quarta-feira, 30 de julho de 2014

Morro da Ópera (RJ)

Foto: divulgação
Marcela Rodrigues assina o texto, o cenário e a direção
nesse espetáculo da Troupp Pas D'argent


Um espetáculo a la Fellini

Impossível não associar “Morro da ópera”, o novo espetáculo da companhia carioca Troupp Pas D’argent, às narrativas fellinianas dos anos 70. Com excelentes interpretações, o espetáculo que tem texto e direção de Marcela Rodrigues conta algumas histórias de um fictício morro fluminense, acompanhando a vida de alguns personagens em uma narrativa com forte tom de memória. Laços que se fazem e que e se desfazem, pessoas que chegam, pessoas que morrem, pessoas que desaparecem, a luta pela vida, a graça de quem luta na vida com coragem. Carolina Garcês, Lilian Meireles, Natalíe Rodrigues e Orlando Caldeira, além da própria diretora, compõem o elenco que terminou recentemente sua feliz primeira temporada no Mezanino do Sesc Copacabana desse bonito espetáculo que há de voltar em cartaz brevemente.

Fruto de um neo-realismo anterior e expoente de um novo simbolismo que preenche o mundo coberto de guerras e de ditaduras, os anos 70 chegaram para a obra de Federico Fellini como um retorno às narrativas, mas agora já altamente impregnado pela poética, pelo lirismo. A peça “Morro da ópera” tranquilamente pode ser vista a partir de aproximações com o cinema novo de Nelson Pereira dos Santos ou com a as peças de Oduvaldo Vianna Filho pelo seu alargamento diegético, pela desimportância que a história parece ter na narrativa cênica que parte do princípio da justaposição de vários personagens em uma situação. Por outro lado, as figuras são simbólicas. Cada ato é representativo de um bloco de outros acontecimentos vindos do real além da narrativa. A mulher que abre uma igreja evangélica ao invés de uma loja de sacolé é representante de uma camada de pessoas que pretende melhorar de vida a quase todo custo. O transexual que não é aceito por parte da comunidade, incluindo a sua mãe, simboliza a resistência de parcela da população em abdicar de seus valores mais tradicionais. E assim por diante: interessam menos os nomes dos personagens. São mais importantes as relações com o fora da história. A obra, assim, se situa como um espelho invertido, torto, que reflete talvez melhor a sociedade. Com um intenso fluxo narrativo bastante bem articulado, “Morro da Ópera” preenche o tempo e o espaço, sugerindo quadros belíssimos de teatro da melhor qualidade.

Carolina Garcês, Lilian Meireles, Marcela Rodrigues, Natalíe Rodrigues e Orlando Caldeira têm excelentes trabalhos de interpretação. Máscaras corpóreo-gestuais são usadas para a multiplicidade de personagens, mas nenhuma delas age com decréscimo à complexidade ou à poesia do espetáculo. Há momentos em que a encenação se utiliza da dança como meio de melhor expressar o que vivem aquelas figuras: é quando a poética parece ganhar maior corpo. Há outros em que a música ou o diálogo corrido faz a história girar mais rápido, trazendo à superfície momentos mais cômicos. Assim, o conjunto de atores viabiliza uma obra que, no seu todo mas também em cada parte, se coloca como síntese da riqueza do mundo real em todas as suas contradições, acontecimentos trágicos e espertezas.

O cenário, também de Marcela Rodrigues, e o figurino de Lilian Meireles e de Orlando Caldeira ajudam a expor essa composição meio simbolista, meio realista que resulta em um certo tipo de surrealismo, que melhor explica esse quadro sem eixo, mas com várias pontas por onde a fruição pode começar. Com uma paleta de cores que fica na oposição entre tons terra e branco, a rotunda e o figurino dão conta de unificar as figuras, contextualizar a situação e principalmente deixar o palco livre para as ações físicas ou para diálogos. A direção musical e trilha sonora de Isadora Medella e a iluminação de Luiz Paulo Nenen dão conta de embalar o ritmo da encenação em um mesmo referencial estético positivamente.

É um prazer conhecer o trabalho da Troupp Pas D’argent. Vale a pena assistir “Morro da Ópera” sem ressalvas.

*

FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia e Direção: Marcela Rodrigues
Elenco: Carolina Garcês, Lilian Meireles, Marcela Rodrigues, Natalíe Rodrigues e Orlando Caldeira
Figurino: Lilian Meireles e Orlando Caldeira
Cenário: Marcela Rodrigues
Iluminação: Luiz Paulo Nenen
Trilha Sonora e Direção Musical: Isadora Medella
Confecção de Miniaturas: Lilian Meireles
Colaboração e Confecção de Figurino: Ateliê Fátima e Leo
Produção: Drayson Menezzes
Operador de Luz: Zoatha David
Operador de Som: Jorge Florêncio
Programação Visual: ImpriRio
Fotos: Sandro Arieta
Direção de Produção: Troupp Pas D’argent
Assessoria de Imprensa: Lyvia Rodrigues (aquelaquedivulga.com.br)

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