O Teatro do Ridículo volta à programação teatral do Rio de Janeiro |
Um bom espetáculo
Dirigido por César Augusto, “O médico e o monstro” tem como maior mérito o de ser uma produção que atualiza o gênero Teatro do Ridículo, hoje em dia, poucas vezes visto. Além disso, tem boas interpretações, cenários e figurinos bastante interessantes ao lado de ótima iluminação e maquiagem. O ritmo é lento, mas com uma condução positiva que se estabelece pela boa narrativa. A peça, escrita no final dos anos 80, é uma versão de Georg Osterman do clássico de Robert Stevenson, publicado em 1885. Osterman teve uma breve passagem pela Companhia O Teatro Ridículo, fundada nos Estados Unidos, por Charles Ludlam, em 1965, esse último autor de “Irma Vap”, sucesso de Marco Nanini e de Ney Latorra que, há sete anos, também produziram “O médico e o monstro” pela primeira vez no Brasil, em São Paulo.
O gênero é consequência de dois anteriores: o Teatro Surrealista de Artaud e o Teatro do Absurdo de Ionesco. Enquanto no primeiro, o sonho toma o lugar da realidade e estabelece uma nova lógica, o segundo retira a lógica da realidade e constrói uma versão paralela. Com menos emoção e menos política, o Teatro do Ridículo deu sua contribuição à liberação sexual (O musical Hair foi produzido na Off-Broadway em 1967.) aproveitando-se das cores surrealistas e da comicidade absurda. O resultado é, nada menos, que uma “avacalhação” levada a sério, com antecedentes no teatro burlesco americano que satirizava óperas clássicas, produzindo comédias pastelão. Nesse contexto, “O médico e o monstro”, de Osterman, avacalha claramente Stevenson. O que falta na montagem de César Augusto é a sua avacalhação da obra de Osterman. Em outras palavras, na produção atual, o exagero do conteúdo (os diálogos e seus significados) não retumba na forma (como se dá a encenação e seus significados). Comportada, a versão carioca é um tanto quanto hermética demais, podendo melhorar na medida em que os atores, nas sucessivas temporadas, forem se sentindo mais à vontade com o texto e as marcações.
A história é conhecida. Um médico famoso (Dr. Jekyll) descobre uma poção que o faz tornar-se uma outra pessoa (Sr. Hyde), mais perigosa, mais terrível, imoral. Na cidade, crimes acontecem e, embora tudo leve a crer que seja Jekyll o culpado, todos descartam essa opção tendo em vista a confiabilidade que o doutor construiu profissionalmente ao longo dos anos. O tema, assim como em “Pterodáctilos”, de Nick Silver, espetáculo também produzido por Fernando Libonati, é a superficialização do pior do homem já existente em suas profundezas. Todo homem guarda dentro de si um vilão que, vez por outra, consegue sair.
No elenco, Michel Blois e Marcelo Olinto se destacam nos papeis da show woman Lily Gay (papel interpretado por Osterman na versão de estreia) e da empregada Minerva respectivamente. À dupla, acrescenta-se Débora Lamm, que dá vida à Aculine, dona da boate onde Sr. Hyde conhece Gay, fazendo dela sua vítima. Blois, Olinto e Lamm, com papéis coadjuvantes, brilham positivamente na hierarquia cênica, sem desperdiçar momentos. Os tempos de comédia são bem aproveitados pelo trio e as suas construções exibem dentro do possível certa profundidade. Bruce Gomlevsky está bem como Sr. Hyde, embora muito apagado enquanto Dr. Jekyll, bem como os demais atores (apesar do visível esforço de Isabel Cavalcanti ao interpretar a Sra. Jekyll). Em todos os casos, sem exceção, falta ou liberdade ou técnica (seu oposto), mas, em ambas opções, jogo.
César Augusto conta a história de forma devagar, cuidadosa ao extremo, mas positiva. Além das interpretações já destacadas, o espetáculo oferece excelente resultado estético. Figurino (Antônio Guedes), cenário (Bia Junqueira) e maquiagem (Márcio Mello) exibem um tratamento de altíssima qualidade, resgatando do texto dos anos 80 o interesse que ele ainda pode despertar vinte e poucos anos depois. Guedes, Junqueira e Mello são criativos, detalhistas e inteligentes e, por isso, merecem suas fatias de aplauso. Apesar das vivas e debochadas coreografias de Raquel Karro e do marcado desenho de luz de Luiz Paulo Nenen, a trilha sonora original de Marcelo Alonso Neves e de César Augusto ajuda o ritmo da narrativa a ficar ainda mais lento. A corrida para o final, passando pelo ápice, é quase que totalmente mérito apenas de Osterman infelizmente.
Enfim, tem-se um bom espetáculo em cartaz no Teatro Municipal Café Pequeno, no Leblon, se os bombeiros do Rio de Janeiro permitirem, após fazerem o seu trabalho na pressa e com alarde, uma vez que não o fizeram quando tinham que fazer. Como uma amarga poção mágica, a tragédia de Santa Maria fez surgir aos olhos de todos o descaso da governança e sua monstruosa tendência ao crime.
Ficha Técnica
Texto: George Osterman
Tradução: Erica Migon e Úrsula Migon
Adaptação: Cesar Augusto e Fabiano de Freitas
Direção: Cesar Augusto
Diretor Assistente: Fabiano de Freitas
Elenco: Bruce Gomlevsky, Débora Lamm, Erica Migon, Hugo Resende, Isabel Cavalcanti, Marcelo Olinto e Michel Blois
Direção de Arte e Cenografia: Bia Junqueira
Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Figurino: Antonio Guedes
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Diretor Assistente: Fabiano de Freitas
Assistente de direção: Priscila Vidca
Direção de Movimento: Raquel Karro
Visagismo: Márcio Mello
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Direção de Produção: Leila Maria Moreno
Produção Executiva: Isabel Sangirardi
Produzido por: Fernando Libonati e Marco Nanini
Realização: Trupe Produções Teatrais e Artísticas
Apoiadores: Kalli Cabelos e Mega Hair, Werner Tecidos, Galpão Gamboa, Câmbio, Kryolan Professional Make up, Éclat, Secretaria Municipal de Cultura – Teatro Municipal Café Pequeno
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