sábado, 22 de março de 2014

Ana – Ensaios sobre “O tempo e o vento” (RJ)

Ana Vitória e Jane Duboc em cena
Foto: divulgação

Pouco

“Ana – Ensaios sobre “O tempo e o vento”” precisa ser analisado não como poderia ser, mas sobre o que quer ser. Nesse sentido, e talvez só nesse sentido, é positivo enquanto obra estética. O que se vê no palco do Teatro Sesc Ginástico não é uma viabilização cênica da obra do escritor gaúcho Erico Verissimo (sem acentos!) (1905 – 1975), mas um comentário a um capítulo do romance épico “O tempo e o vento”. E apenas um comentário. Com dramaturgia e direção de Marcelo Aquino, a peça tem direção de movimento de Denise Stutz e direção musical e composições de Jane Duboc. Em cena, há a participação honrosa de Angel Viana. Ao espectador, o ponto mais positivo é fato de durar apenas sessenta minutos.

“O tempo e o vento” é um romance escrito entre 1949 e 1961, disposto em sete livros: O continente 1 e 2, O retrato 1 e 2 e O arquipélago 1, 2 e 3. Erico Verissimo “constrói” o Rio Grande do Sul nos dois primeiros livros, carregando nas cores, enaltecendo os personagens, criando um universo romântico, maravilhoso, especial. Nessa primeira parte (que começa antes do Tratado de Madrid (1750) e vai até a Revolução Federalista (1893)), as mulheres são fortes, os homens são guerreiros, as paisagens são belíssimas, o tempo passa fluentemente. É preciso que seja assim nessa primeira etapa, porque Verissimo irá “destruir” o mesmo estado que construiu nos cinco livros que vêm depois (que percorre as primeiras quatro décadas do século XX). Na segunda e na terceira parte, o autor irá deixar ver o quanto o homem é corrupto, o quanto a sociedade é sórdida, o quanto as relações são capciosas. O Dr. Rodrigo Terra Cambará, protagonista do romance, é a versão de Verissimo de Getúlio Vargas: o caudilho, o populista, o ditador na visão do romancista. Na árvore genealógica, esse personagem é bisneto de Bibiana Terra Cambará, que, por sua vez, é neta de Ana Terra, essa apenas protagonista de um capítulo homônimo do primeiro livro da primeira parte. (Ou seja, dizer que Ana Terra é coluna fundamental de “O tempo e o vento” é, antes de qualquer coisa, um erro literário!) Sua história é contada desde os seus 25 anos até o início de sua velhice. (Ou seja, dizer que estamos diante da história da vida de Ana Terra é outro erro literário!!)

A dramaturgia de Marcelo Aquino não situa os personagens fazendo coisas, mas se dá a ver a partir de figuras que dizem (comentam verbal e corporalmente) o que Ana Terra era. Ou seja, não estão esgarçadas as cores dos atos, mas da avaliação dos atos: a pureza de Ana quando a história começa, a feminilidade de Ana quando ela se encontra com Pedro Missioneiro, a coragem de Ana quando chegam os castelhanos, a determinação de Ana quando o dia seguinte ao massacre de sua família amanhece e começa o resto de sua vida. Para o espectador, a narrativa fica superficial, pois, nos diálogos de Aquino, por exemplo, a primeira vez em que Ana vê o índio e seu desejo sexual por ele são enunciados justapostos enquanto, em Erico Verissimo, passam muitos meses e vários pequenos acontecimentos entre um e outro. Com isso, vê-se que os atos são “atropelados” em função das letras das canções interpretadas ao vivo em cena, essas que exortam, ao lado do texto, os valores das consequências dos atos.

Carol Machado protagoniza a narrativa cênica, sendo aquela que mais falas têm, considerando que nenhuma dentre as atrizes realmente têm uma personagem para si, mas todas são, de alguma forma, uma Ana Terra sem que haja diferenças entre elas. A interpretação é cheia de força, de bons usos dos tempo, de gestual equilibrado e crescente, de ótimas entonações. Quanto as demais atrizes que compõem o elenco, percebem-se trabalhos que reproduzem equilíbrio no conjunto sem destaques. Angel Viana tem importância na história das artes cênicas brasileiras o suficiente para marcar positivamente sua participação em qualquer espetáculo e de qualquer forma. (No programa, constam cinco bailarinos que não aparecem em nenhum momento do espetáculo.)

As canções de “Ana – Ensaios sobre “O tempo e o vento”” são redundantes, repetindo o primeiro tema apesar das letras diversas. O resultado é coerente, pois, em cena, temos a confirmação do que o texto diz, nada diferente, nada alternativo. Os figurinos de Ticiana Passos reforçam o vento na leveza dos tecidos e o tempo nas estampas circulares, também sem acrescentar nada de novo. A cenografia de Daniele Geammal nem expressa o planalto ou o pampa rio-grandense, nem sugere algo que seja claro, além dos espelhos que remetem ao reflexo de Ana na sanga onde ela usava lavar roupas. As vozes das atrizes concorrem deslealmente com os microfones das cantoras e com o som amplificado das canções, mas vencem a disputa valorosamente.

Pelo exposto, Marcelo Aquino quis pouco com “Ana – Ensaios sobre “O tempo e o vento”” e conseguiu, o que é bom.

*

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia e direção: Marcelo Aquino
Direção de Movimento: Denise Stutz
Direção Musical: Jane Duboc
Com: Ana Vitória, Carol Machado, Carolyna Aguiar, Claudia Castelo Branco, Jane Duboc, Renata Costa e Roseane Milani
Participação especial: Angel Vianna
Stand in: Sandra Alencar
Trilha original: Jane Duboc e Felipe Dias
Arranjos: Jane Duboc e Claudia Castelo Branco
Cenografia: Daniele Geammal
Vídeos: Renato Livera
Figurino: Ticiana Passos
Iluminação: Rúbia Vieira
Visagismo: André Vital
Preparação Corporal: Carolyna Aguiar
Preparação Vocal: Gabriela Geluda
Assistência de Direção: Cleiton Echeveste
Programação visual: Arthur Schreinert
Fotografia: Desirée Do Valle
Assistência de Produção: Clarissa Quintieri
Produção executiva: Anna Sant’Ana
Direção de Produção: Roseane Milani
Realização: Gam Produções

Um comentário:

  1. Parabéns ao crítico sobre o posicionamento demostrado diante de situações embaraçosas quando alguns profissionais contestam publicamente suas opiniões. As devidas respostam demostram o quanto a crítica está a favor do teatro como um todo, numa arte complexa que dispõem de todas as outras, com tão variantes psicologias e por função nos aponta parâmetros para nossas a construção de nossas próprias "verdades absolutas".

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