domingo, 22 de abril de 2012

Em nome do jogo (RJ)

Foto: Guga Melgar

Grande em cada um dos elementos

                Escrito em 1970 por Anthony Shaffer (1926-2001), a peça “Sleuth” (Detetive, investigador) ganhou o Tony de melhor texto, além de ter sido atualizado duas vezes para o cinema (1972, roteiro do próprio autor, direção de Joseph L. Mankiewicz, Lawrence Olivier e Michael Cane no elenco; 2007, roteiro de Harold Pinter, direção de Kenneth Branagh, Michael Cane e Jude Law no elenco.). Trata-se de um texto policial e por isso deve-se entender realista no melhor sentido do gênero, isto é, marcas incansáveis de verossimilhança. No Brasil, a montagem atual do texto se chama “Em nome do jogo” e se apresenta com direção de Gustavo Paso, tradução de Marcos Daud e adaptação de Marcos Caruso, Gustavo Paso e Emílio de Mello, com produção de Luciana Fávero. Em cena, assiste-se à história de um renomado escritor de romances policiais, Andrew Wyke, que recebe a visita de um cabeleireiro, Milo Tindolini, atual namorado de sua ex-mulher. Longe de fazer evoluir os diálogos pela discussão dos relacionamentos, os dois personagens se embrenham em jogos perigosos que, de forma extremamente inteligente, fazem ver detalhes do caráter de cada um. No palco da Mason de France do Rio de Janeiro, Marcos Caruso e Emílio de Mello apresentam ao público teatral carioca (e aos visitantes) uma grande peça de teatro que fica ainda maior quando vista a partir dos detalhes que formam a sua estrutura, que é única.
                 Marcos Caruso apresenta a dicção perfeita de Sir Lawrence Olivier e a sensualidade afetada de Sir Rex Harrison na interpretação de Andrew Wyke. Apesar da ausência de certas pausas, que dariam ao personagem um pouco mais de positiva ardilosidade, o trabalho de Caruso é nada menos que deslumbrante em termos dos diversos detalhes: a forma como ele ajeita os livros na estante, como bate com a ponta dos dedos na mesa, como gira os dedos da mão a criar os destinos do personagem do seu novo livro, para citar apenas alguns pequenos momentos da primeira parte da peça. Emílio de Mello, por sua vez, representa com ampla variedade de marcas visíveis a sujeira e a vulgaridade que tão bem escondem a inteligência e perspicácia do Inspetor Doppler. Apesar de haver uma excessiva fragilidade na interpretação de Tindolini, é bastante interessante identificar aí uma concepção da direção que possivelmente define a dosagem das intensidades como em uma gangorra, permitindo ver, na evolução das cenas, a troca de poder que há no debate entre os personagens. Nos momentos finais da apresentação, ao espectador está dado, talvez, um dos melhores momentos da carreira de Emílio de Mello.
                O cenário de Ana Paula Cardoso e Carla Berri é visto quando a cortina se abre, e a cortina se abrir nos dias de hoje é, por si só, um acontecimento no teatro. A sala de trabalho de Wyke apresenta detalhes que remetem a uma construção antiga e, ao mesmo tempo, bastante moderna. Livros de grossas lombadas dividem o espaço com paredes de vidro e cadeiras de madeira em formas nada tradicionais, o que auxilia o espectador a conhecer os personagens e identificar o contexto das relações. Além disso, a estética visual de “Em nome do jogo” apresenta, através dos seus pequenos e grandes esconderijos, algo a dizer sobre o jogo. Em “Sleuth”, investiga-se algo que não se sabe: os limites da ambição humana, o quanto de perigo cada um se propõe a arriscar, quantas armas cada um esconde para, depois, utilizar. A iluminação de Paulo César Medeiros, especialmente nas cenas finais, é pontual na construção dos fatos, fazendo ver personagens não visíveis e ambientando situações complicadas. A trilha sonora de Caíque Botkay e os figurinos de Teca Fichinski têm, em determinados momentos, grandes desafios, todos plenamente vencidos.
                Em “Em nome do jogo”, há um espetáculo teatral elogiável, porque o funcionamento de todos os elementos de sua maquinaria é, antes, absolutamente meritoso. Um ótimo texto, com ótimas interpretações e a mobilização de signos visuais que engrandecem o teatro.

*

Ficha Técnica:
Texto: ANTHONY SHAFFER
Tradução: MARCOS DAUD
Adaptação: MARCOS CARUSO, GUSTAVO PASO E EMÍLIO DE MELLO
Direção de GUSTAVO PASO com Co-direção FERNANDO PHILBERT
Direção Geral: GUSTAVO PASO
Iluminação: PAULO CESAR MEDEIROS
Trilha Sonora: MARCOS RIBAS
Cenário: CARLA BERRI e ANA PAULA CARDOSO
Figurino e Adereços: TECA FICHINSKI
Preparação de Lutas e Esgrima: RENATO ROCHA
Assessoria de Imprensa: IVONE KASSU
Produção: LUCIANA FÁVERO
Realização: PASO D'ARTE e CiaTeatro EPIGENIA

2 comentários:

  1. Estava realmente precisando ler uma crítica ao espetáculo. Ainda não tinha lido nenhuma, pois quem as faz hoje em dia, além de não terem muito espaço, o que se faz uma realidade tão quanto um problema, se concentram em algo pragmático ao qual o teatro não precisa.
    Muito obrigado, não pelos elogios, mas pela Crítica... nós não crescemos com elogiosas palavras e sim com comentários, diálogo...
    forte abraço
    Gustavo Paso

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  2. Estava realmente precisando ler uma crítica ao espetáculo. Ainda não tinha lido nenhuma, pois quem as faz hoje em dia, além de não terem muito espaço, o que se faz uma realidade tão quanto um problema, se concentram em algo pragmático ao qual o teatro não precisa.
    Muito obrigado, não pelos elogios, mas pela Crítica... nós não crescemos com elogiosas palavras e sim com comentários, diálogo...
    forte abraço
    Gustavo Paso

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