quarta-feira, 30 de julho de 2014

Vianninha conta o último combate do homem comum (RJ)

Foto: divulgação
No centro, de camisa branca, Isio Ghelman
em excelente trabalho de interpretação


Essencial espetáculo sobre a velhice

“Vianninha conta o último combate do homem comum”, espetáculo dirigido por Aderbal Freire-Filho, celebra os 40 anos de falecimento do dramaturgo brasileiro Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) e marca o avanço do projeto de revitalização da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais) que consiste na representação de obras dos “autores da casa”. Escrita com o nome de “Em família” por Vianninha, Paulo Pontes e por Ferreira Gullar no início dos anos 70, o texto se modificou e teve sua encenação oficial em março de 1972 com dramaturgia assinada apenas por Vianninha e com o título de “Nossa vida em família”. Paulo Autran e Carmen Lúcia interpretavam o casal de pais que reunia quatro dos cinco filhos para comunicar que a casa onde moraram por toda a vida precisaria ser desocupada em dois dias. Na montagem atual, os atores Cândido Damm e Vera Novello, em excelentes trabalhos, protagonizam esse agridoce espetáculo sobre a velhice. Há 42 anos, dois meses depois da estreia, o pai de Vianninha faleceu aos 80 anos. Lá se ia o dramaturgo paulista Oduvaldo Vianna (1892-1972), autor de incontáveis espetáculos célebres de uma parte da história do teatro brasileiro pouco ouvida. “Vianninha conta o último combate do homem comum” é uma metáfora para várias histórias.

Uma das primeiras questões sobre Vianninha, um dos autores da primeira versão do sitcom global “A grande família”, é o ritmo que ele impõe as suas narrativas. Esse autor não investe na narrativa clássica. Embora o agora chamado “Vianninha conta o último combate do homem comum” parta de uma situação problema, o desenvolvimento não conduz a um ápice que resolve necessariamente a questão primeira. Ao invés disso, o desenvolvimento e o fim da peça apontam para um retrato social, sugerindo uma reflexão sobre as relações e sobre as políticas públicas sociais a partir de personagens e de ações representativas. Assim, quem espera por uma história que se conte equilibrada e ascendentemente, encontrará um ritmo alargado, um tanto lento e bastante evasivo. E nem por isso ruim.

Fernando Mello da Costa constrói aqui um dos cenários mais poéticos do primeiro semestre teatral carioca. As muitas janelas emperradas e a quantidade vasta de objetos em desuso empilhados nos cantos do palco querem mais do que apenas preencher os vazios. De um lado, a pergunta: “O que fazemos com as coisas quando elas ficam velhas e não as queremos mais?” e de outro “Para onde vão nossos filhos quando por eles já fizemos tudo?” estruturam dois dos vários lados da narrativa. Os cinco filhos de Sousa (Damm) e de Lu (Novello), quatro em reunião, decidem que a mãe ficará hospedada na casa do filho mais velho, e o pai ficará com a filha que mora em São Paulo por dois meses. Ao longo da peça, esse período se multiplica e a solução não se divide. Pai e Mãe já idosos vão se tornando um fardo cada vez mais pesado. Nesse sentido, o teatro social de Vianninha tem o mérito de ser uma belíssima obra estética, mas que também se esforça em construir um debate que seja vital em termos de sociedade.

Aderbal Freire-Filho manteve a peça no início dos anos 70, com seus valores em cruzeiros e suas expressões de época. Além do cenário, “Vianninha conta o último combate do homem comum” apresenta um pontual trabalho de figurino em que as cores variam em tons de cinza, com sutis citações ao verde musgo ou ao bordô. Esse quadro pode remeter à televisão em preto e branco, outra opção estética que respinga na forma de fruição. A imagem em preto e branco dos filmes antigos é mais distante da realidade. Essa distância dá maior segurança para o espectador dialogar com a obra uma vez que “o papo” está acontecendo longe do mundo real. O resultado é que, de volta ao mundo em cores, o espectador está modificado, o que corrobora com o texto conforme tratado no parágrafo anterior. O desenho de luz dura, a trilha sonora que pontua o entre-cenas e a movimentação limpa são outros pontos que bem articulam a tese que a peça propõe.

De todos, não há dúvidas de que as interpretações são o ponto alto. Vera Novello, Paulo Giardini, Gillray Contino têm ótimas atuações, mas Isio Ghelman, Cândido Damm e Kadu Garcia se destacam excelentemente em um elenco todo de trabalhos muito bons. Um dos momentos mais marcantes da peça é um dos discursos finais do filho Jorge, interpretado por Ghelman, que hospeda a mãe. É tocante na amplitude das palavras bem ditas, da movimentação bem feita, dos sentidos bem articulados. Gillray, Damm e Garcia interpretam os personagens que não esmorecem apesar dos desafios, e mantêm o bom humor, o que conceitualmente supõe uma reflexão sobre a resistência humana. Flertando perigosamente com o limite entre o lugar fácil dos personagens estereotipados, esses intérpretes reservam para suas figuras lugares mais nobres.

Todos os atores ficam visíveis durante toda a encenação mesmo quando não aparecem, em um tipo de proposta que ficou célebre na farsa molineresca. Em exata oposição, na dramaturgia, uma das filhas nunca aparece. “Vianninha conta o último combate do homem comum” pode, também assim, falar sobre a presença e sobre a ausência, oferecendo diversas abordagens de reflexão. Todos esses aspectos são marcas de uma direção inteligente, comprometida e talentosa de Freire-Filho, em total parceria com os valores trazidos pelo autor e pelos demais membros dessa equipe tão especial. Muitos aplausos!

*

Ficha técnica:
TEXTO: ODUVALDO VIANNA FILHO
DIREÇÃO: ADERBAL FREIRE-FILHO

ELENCO (em ordem alfabética):
ANA BARROSO
ANA VELLOSO
BELLA CAMERO
BETH LAMAS
CÂNDIDO DAMM
GILLRAY CONTINO
ISIO GHELMAN
KADU GARCIA
PAULO GIARDINI
VERA NOVELLO

CENÁRIO: FERNANDO MELLO DA COSTA
FIGURINO: NEY MADEIRA E DANI VIDAL
DIREÇÃO MUSICAL E TRILHA SONORA: TATO TABORDA
ILUMINAÇÃO: PAULO CESAR MEDEIROS
PROGRAMAÇÃO VISUAL: CACAU GONDOMAR
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: LÚDICO PRODUÇÕES ARTÍSTICAS
REALIZAÇÃO: SESC RIO
ASSESSORIA DE IMPRENSA: JSPONTES COMUNICAÇÃO – JOÃO PONTES E STELLA STEPHANY

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