Davi de Carvalho e Vandré Silveira em cena |
Distante
“O Homem Elefante”, em cartaz no teatro Oi Futuro, no Flamengo, é a versão reduzida da original escrita pelo americano Bernard Pomerance em 1977 sobre como se tornou célebre o jovem inglês John Merrick (1862-1890), vítima de neurofibromatose e da Síndrome de Proteus, duas doenças até hoje sem cura. Produzida na Broadway dois anos depois, a peça inspirou o cineasta David Lynch a levar a história para as telas. O filme estreou em 1980, conquistando, entre vários prêmios, oito indicações importantes ao Oscar. No Brasil, “O Homem Elefante” já foi protagonizado por Antônio Fagundes, ao lado de Ewerton de Castro, em produção célebre dirigida por Paulo Autran em 1981. A montagem atual é dirigida por Cibele Forjaz e por Wagner Antônio. No elenco, estão Vandré Silveira, no papel título, ao lado de Daniel Carvalho de Faria, Davi de Carvalho e Regina França em uma produção assinada pela Companhia Aberta e colaboradores. Sem boa direção e com interpretações não relevantes, o resultado deixa a desejar.
O problema central da peça é o modo como a narrativa se dá em cena. A direção de Cibele Forjaz e de Wagner Antônio parece ter se preocupado mais em descrever o “Homem Elefante”, apenas contando a sua história infelizmente. É muito pouco. No fim do século XIX, no auge do racionalismo e em plena Inglaterra vitoriana, um homem deformado é exposto em feiras de horror, depois levado para tratamento em hospital e, por fim, aos salões mais respeitados do império onde se tornou amigo de pessoas célebres. O jeito como John Merrick atravessou o sentimento de asco popular e de delírio intelectual, impondo sua presença grotesca diante de sua mente inteligente, ficou em segundo plano nessa montagem que não toca, que não sensibiliza, tampouco promove a reflexão. Além da confusão entre a Londres da Rainha Vitória com a Lapa do Rio de Janeiro, a direção cumpre o texto, colocando Merrick diante de “Don Gionvanni”, de Mozart, mas nem mesmo faz menção acerca da relação entre o homem que a todos conquistava e aquele que em todos causava ojeriza, e às consequências significativas disso para o público de lá e para o de hoje. Dessa forma, estando a peça fria em seu palco duplo (mas ainda distante), resta ao espectador olhar o relógio e esperar o tempo passar, vendo o protagonista envelhecer e a história, meramente curiosa, terminar.
Há bons momentos no trabalho de Daniel Carvalho Faria (Ross) e no de Regina França (Atriz), mas a superficialidade com que os quadros estão construídos não lhes possibilita a manutenção dos pontos altos. As marcas estão visíveis, as reações estão previamente apresentadas, o ritmo permanece linear em todas as cenas. Davi de Carvalho apresenta o personagem Doutor Treves com vislumbres de inexplicada ardilosidade, não permitindo que a audiência invada o íntimo de seu papel e descubra as camadas que devem haver ali. Vandré Silveira tem apenas a cena final para tudo o que não pode mostrar até então, mas infelizmente é tarde demais para uma bela imagem.
O figurino de Valentina Soares nem contextualiza os personagens e a situação, nem enche de beleza o espetáculo. Em troca do período vitoriano, vê-se um vestuário duro em que as roupas parecem ser maiores ou menores que os atores que as vestem. Falta acabamento em todas as peças, principalmente no vestido da Atriz. Falta ainda uma cobertura sobre as muitas tatuagens do ator que interpreta John Merrick. O cenário de Aurora dos Campos é o melhor elemento em “O Homem Elefante”. Ao opor o vermelho e o azul, a produção pode sugerir dois campos: o do espetáculo e o da ciência, o do ultrarromantismo de Goethe e o racionalismo de Kant, o Merrick que serve às emoções e aquele que serve à intelectualidade. Situar a plateia no meio do caminho entre essas duas opções é outro aspecto positivo, porque permite refletir, diferente do que se pensava no fim do século XIX, sobre se é mesmo preciso (e possível) escolher entre um dos lados. A trilha sonora de Dr Morris tem positiva participação principalmente na cena final.
Embora nem sempre admita, de um modo geral, o cidadão ainda tem asco do mendigo, prefere não tocar pessoas de algum jeito deformadas, tem problemas com as imagens que são diferentes daquelas aceitas pela maioria. Essa montagem de “O Homem Elefante”, ao reduzir-se à função de apenas contar a história de Merrick, perde a oportunidade de contar a história pessoal das chagas da personalidade de cada um e da sociedade. Uma imensa pena!
FICHA TÉCNICA
Texto: Bernard Pomerance
Idealização: Cia Aberta
Encenação: Cibele Forjaz e Wagner Antônio
Assistente de direção: Artur Abe
Elenco: Daniel Carvalho Faria, Davi de Carvalho, Regina França e Vandré Silveira
Iluminação: Wagner Antônio
Cenário: Aurora dos Campos
Figurino: Valentina Soares
Direção musical e trilha sonora: Dr Morris
Identidade Visual: Balão de Ensaio
Ilustração: Antonio Sodré Schreiber
Fotografia: Vitor Vieira
Direção de produção: Paulo Mattos
Produção executiva RJ: Tamires Nascimento
Produção executiva SP: Paulo Arcuri
Operação de luz: Lívia Ataíde
Operação de som: Dominique Arantes
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