quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Deixa que eu te ame (RJ)

Solange Badin e Paulo Giardini (à direita) em ótimos trabalhos
Foto: divulgação

Ruim

Apesar das boas interpretações, “Deixa que eu te ame” é um espetáculo ruim porque não parte nem de um bom texto de Alcione Araújo (1945-2012), nem de uma boa direção de Aderbal Freire-Filho. Quanto ao primeiro, é constrangedor notar que, passados sessenta minutos de peça, ainda estamos diante de duas mulheres superficialmente construídas brigando pelo mesmo homem com diálogos sofríveis. Quanto ao segundo, a insistência em uma concepção que articule a dança, o tango, à cena e a interposição de trechos em que os personagens se dirigem ao público, com o uso do microfone e falando em primeiro pessoa, arrasta ainda mais a narrativa cênica e, embora pareça querer “ajudar” o texto, acaba por prejudica-lo ainda mais. Em cartaz no super ultra congelante Teatro Eva Herz (sugere-se levar cobertores!), a montagem tem como ponto positivo o de sugerir uma reflexão acerca da importância da direção e da dramaturgia na construção de um espetáculo teatral, esse em que se vê apenas atores no palco, aqueles que conceitualmente são os realmente responsáveis pelo fazer teatral.

Depois de um coquetel político, Bernardo (Paulo Tiefenthaler), um economista de Brasília, segue com uma mulher (Solange Badin) para um antigo restaurante que já está quase de portas fechadas dada a hora tardia. O lugar faz com que as memórias do passado, quando ambos foram namorados, voltem. Começa um jogo de sedução que termina com a chegada de Thomaz (Paulo Giardini), o irmão de Bernardo e marido de Helena, e de Cecília (Isabel Lobo), esposa de Bernardo. No passado, Bernardo foi fazer um curso longe e, por isso, terminou o namoro com Helena. Quando retornou, ela já estava casada com seu irmão. No que diz respeito a ela, está claro que a “chama” ainda não apagou. Cecília, que é bastante ciumenta, percebe que há algo acontecendo e começa, furiosa, a inquirir o marido, o cunhado e sua esposa. Isso dura bastante tempo. Acontecimentos que vão surgindo nos momentos finais da narrativa vão dando margem para vir à tona o lado interior dos personagens: Helena não está satisfeita com o marido honesto e fiel, que não lhe “acende” na cama. Cecília é insegura como esposa como também o é enquanto mãe de uma mulher de dezesseis anos (Bella Camero), agora envolvida com Miojo (Oscar Saraiva), um traficante. Thomaz tem uma mágoa guardada em relação ao irmão por ele nunca ter ajudado na casa e na doença dos pais já falecidos. Bernardo sabe que precisa pagar pra ter uma fração da admiração que, de graça, o irmão desperta nas pessoas. Próprio do realismo psicológico, o universo interior de cada um é interessante quando consegue dar força para o desenrolar da trama. O problema é que falta trama em “Deixa que eu te ame”, pois, além da disputa de Helena e de Cecília por Bernardo, nada acontece durante dois terços do espetáculo. A história acaba sendo tola, despertando na plateia sentimentos superficiais próprios dos maus melodramas.

A direção de Aderbal Freire-Filho parece reconhecer que o texto está desequilibrado, ciente de que a dramaturgia investe demais na verticalidade (o interior dos personagens) sem a compensação de uma horizontalidade (o desenrolar dos fatos que levam ao fim). Talvez com a intenção de resolver o problema, colorindo a produção com passos de dança (sob uma só e repetitiva composição de Edu Lobo) e com uma certa teatralidade indesejada (óculos escuros, as aparições do Garçon (Cândido Damm), movimentos ilustrativos dos atores atrás da rotunda transparente, etc), a direção arrasta ainda mais a história, oferecendo uma comédia que, no fim, não tem graça alguma. As cenas em que os personagens se dirigem à plateia para falar de si são redundantes, porque não interessa ao público saber quem é aquele personagem se essa informação não mudará o que está por acontecer. As cenas finais são caóticas: tem-se a impressão de que tudo que não foi resolvido ao longo de oitenta minutos, o será feito em dez, o que torna ainda mais superficial o espetáculo como um todo. O tango remete a uma sedução que não existe no contexto afinal: Bernardo acaba sem Cecília e sem Helena, Helena acaba sem Bernardo e sem Thomaz, Cecília acaba sem Bernardo e sem a filha, Thomaz acaba sem a esposa e sem sua própria casa. Recheado de reflexões sobre ética, “Deixa que eu te ame” finda após ter dito muito pouco.

São boas, no entanto, as interpretações. Ainda que Isabel Lobo e que Oscar Saraiva pairem no senso comum em personagens sem exploração evidente, temos excelentes trabalhos sobretudo em Giardini, Badim e em Camero, esses responsáveis por emprestar uma certa humanidade complexa a essas figuras insólitas. O teatro é quando um ator interpreta um personagem diante do público, mas, quando esses atores são dirigidos por um diretor como Aderbal e estão em um espetáculo a partir de uma dramaturgia de Alcione Araujo, o que está por trás das cortinas acaba sendo inevitavelmente teatro também. E aqui isso é ruim. Para quem gosta de teatro, mais do que gosta desse ou daquele realizador, contemplar um momento negativo do trabalho de dois grandes homens de teatro, com o foi Alcione Araújo e ainda é Aderbal Freire-Filho, é, antes de qualquer outra coisa, um aprendizado.

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Ficha Técnica
Autor: Alcione Araújo
Direção: Aderbal Freire-Filho
Direção musical: Edu Lobo
Elenco: Solange Badim, Isabel Lobo, Bella Camero, Paulo Tiefenthaler, Paulo Giardini, Cândido Damm, Oscar Saraiva
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Figurinos: Ticiana Passos
Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Direção de movimento: Marcia Rubin
Produção: Alice Cavalcante e Dulce Lobo
Realização: Dulce Lobo Produções Artísticas e Sábios Projetos
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação

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