terça-feira, 17 de abril de 2012

Sinfonia Sonho (RJ)

Foto: Rafael Peña Turatti

O teatro e o seu bom uso

                “SinfoniaSonho” é o quarto espetáculo do Grupo Teatro Inominável, uma companhia que nasceu em 2008 a partir do encontro de estudantes de teatro da UFRJ e da UNIRIO. Com dramaturgia construída ao longo do processo a partir de várias referências, a representação do massacre do Realengo, ocorrido em abril de 2011, é a ponte além da narrativa mais visível. Um homem, um dia, entra armado em uma escola pública e mata vários estudantes aleatoriamente, atirando em si próprio depois em um dos corredores. Incompreensão, dor. Mães que perdem seus filhos, a escola não mais como um lugar seguro, a criança como uma promessa de futuro agora inexistente. Eis aí o desafio: como tratar de um acontecimento de proporções tão graves, com conseqüências tão sérias e sentimentos tão profundos em uma cidade e em um país que parecem não gostar de lembrarem-se de coisas ruins? Com 24 anos, Diogo Liberano, que assina a dramaturgia e a direção, enfrenta aqui o desafio e vence. “Sinfonia Sonho” é um espetáculo teatral que emociona sem ser piegas, faz pensar sem ser moralista, entretém sendo bastante responsável.
                Em cartaz no Teatro Sérgio Porto, “Sinfonia Sonho” se apresenta com elementos que remetem às peças didáticas de Bertolt Brecht, embora aqui a questão não seja politicamente ideológica, mas diga respeito à violência com que tratamos a nós mesmos, os nossos e aqueles que não conhecemos. Não há cortinas que abrem no início (gestão tão raro ultimamente) e o diretor entra em cena, participando da peça, lendo as rubricas previstas no texto. Não há também coxias e a encenação prevê a delimitação de um espaço em que os atores se sentam e assistem às cenas quando não estão nelas. Os ganhos da encenação se vêem na forma como a peça constroói a sua linguagem e, logo em seguida, a desconstrói. A divisão, por exemplo, entre espaço para atuar e espaço para esperar desaparece em alguns momentos. No mesmo sentido, a oratória pausada e irregular, que marca o teatro como não-realidade, se transforma por vezes em um tom absolutamente natural, bastante próprio do real além da narrativa. As expressões corporais e faciais agem no mesmo vai e vem do discurso oral, o que, e aí está o maior ganho estético da produção, não permite que as emoções se aprofundem além da consciência, que o espetáculo caia no melodrama e que a catarse perturbe a reflexão. Não há nenhuma gag de humor negro, mas o riso vêm mesmo assim quando a forma aparece mais do que o conteúdo, um sinal aparente de despertar o espectador para o que se está (vi)vendo. Se “Sinfonia Sonho” é uma produção cheia de méritos pelo conteúdo abordado, a forma escolhida é seu maior lucro.
                Kevin e Célia são filhos do casal Eva (Virgínia Maria) e Frank (Dan Martins). A morte do pai de Frank e a transferência de trabalho de Eva, faz com que a família se mude de cidade no dia do aniversário de Célia. Na nova casa, a família é vizinha de Corley (Andrêas Gatto) e Moira (Laura Nielsen), que vivenciam uma estranha gravidez (Gunnar Borges). Os ambientes familiares e suas questões são ponto de partida para ser o contraponto do mundo exterior ou, talvez, o seu espelho. Com um elenco constituído somente por bons trabalhos de interpretação, Liberano providencia um espetáculo de grandes qualidades também nesse sentido. No entanto, os trabalhos de Márcio Machado (Kevin) e, sobretudo, de Adassa Martins (Célia) se destacam positivamente, talvez, porque estão mais tempo em cena e, por isso, têm mais oportunidades de mostrar um excelente uso da voz e do corpo em prol do todo cênico. Coerentes com a concepção que embasa uma produção cênica disposta a representar um tema pesado de forma não tanto, não há grandes aparatos técnico-visuais em cena. Discretos, figurinos, iluminação e trilha sonora, agem positivamente pouco, embora o último quesito chame, talvez, mais a atenção do que realmente poderia. Em termos de dramaturgia, o aspecto negativo é a fuga da hierarquia, essa expressa no esforço de fazer de todos os personagens, em algum momento, o protagonista. Duas horas de narrativa parece ser tempo demais para o trato dessas questões dessa forma e o cansaço prejudica a fruição, mesmo que não lhe tire valor.
                Na escola, Kevin e Célia estão ensaiando, cada um com sua turma, uma peça de teatro. A peça de dentro faz metáfora para a peça de fora. O teatro, no seu conceito mais sublime de um ator que interpreta um personagem diante do público, aparece aqui de forma bastante elogiável.

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Ficha técnica:

Dramaturgia e direção: DIOGO LIBERANO
Orientação de direção: ELEONORA FABIÃO
Assistência de direção: THAÍS BARROS
Direção de Movimento: HELENA CANTIDIO
Elenco: ADASSA MARTINS + ANDRÊAS GATTO + DAN MARINS + FLÁVIA NAVES + GUNNAR BORGES + LAURA NIELSEN + MÁRCIO MACHADO + NATÁSSIA VELLO + VIRGÍNIA MARIA
Direção Musical: PHILIPPE BAPTISTE
Cenário: LEANDRO RIBEIRO
Orientação de Cenário: RONALD TEIXEIRA
Figurino e Visagismo: ISADHORA MÜLLER + MARINA DALGALARRONDO
Orientação de Indumentária: DESIRÉE BASTOS
Iluminação: DAVI PALMEIRA + THAÍS BARROS
Orientação de Iluminação: JOSÉ HENRIQUE MOREIRA
Registro Fotográfico: RAFAEL TURATTI
Registro Audiovisual: THAÍS GRECHI + PEDRO BENTO
Preparação Vocal: VERÔNICA MACHADO
Designer: DIOGO LIBERANO
Assessoria de Imprensa: CAROLINA CALCAVECCHIA
Marketing Cultural: DAVI PALMEIRA
Produção Executiva: ADASSA MARTINS + GUNNAR BORGES
Direção de Produção: ALINE RABELO + DIOGO LIBERANO
Realização: TEATRO INOMINÁVEL + UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO [UFRJ]

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