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Edi Botelho e Tássia Camargo |
Primeira direção de Ney Latorraca é péssima
“As cadeiras”, de Eugène Ionesco, ganhou sofrida montagem nas mãos de Ney Latorraca que estreia em seu primeiro trabalho de direção. Problemas estéticos em opções difíceis fazem o belo texto naufragar apesar dos esforçados trabalhos de Tássia Camargo e de Edi Botelho na vigorosa defesa de suas interpretações. A peça está em cartaz no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, zona sul do Rio do Janeiro, até o próximo dia 28 de agosto.
A pobre primeira direção de Ney Latorraca
Escrita e apresentada em 1952, “As cadeiras” veio depois de “A cantora careca” (1950) e “A lição” (1951). Essas e outras peças do franco-romeno Eugène Ionesco (1909-1994), no início dos anos sessenta, inspiraram o teórico húngaro Martin Esslin (1918-2002) a apresentar o conceito de “Teatro do Absurdo”. Dentro dessa ótica, essas dramaturgias revelam uma concepção de mundo desprovido de lógica, sem conexão, onde suas criaturas pairam sozinhas com a responsabilidade de dar sentido às suas existências. As obras do gaúcho Qorpo Santo (1829-1883), do americano Edward Albee (1928), do irlandês Samuel Beckett (1906-1989), do espanhol Fernando Arrabal (1932) e do carioca Felipe Rocha, entre muitas outras, são plenamente passíveis de serem lidas dentro desse universo estético também.
Nessa montagem dirigida por Ney Latorraca, ou o texto de “As cadeiras” não foi entendido pelos realizadores em sua melhor potência, ou foi rejeitado por eles, que preferiram, ao adaptá-lo, um caminho mais fácil. As duas opções deixaram um trabalho árduo demais para o público, o que é uma pena.
Na peça, dois atores interpretam um Velho e uma Velha. Apesar do que eles dizem, não se sabe exatamente onde nem quando a história acontece, como também não se tem clareza sobre quem eles são. É possível apenas se supor de que se trata de um casal que vive junto há muito tempo. Ao longo da peça, eles propõem inúmeros jogos um ao outro de modo que suas sugestões vão sendo “compradas” pelo parceiro, desenvolvidas por ele e devolvidas em um processo de substituição. É um jogo de poder, de sedução, de alegria e também de dor. Personagens diversos vão sendo criados por um e por outro, ganham vida pelo estímulo de ambos e participam, por alguns momentos, do convívio entre eles. Tudo isso, muito relacionável a “Quem tem medo de Virgínia Woolf?”, de Albee, e a “Dias felizes”, de Beckett, estica as horas, espanta o tédio e contorna a solidão vivida por eles. E é essa a beleza que tornou célebre essa dramaturgia.
Da plateia dessa versão de “As cadeiras” de Ney Latorraca, tem-se a nítida (e negativa) impressão de que faltou dinheiro para contratar mais atores que fizessem os outros personagens da peça. Isso porque o Velho de Edi Botelho e a Velha de Tássia Camargo, de acordo com o texto, falam com o vazio de figuras inexistentes, mas como se de fato essas estivessem ali. Ou seja, a concepção de Latorraca não sublinha, na encenação, o lúdico, não deixa claro que o Velho e Velha sabem que estão sozinhos e que só estão dando força para algo que lhes proteja contra o desaparecimento. Não há jogo, mas a manipulação apenas dos sentidos mais superficiais de cada frase. Não há a poética trágica da solidão que faz rir e faz chorar escondida nos níveis profundos dos diálogos e que tão bem tratam da complexidade do mundo contemporâneo. Por isso, se nota que ou Latorraca não chegou a esses níveis, ou deles fugiu pobremente.
Uma única exceção em toda a peça - o que faz acreditar que Ionesco, se aqui perdeu a batalha, chegou a ganhar uma pequena guerra - é o momento da entrada do Imperador. Ele é um personagem criado pelo Velho. Diferente dos demais, a Velha tem dificuldade em vê-lo, em reconhecê-lo, isto é, em aceitá-lo dentro do jogo. No palco do teatro Cândido Mendes, nessa cena, Tássia Camargo busca em Edi Botelho maiores estímulos, o que não tinha acontecido e nem acontecerá em todo o resto de “As cadeiras”. Nesse pequeníssimo relance, está todo o cerne de Ionesco que, se tivesse sido desenvolvido, teria a montagem ganhado a chance de brilhar na programação teatral carioca.
As poucas oportunidades dos demais elementos
As interpretações de Edi Botelho (Velho) e de Tássia Camargo (Velha), limitadas por uma concepção empobrecedora de espetáculo, podem ganhar avaliação positiva dentro do pequeno espaço que tiveram. O registro realista, que quase não oferece algo ao absurdo, foi bem usado: intenções claras, dicção perfeita, tempos bem usados, corpos equilibrados, feições limpas, entonações ricas. São bons atores já muito reconhecidos e que merecem aplausos dentro do que lhes foi permitido fazer aqui. Esses méritos se estendem à direção de movimento de Regina Miranda.
A luz de Rogério Medeiros, a pesquisa musical e sonoplastia de Arthur Ferreira e o cenário de Edi Botelho, ainda mais limitados, podem ouvir que estiveram dentro da proposta, contribuindo com alguma beleza sem destaque negativo. O figurino de Carol Lobato, mantendo o quadro dentro do preto e do marrom em parceria com o cenário e com a luz, usa bem os corpos dos intérpretes, deslocando os personagens do tempo presente, mas sem desajustá-los. Isso tem o mérito de manter o Velho e a Velho coerentemente dentro do que parece ter sido o conceito.
O pior de “As cadeiras” é quando, aparentemente exaustos por um Ionesco mal feito, Edi Botelho e Tássia Camargo param a peça para tomar água. Na péssima adaptação de Valderez Cardoso Gomes, que traduziu o texto original, nesse momento, uma série de cacos ganham lugar: referências à ficha técnica, ao diretor, à dramaturgia. Tudo isso faz o público rir, mas de um jeito barato, grosseiro e decepcionante. Se eles estavam achando Ionesco chato, por que decidiram montá-lo?
Ficha Técnica
Texto: Eugène Ionesco
Tradução e adaptação: Valderez Cardoso Gomes
Direção: Ney Latorraca
Elenco: Tássia Camargo e Edi Botelho
Direção de Movimento: Regina Miranda
Figurino: Carol Lobato
Iluminação: Rogério Medeiros
Sonoplastia: Arthur Ferreira
Design Gráfico: Simone Grenier
Fotografia: Antonio Caetano
Relações Públicas/ Convidados: Liège Monteiro e Luiz Fernando Coutinho
Assessoria de imprensa: Liège Monteiro e Luiz Fernando Coutinho
Direção de Produção: Denise Escudero
Uma produção: Ney Latorraca, Tássia Camargo, Edi Botelho e Denise Escudero
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