Nadja Turenkko (ao centro) dirige Kadu Veiga e Ciro Sales em texto do mesmo autor de "In On It" |
Uma bela contribuição ao texto de MacIvor
“Nunca nade sozinho”, do canadense Daniel MacIvor, concluiu há pouco mais uma temporada no Rio de Janeiro. Essa produção baiana, que veio com direção de Nadja Turenkko, tem Ciro Sales, Kadu Veiga e a própria diretora no elenco. Com forte matriz surrealista, esse é mais um texto do mesmo autor de “Cine-Monstro”, “À primeira vista” e de “In On It” sem o brilho dos dois últimos. Vale a pena refletir sobre o uso do vídeo nessa montagem que, de um jeito delicado, salva o projeto como um todo, que tem também excelentes trabalhos de interpretação.
O título “Nunca nade sozinho” é um conselho. Ao entrar no mar, é bom ter alguém olhando por você para o caso de se precisar de ajuda. O mote parte de um acontecimento no passado, em que, no último dia de mais um verão, dois rapazes, Bill e Frank, toparam apostar uma corrida até o mar sugerida por uma moça que veio a se afogar porque um dos dois não a segurou mais firmemente. A culpa que um se acostumou a jogar por sobre o outro terminou a amizade entre os dois que agora se encontram adultos. O diálogo escrito em 1991 se apresenta em treze rounds. Os dois personagens inimigos usam terno e gravata, têm empregos bem remunerados, uma maleta, mas, na metáfora de MacIvor, apenas um deles tem uma arma dentro dela. Ambos disputam o lugar de “Primeiro Homem”, sobrando para o outro a vergonhosa segunda posição. A disputa entre perdedor e vencedor faz parte da cultura recente em povos sob influência norte-americana e é criticada aqui nesse texto pelo autor candense. Ao longo do narrativa, os dois personagens acumulam vantagens que conduzirão para um tipo de desfecho que não é propriamente uma vitória. Como nos demais textos célebres desse dramaturgo, a curva não é ascendente, mas difusa, cheia de eixos a partir dos quais a narrativa pode ser reorganizada. Esse todo surrealista quer sugerir um posicionamento sobre a sociedade, sobre os valores, sobre os laços e principalmente sobre a amizade. Sem dúvida, uma metáfora muito bonita que só não é melhor, porque o esforço em construir um diálogo mais abstrato e menos factual é um tanto quanto cansativo. É aqui que entra o mérito da encenação de Nadja Turenkko.
No fundo do palco, em vários momentos da peça, vídeos produzidos nos ensaios são projetados. Neles, os atores, olhando para a câmera, fazem confissões sobre impressões que o trabalho ainda em processo lhes causa. O feito constrói um ponto de apoio que, em momento algum, se cruza com o diálogo de MacIvor, mas que é paralelo e principalmente próximo do público. Ciro Sales, Kadu Veiga e Turenkko falam sobre o que sentem na evolução da peça que se constrói no grupo, nas relações, no modo como o olhar por sobre si e por sobre o outro se modifica. O resultado dos vídeos cria uma lente que pode ser usada para enxergar a inimizade entre os personagens Bill e Frank, assim como a disputa entre eles pode ser referência para interpretar um determinado aspecto da relação entre o trio de atores. Usando uma via alternativa, muito inteligente e bastante interessante, “Nunca nade sozinho”, assim, talvez chegue melhor ao ponto previsto por MacIvor com os vídeos.
Ciro Sales e Kadu Veiga têm excelentes trabalhos de interpretação. Os atores apresentam uma potente desenvoltura corporal, viabilizando uma partitura gestual complexa que, sendo metáfora, se equilibra com os diálogos herméticos e frios. O texto é bem dito, com focos claros e, dentro do possível, com sentidos precisos. A estrutura em treze rounds de MacIvor é desafiadora, porque alongada, mas a multiplicidade de diagonais no cenário de Maurício Cardoso Junior e o figurino de Solon Diego, ratificando o estilo do texto, articulam a narrativa com mais firmeza positivamente. No surrealismo, parte-se do realismo para dar privilégio ao impossível. Essa ideia está presente de forma brilhante nos ternos que os personagens vestem.
No texto de MacIvor, as leis de causa e de consequência não servem para explicar o que aconteceu nesse dia de verão do passado, tampouco para tratar dos anos que se seguiram na vida de Bill e de Frank. Coberta de pontos isolados e nem sempre precisos, é o espectador que precisa dar sentido à obra e atribuir–lhe por sua conta algum tipo de lógica. Porque contribui sem deturpar, esse “Nunca nade sozinho” vence o desafio de encenar um texto tão duro.
Ficha Técnica
Texto: Daniel MacIvor
Direção: Nadja Turenkko
Elenco: Ciro Sales, Kadu Veiga e Nadja Turenkko
Tradução: Ciro Sales e Kadu Veiga
Revisão da tradução: Celso Jr.
Assistência de Direção: Wanderley Meira
Preparação de Elenco: Saulo Moreira (MCD)
Cenografia: Maurício Cardoso Junior
Cenotecnia: Adriano Passos
Costura cênica: Agnaldo Queiroz
Trilha sonora: André Santana
Figurino e adereços: Solon Diego (Soddi)
Iluminação: João Sanches
Iluminotécnica: Luciano Reis (Total Stage)
Caracterização: Luiz Santana
Direção de Produção: Ciro Sales e Kadu Veiga
Produção Executiva: Fernanda Borges e Wanderley Meira
Direção de Imagens: André Guerreiro Lopes
Fotografia: Valéria Simões e Renan Ribeiro
Realização: Curta Produções e Otimistas Artes e Projetos
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