quinta-feira, 14 de julho de 2016

Como era bonito lá (RJ)

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Foto: divulgação

Nara Keiserman


Excelente monólogo celebra a obra de Caio Fernando Abreu

O excelente “Como era bonito lá” cumpre com enormes méritos a tarefa de realizar, no teatro, um espetáculo sobre o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996). No último mês de fevereiro, se celebraram os vinte anos de seu falecimento. A popularidade de seus textos vive inspirando versões para o palco de sua obra, mas, assim como acontece com Clarice Lispector, na maioria delas, paira uma negativa ansiedade dos realizadores em transformar os quadros poéticos de sua literatura em ação. É lindo descobrir que Nara Keiserman não faz isso. Com muita sensibilidade e direção delicada de Demetrio Nicolau, as contundentes palavras desse célebre homenageado ganham vida através da atriz que, rendida à sua força, se mostra absolutamente forte também. O monólogo termina sua segunda temporada na capital fluminense hoje na Sala Multiuso do SESC Copacabana, fazendo parte de uma intensa programação dedicada a Caio F.. Vale a pena ver!

A literatura de Caio F.
Na ótima dramaturgia de “Como era bonito lá”, há dois movimentos de aproximação do público ao escritor gaúcho, autor de livros premiados como “Morangos Mofados” (1982), “Triângulo das Águas” (1983) e “Onde andará Dulce Veiga?” (1990), entre várias outras. De um lado, há referências a contos e a cartas escritas por Caio Fernando Abreu a seus amigos. De outro, a interpretação, por Cláudia Lisboa, do seu mapa astral. Se os primeiros dão conta da poética do autor e do seu esforço em revelar a beleza do mundo através da literatura, o segundo o revela como homem.

Nas redes sociais, a viralização de trechos de sua obra fez Caio F. conhecido na internet e, dessa forma, ainda em plena comunicação com o mundo contemporâneo e com as novas gerações. Ele faleceu no fim de fevereiro de 1996, vítima da AIDS. O conjunto parcial de suas cartas, publicado na excelente coletânea coordenada por Ítalo Morriconi (2002), deixa ver que ele suspeitava ser portador do vírus desde 1984, mas veio a tratá-lo somente dez anos depois. A longa convivência com essa dúvida versus a coragem de enfrentar as barreiras impostas a um guri da região da fronteira do Rio Grande de Sul, a um homossexual fora dos padrões de beleza e a um contista brasileiro fazem de seu universo um retrato potente de um mundo que deixou de existir antes da era da internet. Diferente dos de Clarice, os personagens de Caio não se descobrem pela linguagem, mas essa deixa ver o jeito como eles são atravessados pelo mundo em sua volta: as referências da cultura pop, a convivência com o mistério (o inconsciente, o divino, o inexplicável), o amor.

Nesse sentido, o melhor da literatura do homenageado não são as ações dos personagens e as reviravoltas de suas vidas, mas o jeito como o quadro do qual eles fazem parte é pintado. Aparentemente, isso reduz a potencialidade teatral dos contos de Caio F., mas não, pelo visto, para Nara Keiserman. A atriz, idealizadora do espetáculo que aqui se analisa, parece ter entendido que o jeito mais confortável de trazer a obra desse autor para o palco é mais levá-lo ao público do que ir ao lado dele. Em outras palavras, ao apagar-se, Keiserman se acende.

A beleza da atuação de Nara Keiserman
Em sua atuação, Nara Keiserman deixa que o público ouça Caio F.. Os momentos de silêncio no espetáculo, bem como os blackouts, os áudios de análise do mapa astral do escritor e os vídeos de algumas de suas entrevistas (videografismo de Cristiano de Abreu) acumulam forças para o texto atravessar o tempo. Em “Como era bonito lá”, quase não há expressões, os quadros imagéticos são relativamente parados, os movimentos são muito delicados. Talvez por viverem antes da internet, os personagens tinham menos oportunidades de fala e mais chances de acumular o que dizer para quando fosse o momento. E é esse o caso aqui.

Os poucos momentos de maior expressividade, com mérito para a direção de Demetrio Nicolau, servem para dar movimento para o espetáculo, cavando ápices para o discurso teatral, cuja fruição é diferente da literária. Podem se destacar dois: a cena em que Keiserman finaliza com “Summertime”, de Janis Joplin, e os quadros de encerramento em que o texto das entrevistas, em íntima articulação com a encenação, deixa ver a alegria de quem se estrega.

O cenário e o figurino de Carlos Alberto Nunes abrem quatro ambientes distintos, possibilitando ainda o uso de suas conexões. De algum modo, há o privilégio para o íntimo, para o contemplativo, para a valorização do interior em todos eles. Assim, se tornam espaço ideal para a troca com o texto que está sendo dito. A iluminação e a trilha sonora de Nicolau também favorecem a composição desses quadros.

Uma bela homenagem!
Há quem diga que o universo poético de Caio Fernando Abreu é sorumbático, escuro, depressivo. Quem lê-lo descobrirá que seus anticlímax são, na verdade, um ponto de vista muito subjetivo de ver o clímax, isto é, com olhos de dentro. Nara Keiserman, nessa bela homenagem, responde ao desafio, pauta a sugestão e oferece um excelente espetáculo. Parabéns!

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FICHA TÉCNICA:
Textos: Caio Fernando Abreu
Direção, Iluminação e Trilha Musical: Demetrio Nicolau
Roteiro e Atuação: Nara Keiserman
Cenário e Figurino: Carlos Alberto Nunes
Edição de Vídeo e Videografismo: Cristiano de Abreu
Mapa Astral: Cláudia Lisboa
Orientação Musical: Alba Lírio
Maquiagem: Mona Magalhães
Arte: Maravilha Criações
Consultoria de Vídeo: Gustavo Gelmini
Fotos: Sandra La Porta
Assessoria de Imprensa: Sheila Gomes
Produção: Sandra La Porta e Maravilha Criações & Produções Artisticas Ltda
Realização: Atores Rapsodos

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