sábado, 7 de abril de 2012

JT - Um conto de fadas punk (RJ)

Foto: Lula Lopes

O mérito de propor discussões

                “JT – Um conto de fadas punk” demora 50 minutos para ficar bom, mas, quando fica, fica ótimo! Nesse primeiro período, o público fica perdido entre cenas cheias de projeções, banda de rock ao fundo, figuras soltas, diálogos confusos em cenas mais ainda, tentando unir as “pontas” e descobrir o sentido que tudo isso propõe. O título, com a palavra “punk”, dá um norte: clima sombrio, estética underground, guitarras, caixas de som e música alta. Tudo, no entanto, parece muito gratuito em mais um espetáculo que nasceu pela forma, pelo desejo de fazer algo ao invés de dizer algo. É, então, que os nós se desfazem e o público vive a epifania da obra. Tudo o que parecia ser só forma, mostra ser também conteúdo. A estética serve a um contexto e não o contrário, o que é dito e o como é dito se casam e, na plateia, fica a certeza de que estamos diante de um belo e inteligente espetáculo teatral.
                Uma cantora punk chamada Laura Albert trabalhava há dez anos com disque-sexo, atendendo via telefone clientes de todos os tipos para complementar seus ganhos. Então, um dia, escreve um livro em que narra a biografia de Jeremiah Terminator Leroy, “JT LeRoy”, um adolescente de 16 anos, louro e de olhos azuis, andrógino e viciado em drogas. Escrito em primeira pessoa, o livro parece ser uma autobiografia de LeRoy, personagem nascido nos Estados Unidos no fim de 1980, vítima de vários abusos sexuais na infância. O livro faz sucesso e todos querem conhecer o seu autor. Albert, então, para resolver o problema, convida a sua cunhada, Savanah Knoop, para interpretar o papel de JT nas entrevistas.  Juntas, Albert e Knoop, enganam as editoras, a imprensa, o mundo e ganham dinheiro, assinando contratos em nome de uma pessoa que, na realidade, nunca existiu. A história, que é real, isto é, embora ganhe uma representação no teatro, exista independente de qualquer atualização artística, chegou até a dramaturga Luciana Pessanha em 2005, quando ela foi enviada a Paraty para entrevistar o JT Leroy. Um ano depois, Laura Albert foi processada e o caso, “a maior travessura literária do século 21”, deixou de ser um fenômeno literário para figurar como tema de reflexões acerca do universo midiático, de questões relativas à identidade e à originalidade, além de poder e significação. Aqui virou também dramaturgia e é essa a história da peça “JT – Um conto de fadas punk”.
                Em cena, a dramaturgia de Pessanha não conta a história de uma forma tradicional, mas investe na reprodução do universo narrativo tal qual ele aconteceu além do texto teatral. Assim, Natália Lage vive o personagem JT Leroy e também a personagem Savanah Knoop e demora até o público ter a informação de que, no palco, há uma atriz que interpreta uma personagem que interpreta um outro personagem, ao invés de apenas uma atriz interpretar dois personagens. Para um público paciente (e que não leu nenhum release do espetáculo antes de assisti-lo), a decisão da dramaturgia é acertada porque reconstrói na plateia a sensação que o mercado editorial/cultural teve ao saber-se enganado. É aí, nesse momento, que os méritos da concepção estética do espetáculo teatral conseguem ser vistos e merecidamente valorizados.
                Com direção geral de Paulo José e direção de Susana Ribeiro, “JT – Um conto de fadas punk” não é mais um espetáculo com projeções de vídeo que tentam fazer com que obra, somente por causa delas, ganhe elogios. Apesar dos momentos unicamente ilustrativos, e eles acontecem mais vezes do que o necessário, a presença dos vídeos é importante porque o tema “mídia” faz parte do conteúdo da peça. As entrevistas com pessoas, como Madonna, Bono Vox e Andy Warhol, entre outras inclusive brasileiras, falando sobre JTLeroy, são argumentos da peça em favor de uma reflexão acerca do poder cultural e dos instrumentos que são capazes de agregar valor a um objeto qualquer. A banda de rock no palco, bem como a trilha sonora de Ricco Viana, marcam o ponto de partida, a origem dos acontecimentos que foram o estopim para tudo o que veio depois, bem como a estética que se lê nos figurinos criados por Kika Lopes: botas de cano alto, couro nas roupas, correntes e cabelos coloridos. Bastante positivos, os recursos visuais citados, assim como a iluminação de Renato Machado, agem no sentido de traduzir em formas o que é, antes, uma ideia, exatamente o que diegeticamente faz Knoop ao interpretar JT.
                A interpretação de Laura Albert por Débora Duboc é magnífica. Embora aparentemente ela não seja a protagonista, não há dúvidas de que toda a história gira em seu torno. Albert cria um personagem para ganhar dinheiro, convence a cunhada a dar-lhe vida, é recebedora dos ganhos e sofredora das penas que o ato traz, é heroína e algoz. Por sua vez, Duboc deixa que com a vejamos a partir de um excelente trabalho de dicção, de uma entonação humanamente nervosa que expõe a personagem a partir de suas fraquezas e seus sonhos para o futuro, além de uma capacidade de reter a atenção do espectador sobre si, essa resultado de seu carisma com a assistência. Natalia Lage, Knoop/JT, infelizmente, não consegue os mesmos ganhos, porque expõe um trabalho de voz e de corpo insuficientes - sem entonações, sem clareza, sem força – apesar de estar dada a informação de Knoop (ou JT?) não sabe/não gosta de cantar. Mais acanhadas, as participações de Nina Morena, de Hossen Minussi e de Roberto Souza estão positivamente a contento, sem grandes destaques.
                O conto de fadas de Laura Albert, cheio de fama, dinheiro e poder, é ponto de partida para reflexões diversas sobre a responsabilidade com a verdade, sobre as conseqüências dos atos profissionais para a vida pessoal, sobre a mídia e seu poder de encantamento, entre muitas outras possibilidades. Além dos muitos valores estéticos destacados, “JT – Um conto de fadas punk” deve receber aplausos pela iniciativa de pensar e fazer pensar através da arte, cujo único objetivo é simplesmente existir.

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FICHA TÉCNICA
Autor: Luciana Pessanha
Direção: Susana Ribeiro
Direção Geral: Paulo José
Elenco: Débora Duboc, Natália Lage, Nina Morena, Hossen Minussi e Roberto Souza
Diretor de Produção: Andréa Alves
Direção Musical: Ricco Viana
Iluminador: Renato Machado
Cenógrafo: Fernando Mello da Costa
Figurinista: Kika Lopes
Animação em 3D: Rico e Renato Vilarouca
Preparação vocal: Célio Rentroya
Preparação corporal: Ana Kutner
Programação Visual: Martin Ogolter
Fotógrafo: Christian Gaul
Produção: Sarau Agencia e Ágapa Criação e Produção Cultural
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Patrocínio: O espetáculo conta com o patrocínio do Ministério da Cultura, Banco do Brasil, Eletrobrás, Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro e OI.

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