segunda-feira, 21 de março de 2016

Como me tornei estúpido (RJ)

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Foto: Desirré do Valle

Marino Rocha (no alto), Gustavo Wabner, Alexandre Barros e Rodrigo Fagundes
Reflexões interessantes em espetáculo a partir da obra Martin Page

A partir da obra homônima do francês Martin Page, a comédia "Como me tornei estúpido" tem ótima direção de Sergio Módena e valorosas interpretações de Alexandre Barros, Gustavo Wabner, Marino Rocha e de Rodrigo Fagundes. O único senão do trabalho é a adaptação de Pedro Kosovski, que conserva o que há de mais pueril no romance, mas abdica do cerne da questão da obra original. Na história, o jovem Antônio está cansado de ser inteligente e infeliz e parte em busca da transformação, se tornando alguém estúpido. Divertido, o espetáculo propõe uma reflexão que fica aquém da possível infelizmente. A produção está em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, no centro do Rio de Janeiro, até o dia 27 de março.

Adaptação superficializa a proposta original de Martin Page
Na adaptação de Pedro Kosovski, o personagem Antônio (Alexandre Barros) vê o mundo como que dividido em dois grupos opostos de pessoas: os inteligentes e os estúpidos. Ao notar que todo o conhecimento acumulado nos seus vinte e cinco anos de vida não lhe trouxe felicidade, ele resolve mudar de lado, se tornando o contrário do que era antes. Abandona os livros e se dedica às redes sociais, substitui Beethoven e Descartes por Romero Brito, IPhone e por calças Diesel, e troca amizades antigas e uma vida mais modesta pelo álcool, aulas de suicídio e por dívidas com cartões de crédito. Desse modo, o espetáculo sugere que determinados comportamentos, preferências ou bens determinam se uma pessoa é inteligente ou estúpida, valorizando o primeiro grupo e, do ponto de vista (superior) desse, criticando o segundo.

Embora atravesse ideias similares, o premiado livro de Martin Page não é assim. No romance, ser estúpido não é gastar mais do que pode, desconhecer línguas antigas e filosofia nem ganhar milhões. Esses são níveis superficiais do trato da questão. Para o autor, a estupidez é sinônimo de falta de consciência moral. Nesse sentido, o que move o herói do livro em direção a uma mudança de vida é o desejo que ele tem de ser feliz. Antoine pensa que alcançará esse estado de espírito somente quando pensar menos, medir menos as consequências e apostar mais. E o leitor percebe que a problemática da reflexão não é o comportamento humano em si, mas o que move (ou deixa de mover) esse direcionamento de nossa sociedade.

Assim, Page e Kosovski propõem uma crítica interessante ao mundo contemporâneo. No entanto, se o primeiro parte de estereótipos para questioná-los, o segundo fica neles talvez em favor dos efeitos (lucrativos) da comédia. Nem todo mundo que reconhece a Nona Sinfonia de Beethoven é inteligente assim como o sucesso comercial de Romero Britto gera reflexões interessantíssimas sobre arte. O contrário disso é um pensamento reacionário contra o qual há que se lutar.

Mais um ótimo trabalho do diretor Sergio Módena
A direção de Sergio Módena abre espaço para excelente jogo nas interpretações, providenciando à ação ótimo movimento. Gustavo Wabner, Marino Rocha e Rodrigo Fagundes apresentam vários personagens com exuberância, marcando suas aparências em hábil mobilização dos seus recursos expressivos. Alexandre Barros, que interpreta o protagonista, tem presença forte em torno do qual a boa dramaturgia e a ótima direção se estruturam. "Como me tornei estúpido" mantém o ritmo ao longo da encenação em franca defesa do seu conceito. Destaque para o modo como as cenas se articulam em linha ascendente, definindo o maior mérito de Módena nesse trabalho.

A produção conta ainda com boas colaborações do figurino de Flávio Souza e do cenário de Carlos Augusto Campos e do diretor, e melhores ainda da iluminação de Fernanda e de Tiago Mantovani e da trilha sonora de Marcelo Alonso Neves. Todo esse visível investimento estético corrobora para o sucesso do espetáculo positivamente.

"Como me tornei estúpido" é uma boa opção na programação de teatro carioca nesse início de outono. Vale a pena ver, mas sobretudo pensar sobre o que a peça sugere.

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FICHA TÉCNICA
Elenco: ALEXANDRE BARROS, GUSTAVO WABNER, MARINO ROCHA e RODRIGO FAGUNDES
Livre adaptação da obra de: MARTIN PAGE
Dramaturgia: PEDRO KOSOVSKI
Direção: SERGIO MÓDENA
Iluminação: FERNANDA E TIAGO MANTOVANI
Cenário: SERGIO MÓDENA e CARLOS AUGUSTO CAMPOS
Figurinos: FLAVIO SOUZA
Trilha Sonora: MARCELO ALONSO NEVES
Projeto Gráfico: GUSTAVO WABNER
Foto: DESIRÉE DO VALLE
Registro Audiovisual: EDUARDO CHAMON
Assessoria de Imprensa: DUETTO COMUNICAÇÃO
Cenotécnico: ARTICULAÇÃO CENOGRAFIA
Assistente de Produção: TAIANA STORK E PEDRO PEDRUZZI
Direção de Produção: ANA PAULA ABREU e RENATA BLASI
Produção: DIÁLOGO DA ARTE PRODUÇÕES CULTURAIS
Produtores Associados: ALEXANDRE BARROS, GUSTAVO WABNER, MARINO ROCHA E SERGIO MÓDENA
Idealização: ALEXANDRE BARROS, GUSTAVO WABNER, MARINO ROCHA, SERGIO MÓDENA E PABLO SANÁBIO