Adriano Garib e Marina Provenzzano |
A sutileza versus o hermetismo
“Eu, o Romeu e a Julieta” faz tantas voltas para chegar onde quer chegar que, quando chega, o lugar acaba frustrando as expectativas de quem foi. O grande lugar de complexidade da história está nas barreiras construídas pelo personagem Pedro em volta de si mesmo e que o impedem a realizar seu grande sonho. O conflito é interno: quanto mais Pedro quer fazer algo, menos ele consegue fazer e o mérito maior desse espetáculo da Cia das Inutilezas está em trabalhar essa sutileza. Não há narrativa que não trate do homem, mas poucas histórias conseguem tematizar lugares tão sensíveis o que temos aqui. Pena que o espetáculo que esteve em cartaz no Mezanino do Teatro Sesc Copacabana tenha, como Pedro, construído tantos “muros” sobre si próprio.
Há vinte e cinco anos, Pedro quer interpretar Romeu no clássico “Romeu e Julieta”, de Shakespeare. Também há vinte e cinco anos, nasceu Ana, uma atriz de publicidade que, agora, se candidata à vaga de Julieta na mais última tentativa de Pedro de realizar o seu sonho. Interpretado por Adriano Garib, Pedro articula muitas palavras por segundo, movimenta-se em um ritmo regular de tensão e distensão e tem uma respiração ofegante, tudo isso marcando o seu nervosismo em estar, sendo ele um homem de meia idade, diante de uma jovem e bonita atriz iniciante. Os ensaios para a produção não evoluem, pois Pedro (o produtor, o diretor e ator protagonista) não consegue se aproximar de Ana e o efeito é tanto cômico quanto trágico, isto é, ao mesmo tempo, vemos a insegurança e a determinação (duas características opostas) de um homem diante do seu ofício. Profundo conhecedor da obra de Shakespeare, ele não quer que absolutamente nenhum detalhe passe despercebido e, quanto mais se vê próximo da realização do seu grande intento, mais treme.
O primeiro problema de “Eu, o Romeu e a Julieta” é que a história é contada a partir de um personagem Menino, interpretado pelo ator Antônio Rabello Medeiros, que tem 12 anos. Os pais desse Menino se separaram recentemente. O pai dormiu por um tempo no sofá e depois foi embora de casa. O Menino sente saudades dele e narra para o público uma das coisas de que ele mais sente falta do pai: de vê-lo, ao contar histórias, arrancar as últimas páginas dos livros para que os finais fossem inventados pelos leitores e não apenas aceitos tais quais foram escritos. Com isso, a dramaturgia literária e cênica assinada por Emanuel Aragão informa a respeito da importância de terminar histórias, fazendo uma ponte da situação familiar do Menino com a história que esse Menino começa a contar para o público, a de Pedro. Pedro e Ana, assim, não existem no mundo do Menino, mas apenas em sua imaginação, de forma que temos uma história dentro da história e a relação entre as duas vai se tornando cada vez mais infelizmente óbvia, como o Pai do Menino, Pedro também não terminou a sua história.
Outra questão relevante em termos negativos é o ritmo da narrativa. A primeira coisa que acontece em cena, a chegada de Ana na sala de ensaios, se dá aos 60 minutos de espetáculo. Esse alargamento exagerado do tempo tem um motivo claro: construir a tensão que marcará o personagem Pedro, como já se disse. No entanto, porque temos duas histórias e ainda teremos uma terceira, essa tensão toda que é criada acaba sendo um elemento que se torna obsoleto e, portanto, nem tão útil assim. Tendo apenas assistido à história durante dois terços do tempo, o Menino e a diretora assistente da peça “Eu, o Romeu e Julieta”, Liliane Rovaris, interferirão propriamente na cena no final da narrativa. Ou seja, mais para o final da apresentação, esse espetáculo da Cia. Inutilezas, que ainda não encerrou nenhuma da histórias que começou, proporá uma terceira infelizmente.
Na direção de Emanuel Aragão, há um jogo de câmeras que relaciona o que acontece no lado de fora do teatro com a cena a que estamos assistindo dentro da sala. Enquanto vemos Pedro tenso, à espera de Ana na sala de ensaios do cenário de Antônio Pedro Coutinho, vemos Ana, através do vídeo, fazer o seu trajeto da rua até a porta de entrada da sala. O efeito se repete algumas vezes ao longo da peça e, no final, temos uma forte aproximação das ruas de Copacabana com a peça a que estamos assistindo, essa, por sua vez, já uma história dentro de uma outra história. Quando se notam que as cenas exibidas ao público são mais um virtuosismo da operação (no sentido de apertar o botão play na hora certa) do que propriamente da captação - o que fica claro quando assistimos aos personagens na rua e, em seguida, os vemos sair da coxia -, sabemos que o elemento narrativo usado aqui é um hermetismo interessante do ponto de vista da forma, mas praticamente vazio na ordem do conteúdo. É apenas uma terceira ponta dessa estrutura que, até então e ao final, se mostrará cambaleante.
Assim, ainda que a carga dramática bastante bem pontuada pelas excelentes interpretações de Adriano Garib (Pedro) e de Marina Provenzzano (Ana) sejam teatral e narrativamente relavantes, o espetáculo como um todo parece mais querer exibir o bom uso de técnicas de dramaturgia ( uma história, dentro de uma história, dentro de uma história) e de uso de elementos cinematográficos do que propriamente tratar de um tema e enfrenta-lo com uma boa narrativa. Com mais de duas horas de duração, “Eu, o Romeu e a Julieta”, além de ótimos trabalhos de interpretação, e de um uso bastante interessante dos elementos cênicos (lousas, luzes fosforescentes, objetos de ensaio teatral, etc) traz uma investigação estética que é, de fato, batente rica. Pode não resultar em um trabalho realmente sólido, mas, sem dúvida, com belas paisagens.
Ficha técnica
A partir da obra de William Shakespeare
Texto e direção: Emanuel Aragão
Diretora assistente: Liliane Rovaris
Elenco: Adriano Garib, Antonio Rabello e Marina Provenzzano
Iluminação: Isadora Petrauskas
Cenário: Antonio Pedro Coutinho
Figurino: Liliane Rovaris
Trilha sonora: Alex Tolkmitt
Fotografia: Felipe Lima
Realização: Cia. das Inutilezas
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Bem-vindo!