segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Hamlet (SP)

Thiago Lacerda protagoniza espetáculo
dirigido por Ron Daniels
Foto: divulgação

Péssimo

            A velha cantilena sempre é necessária: “Não existe jeito certo ou jeito errado de fazer teatro, mas existem, SIM, lugares confortáveis e desconfortáveis de produzir uma narrativa.” “Hamlet”, um clássico entre os mais clássicos e que, por isso, dispensa maiores apresentações, trata, antes de tudo, da loucura e, por isso, adaptá-lo para o Expressionismo ou para o Surrealismo seriam excelentes e bem-vindas investigações. Mas qualquer um que vai mexer nesse texto deve saber que ele é uma tragédia clássica e que, por vários motivos além desse, tem grande valor porque antecipou, na Inglaterra elisabetana e na história da arte, o classicismo que só viria a entrar em voga quase um século depois com Raccine, na França. Dessa forma, transformar “Hamlet” em uma comédia de costumes, com todo o respeito às comédias de costume, pode até não ser heresia, mas é, sim, um desperdício de tempo, de dinheiro, de talento, de técnica e, sobretudo, de paciência, já que são quase três horas de narrativa na produção paulista concebida e dirigida por Ron Daniels de que se fala aqui. O resultado é péssimo. 

Ron Daniels, diretor brasileiro radicado nos Estados Unidos, desconsidera o que há de mais importante na dramaturgia trágica de Shakespeare e escreve cenicamente uma peça rasa, sem conflitos internos e externos, sustentada apenas pelo drama/trama shakespereano e apresentada com imensa superficialidade. Longe de puritanismos, até porque já foram citados o Surrealismo e o Expressionismo como possibilidades, a impressão é de que o diretor não entendeu o texto. Como na tragédia grega, os personagens de “Hamlet” têm um destino ao qual não podem fugir. O príncipe foi incubido pelo fantasma de seu pai a vingar-lhe. A rainha Gertrudes e o rei Cláudio sabiam que, traindo o próprio marido e irmão, estavam fadados à punição. Polônio dá conselhos ao seu filho Laertes porque sabe que não o verá novamente. Ofélia sabe que, se entregar seu amor a Hamlet, sofrerá grande dor. E assim por diante. Os coveiros, que o são há muitos anos, são mais habilidosos que os carpinteiros porque constroem casas que duram para sempre. Guildenstern e Rosencrantz, que representam a fidelidade e as tradições, “estão mortos” porque o tempo das grandes revoltas está para começar, pondo fim definitivo à Idade Média. Esses encadeamentos, que Shakespeare fez com extrema habilidade, são conceitos básicos no texto e que, para vir à cena confortavelmente (e o Surrealismo e o Expressionismo ofereceriam outras opções de confortabilidade), precisam das marcas da tragédia. Algumas delas são: texto bem dito, com dicção perfeita, oratória sóbria, retórica bem articulada, desvio das emoções, pouca movimentação, ritmo bem marcado e constante com leve ascendência no final, correndo para o fim. Quando Édipo (Sófocles) grita “Ai!”, não é de seu coração plebeu que vem a dor, mas de sua mente aristocrática (filho de um rei!) que sofre o peso da culpa. Quando Nagg (Beckett) grita “Minha papa!” não é de fome humana que ele está falando, mas de existência objetiva. Assim, conceito e concretude, forma e conteúdo podem ser articulados, dando a ver a plenitude de uma encenação moderna para o um texto secular. Nada disso se vê em Ron Daniels, que não se serve nem da tragédia grega (Sófocles), nem da tragédia contemporânea (Beckett) e tampouco da clássica.

A tradução de Marcos Daud e de Daniels e os figurinos de Cássio Brasil mostram uma contemporaneidade que é incoerente em sua própria estrutura. A fala coloquial se contradiz nas frases longas e cheias de orações subordinadas e ênclises. Os ternos, as roupas militares e os vestidos se contradizem com os figurinos medievais da peça teatral que acontece no palácio do Rei Cláudio à pedido do príncipe Hamlet. A transformação da cena dos coveiros em um quadro cômico em que dois mineiros estereotipados contam piadas é de um mal gosto insolente. A quebra constante da quarta parede exibe uma confusão entre monólogo e solilóquio na peça como um todo. Com exceção do excelente desenho de som de Aline Meyer e de André Luis Omote e da positiva iluminação de Domingos Quintiliano, quase nada se “salva” nessa produção coberta de equívocos. 

Quanto às interpretações, é realmente difícil acreditar que atores renomados tenham apresentado trabalhos tão pífios por ausência de talento e de técnica. Fica-se claro, assim, que o elenco foi mal dirigido, amparado por uma concepção problemática desde o seu cerne. As vozes são empostadas como se os atores estivessem dublando a si próprios. Thiago Lacerda (Hamlet), Antônio Petrin (Ator) e Rafael Losso (Horácio) são os únicos que conseguem, em momentos esparsos, dar o peso e a consistência que o texto merece e pede, fugindo das indicações da direção. Selma Egrei (Gertrudes) e Eduardo Semerjian (Cláudio), nos momentos pós retirada da peruca e antes da oração, também deixam vislumbrar certa profundidade bem vinda nesse mar sem ondas. Roney Facchini (Polônio) e Anna Guilhermina (Ofélia) são quem oferecem os piores resultados. 

Pouco conhecido no Brasil, Ron Daniels lega a Shakespeare a má fama de ser chato, cansativo, verborrágico e antiquado. Pobre bardo! 

*

Ficha técnica:

Texto: William Shakespeare
Tradução: Marcos Daud e Ron Daniels
Concepção e Direção: Ron Daniels

Elenco (por ordem de entrada):
André Hendges
Marcelo Lapuente
Rafael Losso
Rogério Romera
Antônio Petrin
Thiago Lacerda
Anna Guilhermina
Marcos Suchara
Eduardo Semerjian
Selma Egrei
Roney Facchini
Fernando Azambuja
Chico Carvalho
Ricardo Nash
Everson Romito

Idealização e Curadoria Artística: Ruy Cortez
Cenografia: André Cortez
Figurinos: Cássio Brasil
Desenho de Luz: Domingos Quintiliano
Trilha Sonora: Aline Meyer
Coreografia de Lutas: Ricardo Rizzo
Assistência de Direção: Leonardo Bertholini
Preparação vocal: Babaya
Projeto de Sonorização: André Luiz Omote
Operador de Luz: Felipe Lourenço
Operador de Som: Tiago da Silveira
Contrarregra: Alexandre Fumaça
Produção RJ: Cláudio Rangel
Produção Executiva e Administração: Francisco Marques
Direção de Produção: Claudio Fontana

10 comentários:

  1. Nossa, esse cara viu outro espetáculo, não o que eu vi no Faap.
    Ninguém achou chato dos que estavam comigo.

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  2. gente, teatro é isso! é saber ouvir a OPINIÃO DE QUEM NÃO TRABALHOU tentando afundar algo que nasceu. Infelizmente teatro é a disponibilidade de quem esta ali no palco... nem sempre a Ofélia estará de corpo e alma como nem sempre o Hamlet terá boa dicção. Também assisti na Faap e ache raso, Figurino péssimo.

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  3. acho que a crítica até pegou leve com a peça, que é ruim. não vi a montagem no Rio de Janeiro, mas em São Paulo. e não na Faap. na PUC.

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  4. Pior que a Ofélia só o menino que faz o amigo do Thiago Lacerda. Já sobre as vozes, concordo com a sensação de que estavam se dublando citada em seu texto. Os três atores que fazem a primeira entrada gritam, o que notoriamente demonstra a fragilidade de suas vozes.

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  5. Um teatro montado para que Thiago Lacerda mostre que não é só um galã. Todos são invisíveis para que ele mostre seu talento global. Desperdício de dinheiro. Não recomendo ao público gastar dinheiro e tempo.

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  6. Na veia hein!? Eu consigo visualizar a cena mesmo sem ter visto. Após os comentários acho que não perderei meu tempo.
    RM se faz entender nos mínimos detalhes. Parabéns

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  7. Concordo absolutamente, bateu exatamente com o que comentei após assistir no Jardim Botânico. Tempo e dinheiro jogados fora; a vontade de levantar e ir embora foi grande...

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  8. Graças a Deus, alguém com sanidade. Concordo plenamente, assisti à peça ontem e foi horrível!!!!

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  9. Assisti em Porto Alegre no Teatro São Pedro. Achei muito ruim, sem falar que em muitos momentos faltou para o Tiago Lacerda a voz, muito ruim. Vi um Hamlet com sotaque carioca, raso,

    Leandro Figueiredo

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