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Polly Marinho, Guilherme Ferraz e Yuri Ribeiro |
Muitos problemas na adaptação do romance de Tony Bellotto
O pueril “Os insones” é a versão teatral do livro de Tony Bellotto adaptada e dirigida por Erika Mader. Fiel à narrativa do livro, lançado em 2007, a dramaturgia da peça não vence o desafio de esclarecer a crítica que a obra original faz à juventude contemporânea. Negativamente, ela acredita demais no personagem protagonista e nos seus intentos, sem discuti-los, o que faz da montagem uma proposta ingênua apesar de defendida com alguns méritos por parte do elenco. José Karini e Liliane Rovares, entre o elenco de onze atores, apresentam ótimos trabalhos, mas Polly Marinho brilha absoluta em uma excelente performance como a traficante Mara Maluca. O espetáculo fica em cartaz até 31 de agosto na Sala Fernanda Montenegro, no Teatro Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro.
Péssima adaptação de Erika Mader
Na história, Samora (Guilherme Ferraz) é um jovem negro que cresceu em um luxuoso apartamento no Leblon. Um dia, resolve subir o morro, querendo fazer uma revolução social, seguido pela namorada Sofia (Amanda Guimaldi), que foge da casa da mãe (Liliane Rovaris) em Ipanema. Samora, de algum modo, chega à presença da líder do tráfico Mara Maluca (Polly Marinho) e conquista sua confiança depois de matar um estuprador capturado por ela e colocar na boca dele um manifesto político. O texto é publicado nos jornais da cidade e, por misturar criminalidade e luta social – aos moldes das FARC (organização guerrilheira colombiana) –, acaba conferindo notoriedade ao protagonista.
Enquanto isso, Renato (José Karini) e Lílian (Liliane Rovaris) mobilizam a polícia (Marcos Ácher e Andre Frazzi) atrás de sua filha Sofia, que está desaparecida. O nome Samora, que aparece em dedicatórias em vários livros dela, surge na investigação e, assim, as histórias se unem. Colecionador de armas, o adolescente Felipe (Leonardo Bianchi), irmão mais novo de Sofia, vai atrás da irmã também. Em trama paralela, o traficante Anjo (Yuri Ribeiro) se envolve com Chaiene (Sol Menezes), moradora do Morro, que, alimentando o sonho de ser atriz nas aulas de Humberto (Izak Dahora), ensaia “A Gaivota”, de Tchekhov.
Se, no livro, o contexto narrativo deixa ver que Bellotto está criticando a inconsequência da juventude em abraçar causas que desconhece de maneira perigosa – ainda que bem intencionada –, na peça, isso não fica claro. Ao contrário, as falas longuíssimas de Samora, em que o personagem, com um palavrório rebuscado, exorta o pensamento radical esquerdista revolucionário, ganham enorme importância. A adaptação, aparentemente apaixonada pela curva narrativa mais do que pelo quadro estético em si, abdica da noção de hierarquia e perde a chance de oferecer maior movimento no processo de construção de sentido.
Em outras palavras, parece que Erika Mader não percebeu que, apesar do discurso pró-direitos humanos, seu personagem Samora é tão criminoso, totalitário e bruto quanto todos aqueles contra os quais quer se rebelar. Que o fato de ser negro e de ter um nome africano não lhe concede uma visão naturalmente mais humana e menos parcial. E, mais que tudo, que trocar a polícia pela milícia não modifica mais a sociedade do que nossa democracia representativa, que é cheia de problemas, mas ainda sim é o sistema de governo menos injusto.
Essas questões todas, no entanto, transbordam do longuíssimo “Os insones”, desgastando o ritmo à exaustão. Enquanto o anti-herói do livro vira herói na peça, seu relacionamento com Sofia vira ilustrativo, mas não mais que as participações dos personagens Anjo, Chaiene e Felipe. Em termos de força dramatúrgica, Renato e Lilian vencem facilmente o duelo contra Samora, pois fica claro que, de um lado, há pais preocupados com a vida de seus filhos e, de outro, há um adolescente tão ingênuo como perigoso, apaixonado por sua própria pseudo-inteligência, que acha que sua visão parcial de sociedade é superior a dos demais. Para além da estrutura do texto, os desníveis nas atuações também colaboram mal para a encenação assinada também por Mader.
Polly Marinho e Rodrigo Belay brilham em excelentes participações
Na direção de Erika Mader, assistida por Alonso Zerbinato, os atores, de um modo geral, buscam registros mais realistas que colaboram para a construção de um espetáculo quase cinematográfico, apesar do cenário, da luz e do figurino. Amanda Grilmaldi (Sofia), Isak Dahora (Humberto), Sol Menezes (Chaiene), Marcos Árcher (Zé Luis) e Leonardo Bianchi (Felipe), sem força, são engolidos em cena pelos demais trabalhos de intepretação negativamente. Suas palavras, sem exploração de níveis e com dicção solta, e expressão corporal sem pesquisas visíveis se perdem. Yuri Ribeiro (Anjo) e André Frazzi (Valter), ainda que perdidos em personagens desprivilegiados pelo corte da narrativa, nessa adaptação, fazem do pouco algo nobre, o que deve ser valorizado. José Karini e Liliane Rovaris apresentam belos trabalhos, oferecendo profundidade através de expressões sutis que deixam ver alguma relação por trás de seus Renato e Lílian. Esses contextos dão força para sua trama, o que melhora a peça. Guilherme Ferraz defende um Samora que, do início ao fim, aparece no mesmo nível: facialmente inexpressivo, tom de voz monocórdio, gestos vazios.
Polly Marinho levanta a peça toda vez sua Mara Maluca entra em cena. A intérprete investe na força, na ironia, na alegria de sua personagem positivamente. Todas essas características conferem movimento à narrativa, despertam o interesse e aproximam “Os insones” do público. Sua voz é clara, suas entonações coloridas, sua participação vibrante. Bravo!
O cenário de Lorena Lima e o figurino de Bruno Perlatto não têm justificativas claras. Espécies de icebergs construídos com papel branco preenchem o palco como que apenas para reduzir o seu tamanho e colaborar a articulação das cenas. Visualmente nada acrescentam na construção do sentido. O guarda-roupa se reduz a uma histriônica fuga do realismo que é buscado pelos intérpretes em seus trabalhos e, antes, pelo texto em sua estrutura e adaptação. As olheiras na maquiagem são uma tola alusão ao título da peça. A trilha sonora de Tony Bellotto, João Mader Bellotto e de Pedro Richaid contextualiza o fluxo da narrativa de modo contributivo. A iluminação de Rodrigo Belay, ao lado de Marinho, o melhor aspecto do espetáculo, tem o poder de tornar inúteis o cenário e o figurino no modo como foram concebidos, embelezando não só o quadro como a maneira como a história se apresenta.
O título
No livro de Tony Bellotto, o título “Os insones” expressa clima conturbado de uma sociedade que não dorme, não descansa e vive, enquanto acordada, uma espécie de pesadelo. Na peça de Erika Mader, ainda que vários personagens digam que não dormem, todos eles estão envolvidos com o alcance de seus objetivos e com a solução de seus problemas. Não paira, acima deles, esse ponto de vista geral no panorama da obra. Essa reflexão mostra que, se Tony Bellotto, indo e voltando da parte ao todo, utilizou a literatura para apresentar sua história, Erika Mader, presa à parte, não conseguiu o mesmo com o teatro infelizmente. É uma pena!
FICHA TÉCNICA
Texto original: Tony Bellotto
Adaptação, direção e direção de produção: Erika Mader
Elenco: Amanda Grimaldi, André Frazzi, Guilherme Ferraz, Izak Dahora, José Karini, Leonardo Bianchi, Liliane Rovaris, Marcos Ácher, Polly Marinho, Sol Menezzes e Yuri Ribeiro
Luz: Rodrigo Belay
Cenário: Lorena Lima
Figurino: Bruno Perlatto
Trilha-sonora: João Mader Bellotto, Pedro Richaid e Tony Bellotto
Fotografia: Loló Bonfanti
Programação visual: Luiza Chamma
Produção executiva: Marcela Büll
Administração financeira: Alan Isídio
Diretor de palco: Tarso Gentil
Diretor de camarim: Ramon Alcântara
Operador de som: Leonardo Souza
Operador de luz: Hélio Malvino
Assistente de figurino: Pamela Kopp
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