segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Atreva-se (SP)

Jô Soares tira o melhor do difícil texto
de Maurício Guilherme
Foto: divulgação

A importância da segurança na comédia

“Atreva-se”, de Maurício Guilherme e com direção de Jô Soares, é uma produção que se mostra indecisa no início, mas que, aos poucos, conquista o público, vencendo seus próprios desafios. Em alguns momentos, quando as cortinas estão fechadas, apela-se para o humor fácil. Em outros, quando o cenário se dá a ver, a comédia é extremamente carregada de referenciais e, por isso, bastante refinada. Ao mesmo tempo, enquanto a encenação se baseia no clima do cinema noir, os diálogos e as tramas parecem se aproximar dos melodramas de Douglas Sirk. A análise a seguir, embora sem repostas prontas, cogita esses dois motivos como uma explicação para o fato do público não se envolver, não entregar facilmente ao espetáculo paulista, demorando um certo tempo para se situar no contexto e, então, se divertir. Produzido por Rodrigo Velloni, a peça está em cartaz no Teatro Leblon – Sala Tônia Carrero. 

A protagonista de “Atreva-se” é uma mansão construída no fim do século XIX ou início do século XX em algum lugar dos Estados Unidos. Os acontecimentos que a narrativa expõe se passam em três momentos diferentes: em 1929, em 1942 e em 1963. Em cada um deles, os personagens têm seus objetivos distintos e a tarefa do espectador é justamente unir as peças, tudo isso estimulado por uma “Lanterninha”, isto é, uma personagem que é funcionária de um cinema e que aparece no início e nos entre-cenas, conversando com o público enquanto as cortinas estão fechadas. Ela tem uma claquete nas mãos e anuncia o nome dos quadros antes deles começarem. No palco, tudo é preto, branco ou cinza, permitindo pensar que a intensão é fazer parecer que estamos assistindo a um filme em preto em branco.

Eis os problemas: para a comédia fluir a contento, o realismo estético é básico. Enquanto a audiência não testar e comprovar que todos os elementos estão em seus devidos lugares, não irá se sentir segura o suficiente para sorrir ou gargalhar. Quando a primeira cena aparece deixando várias dúvidas, o espectador sabe qual é o seu desafio e, com os olhos postos no palco, põe-se a investigar. O problema é que, na segunda cena, as perguntas da primeira não são de todo respondidas e nem o terceiro quadro age assim em relação aos dois anteriores, deixando várias questões da ordem do roteiro insatisfeitas. Fica, assim, a certeza de que apenas os signos icônicos (as caras e bocas, os olhares, as pausas, as movimentações) e as reviravoltas (sobretudo na cena de 1942) são as chaves para a comicidade e não a articulação da narrativa em uma história coesa e coerente ou mesmo a estrutura dramática interna de cada cena. Perceber isso demora um certo tempo.

Apresentada por um elenco de quatro renomados comediantes (Marcos Veras, Júlia Rabello, Carol Martin e Mariana Santos), os resultados são positivos, apesar dos desafios. Cada um dos atores conhece bem o ritmo da comédia e joga com os diálogos e com a movimentação com habilidade, conseguindo tirar do texto difícil boas passagens. Jô Soares, profundo conhecedor do cinema, parece também ter sido fundamental na construção desse espetáculo, tornando as referencias mais acessíveis e o ritmo da encenação mais palatável. 

Em termos visuais, a produção é impecável. O cenário de Chris Aizner e o figurino de Fábio Namatame não apenas são bonitos e construídos com afinco nos mínimos detalhes, mas são inteligentes na medida em que interagem com o texto e com as interpretações, articulando-se à concepção com quase naturalidade. O grau de força com que cada elemento, incluindo a iluminação e a trilha sonora, está unido a outro na construção sólida do espetáculo é o primeiro ponto, antecedendo o talento (e a técnica) dos atores em suas interpretações, que faz da fruição um lugar seguro para se entreter. 

Apesar das barreiras, “Atreva-se” é uma ótima produção e um bom espetáculo. O todo cênico exibe o valor de cada nome incluído, mas sobretudo a coragem de cada um de enfrentar o desafio e vencê-lo. Parabéns. 

*

Ficha Técnica

Texto: Mauricio Guilherme
Direção: Jô Soares
Elenco: Marcos Veras, Júlia Rabello, Mariana Santos e Carol Martin
Iluminação: Maneco Quinderé
Cenografia: Chris Aizner
Figurinos: Fábio Namatame
Direção Musical: Eduardo Queiroz
Colaboração de texto: Luciana Sendyk
Produção: Rodrigo Velloni
Produção Executiva: Giovani Tozi e Keila Mégda Blascke
Realização: Velloni Produções Artísticas

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