sábado, 27 de agosto de 2016

Quatro janelas para o paraíso (RJ)

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Foto: Renato Mangolin


Anna Virgínia Lopes, Felipe Porto e Rogério Garcia

Felipe Porto e Jojo Rodrigues se destacam em primeiro trabalho de novo grupo
“Quatro janelas para o paraíso” é o primeiro espetáculo da Surreal Companhia de Teatro, coletivo formado a partir do Ateliê Alexandre Mello e da residência Vem! Ágora, essa que coordena a programação do Teatro Ipanema atualmente. O espetáculo, com um elenco cujos trabalhos têm resultados muito díspares, apresenta maiores méritos nas atuações de Felipe Porto e de Jojo Rodrigues, no cenário assinado pelo diretor e no figurino de Tiago Ribeiro. O texto, uma edição estranha de quatro peças curtas do americano Tennessee Williams, revela o exercício de escrita do grande dramaturgo, ele que é autor dos famosos “À margem da vida”, “Um bonde chamado desejo” e “Gata em teto de zinco quente”. A peça fica em cartaz até 5 de setembro.

Exercício dramatúrgico de Tennessee Williams
A dramaturgia de “Quatro janelas para o paraíso” é composta por quatro histórias de Tennessee Williams (1911-1983). Elas foram cortadas e o espectador vai acompanhando as quatro, uma por uma, aos poucos.

Em “O grande jogo” (“The big game”), escrita entre 1935 e 1937, o autor narra a história de Davi (Dave) (Felipe Porto), que está internado em um hospital por problemas no coração. Esse garoto pobre divide o quarto com um famoso e rico jogador de futebol (Yuri Farage) que se recupera de uma lesão na perna e, depois, com um velho (Rogério Garcia) que sofre de complicações na região do cérebro. Em volta deles, médicos, enfermeiras e todo um conjunto de problemáticas relacionados ao serviço de saúde. Através do protagonista, o espectador terá a chance de refletir sobre a eternidade.

Em “Verão no lago” (“Summer at the lake”), escrita em 1937, há uma Mãe (Jojo Rodrigues) e seu filho Donald Fenway (Pedro Lima). Ela joga sobre ele toda sua decepção com a vida e, ao lado da empregada Anna (Alana Ferrigno), o vê nadar cada vez mais para longe no lago próximo a casa onde moram. Em “O quarto rosa” (“The pink bedroom”), escrita em 1943, um homem (Rogério Garcia) está visitando Helen, sua amante (Lays Ariozi), e ouve dela sua vontade em ter os mesmos direitos que a esposa dele. Na adaptação, a cena passou para um salão de strip-tease, onde outros artistas se apresentam.

“Esses são os degraus que você tem que cuidar” (“These are the stairs you got to watch”), escrita entre 1941 e 1953, se passa em um velho e grande cinema, cujas galerias estão fechadas para o público. Carlos (Carl) (Helio Barcia) é um lanterninha que, treinando um Garoto (Felipe Porto) recentemente contratado, avisa-o de que não deve deixar ninguém subir para lá. O motivo da regra, lançada pelo afetado Sr. Jaci (Mr. Kroger) (Rogério Garcia), dono do cinema, é proteger a fama do estabelecimento contra a maledicência, pois sabe-se de que, no meio das sessões, casais buscam os lugares mais fortuitos para namorar mais à vontade. Do funcionário mais antigo ao mais novo, vêm decepção e a vontade de reagir contra a opressão.

A dramaturgia, principalmente assim editada, leva a uma perda da força poética de cada uma das histórias. Ao nivelar os personagens Davi, Mãe, Helen e Carlos, a versão de Alexandre Mello exibe mais a fórmula dramatúrgica do neorrealista Williams do que a poética de seus textos. Em outras palavras, fica cansativamente fácil demais reparar que, nessas quatro histórias, há sempre alguém mais fraco reclamando para outro menos fraco a partir do que pensou ser a vida. E todos, apesar das lamúrias, serão pessimistamente condenados ao final com o abandono. Em termos de dramaturgia, “O grande jogo” é superior às demais pelo maior número de personagens e pelas opções que isso atribui ao jogo. “Degraus”, por outro lado, tem um final mais irônico e interessante. Em todas, sobram as frases de efeito no ápice que, dadas as profundezas das situações construídas nas peças longas do autor, parecem superficiais aqui embora não lá. Talvez seja por isso que, em vida, foram pouco valorizadas por ele.

Jojo Rodrigues e Alana Ferrigno
Iluminação, cenário e figurino são a melhor parte do espetáculo
A direção de Alexandre Mello, talvez tentando driblar o tamanho do feito dramatúrgico (e seus decorrentes problemas de ritmo) e os desníveis negativos das atuações, afastou “Quatro janelas do paraíso” da poética neorrealista. Não há tempos mortos, nem respiros, mas, em seu lugar, Carmen Miranda, expressão corporal e teatralidade (uso alternativo de signos). O resultado é que Tennessee Williams parece inadequado de um lado e Alexandre Mello parece “forçar a barra” de outro e, assim, os dois não se entendem. Com grandes falas, Anna Virgínia Lopes (João e bilheteira), mas principalmente Felipe Porto (Davi e Garoto) e Jojo Rodrigues (Mãe), também por estarem parados em quase todas as suas cenas, conseguem tirar melhores possibilidades de suas oportunidades, aproveitando bem as palavras para se comunicarem com o universo do autor e com o público da peça.

Rogério Garcia, presente em todos os quadros, não aprofunda qualquer um de seus vários personagens. Lays Ariozi mostra excelente uso do corpo, mas sua Helen não deixa ver nada além disso. Com péssima dicção, não se entende o que Helio Barcia, Alana Ferrrigno e o que Pedro Lima dizem.

A luz de Renato Machado, o cenário de Alexandre Mello e o figurino de Tiago Ribeiro são a melhor parte de “Quatro janelas para o paraíso”. Com detalhes bem explorados, o quadro tem seus valores estéticos elevados no uso desses elementos da cena de modo rico, potente e inteligente.

“Quatro janelas do paraíso” é o primeiro trabalho da Surreal Companhia de Teatro. Que venham outros!

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Ficha técnica:
Dramaturgia livremente inspirada nos personagens e peças curtas de Tennessee Williams
Direção: Alexandre Mello
Direção de produção: Rogério Garcia
Elenco: Alana Ferrigno, Anna Virgínia, Felipe Porto, Helio Barcia, Jojo Rodrigues, Lays Ariozi, Rogério Garcia, Pedro Lima e Yuri Farage
Assistentes de produção: Lays Ariozi, Alana Ferrigno
Iluminação : Renato Machado
Figurinos: Tiago Ribeiro
Cenotécnico: (Didi) Waldir Alves Nunes
Fotografia : Renato Mangolin
Equipe de criação de cenário e figurinos da Surreal Cia de teatro: Pedro Lima e Felipe Porto

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