alguma forma, assim, todos os lugares estéticos da peça, isolando a personagem Clara, a antagonista, positivamente. Com isso, cenário e figurino atuam decisivamente para uma virada cênico-dramatúrgica que é essencial para o aplauso final.

Ao tratar sobre a forma como a história das judias “polacas” foi renegada por si próprias e pelos seus descendentes, além da comunidade judaica ao longo do século, a peça “Silêncio” resgata não apenas uma parte da história da imigração no Brasil, como propõe uma reflexão sobre a fuga dos assuntos que mais nos incomodam. O espetáculo defende que feridas precisam ser tratadas para que as cicatrizes diminuam. Bravo!

*

FICHA TÉCNICA:
TEXTO E IDEALIZAÇÃO: RENATA MIZRAHI
DIREÇÃO: PRISCILA VIDCA E RENATA MIZRAHI

ELENCO:
SUSANA FAINI
KAREN COELHO
VERÔNICA REIS
JITMAN VIBRANOVSKI
ALEXANDRE MOFATTI
VICENTE COELHO
GABRIELA ESTEVAO

STAND-IN:
FLÁVIA MILIONI
LÉO WAINER
ZÉ GUILHERME GUIMARÃES

CENÁRIO: NELLO MARRESE
ASSISTENTE DE CENOGRAFIA: LORENA LIMA
FIGURINO: BRUNO PERLATTO
ILUMINAÇÃO: RENATO MACHADO
ASSISTENTE DE DIREÇÃO: FLAVIA MILIONI
DESIGN GRÁGICO: MÁRCIO FREITAS
FOTOGRAFIAS: RENATO MANGOLIN
PRODUÇÃO EXECUTIVA: TAMIRES NASCIMENTO
ADMINISTRAÇÃO: ALAN ISIDIO
ASSESSORIA DE IMPRENSA: SG ASSESSORIA DE IMPRENSA SHEILA GOMES
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: SANDRO RABELLO
REALIZAÇÃO: ISÍDIO PRODUÇÕES E DIGA SIM! PRODUÇÕES