segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Fim de partida (RJ)

"Fim de Partida" é a nova produção do grupo
Alfândega88
Foto: Dalton Valerio

Obra prima

“Fim de partida”, o espetáculo, é como é o texto: uma obra prima na sua condição artística. Escrito em 1957, o texto do irlandês Samuel Beckett está entre “Esperando Godot” e “Dias Felizes”, compondo a tríade de seus maiores textos e seus mais conhecidos também. Em todos, a tragédia, uma vez antiga, depois elisabetana e ainda clássica, ganha ares contemporâneos. Em Godot, o sentido é o elemento aprisionante. Em “Dias Felizes”, é o tempo. Aqui é a existência que insiste em continuar. No contexto, Hamm (Fernando Lopes Lima), que é cego e já não pode mais andar, subjuga seu criado Clov (Rafael Mannheimer) a todo o tipo de ordens. Os dois estão abrigados em um lugar que o público não reconhece, talvez uma casa. Em dois tonéis próximos de Hamm, os pais desse: Nagg (Silvano Monteiro) e Nell (Adriana Seiffert), insistindo, como o filho, em continuar vivos, apesar do fim da comida, dos remédios, da paralisia dos movimentos, da desconexão com a realidade. No entorno, um rato aparece, depois uma criança, uma barata também: tudo isso representa o perigo atroz da humanidade poder voltar a existir. É preciso, portanto, extirpa-los. A vida, afinal, precisa morrer. Na montagem do Grupo Alfândega88, preservam-se os elementos mais sutis do texto, esse tão minuciosamente escrito por Beckett. Na articulação dos signos com vistas ao espetáculo, deve-se dizer que a musicalidade é o que melhor funciona. Os diálogos apenas ditos, se pararmos de pensar no que eles significam e apenas ouvi-los, vão parecer uma canção no ouvido do espectador, cheia de melodia, ritmo e de harmonia, mas sem instrumentos musicais além da própria fala. Nada menos que excelente.

A direção de Danielle Martins de Farias apresenta um ótimo resultado. Quem conhece bom teatro sabe que ir em busca do sentido nos textos de Beckett é um erro terrível, pois é ele, o significado, quem vem atrás do leitor. Assim, a estrutura do texto que se torna espetáculo se organiza não para significar, mas para preparar um “ninho” confortável para o sentido que há de vir. Cada ator diz as palavras, buscando a neutralidade máxima possível. Os ritmos são pautados pela frieza também. Os gestos mínimos, do jogo de olhares ao andar manco de Clov, são partiturarizados com vistas a uma esterilidade que é conceitual na literatura de Beckett, mas é concreta e hábil na encenação de Farias. É, pois, a ombridade da peça que fará com que lha acolhamos, dando sentido, significado e atenção. Atenção especial ao monólogo final de Clov, sem dúvida um dos momentos mais célebres do teatro ocidental contemporâneo.

O trabalho de interpretação do elenco é sublime porque respeitoso. Os atores se curvam à vontade de Beckett nas mãos de Farias e apresentam o resultado de sua pesquisa que agiu no intento de dar a ver nuances, sem nenhum traço de histrionicidade. Quanto mais aponta-se para o mérito de Beckett, mais vemos o mérito da Alfândega88, pois, em temos de síndrome de celebridade, a humildade é elegantérrima. Destaque para as tensões de Adriana Seiffert, para a beleza da dicção de Monteiro, para a regularidade da prosódia de Lima e para os olhares precisos de Mannheimer.

Talvez o cenário de Sérgio Marimba seja o único ponto que deixa a desejar, porque explora os espaços vazios não do ponto de vista da sua esterilidade, mas pela ausência. O espectador vê as cortinas, as bambolinas, o interior da caixa cênica e essa concepção ajuda menos na sensação de aprisionamento (ou de abrigo). Porque o espectador precisa traduzir essa proposta, o cenário exige uma atenção que aí deixa de estar em outros elementos infelizmente.

O Alfândega88 é um grupo que é célebre na comunidade teatral do Rio de Janeiro por vários motivos, mas um deles, da ordem da estética, seja a sua pesquisa valiosa em como dizer o texto. As últimas montagens a que se teve assistido valorizam bastante a palavra e seus diversos usos. O feito é bem vindo principalmente porque a direção artística de Moacir Chaves é minuciosa, garantindo um selo de qualidade que já, de antemão, sugere um espetáculo da melhor qualidade.

*

FICHA TÉCNICA
TEXTO: Samuel Beckett
TRADUÇÃO: Fabio de Souza Andrade
DIREÇÃO: Danielle Martins de Farias

ELENCO:
Adriana Seiffert _______________________ Nell
Fernando Lopes Lima ________________ Ham
Rafael Mannheimer ___________________ Clov
Silvano Monteiro ______________________ Nagg

ILUMINAÇÃO: Aurélio de Simoni
CENÁRIO: Sergio Marimba
FIGURINOS: Raquel Theo
DIREÇÃO ARTÍSTICA ALFÂNDEGA 88: Moacir Chaves

2 comentários:

  1. crítica tendência demais. Parece comprada, como um favor cobrado entre amigos. Um vexame.

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    Respostas
    1. Não concordo. Veja mais teatro. Procure acompanhar, se informar sobre o que acontece na Cia Alfândega 88.

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