terça-feira, 15 de julho de 2014

A prostituta respeitosa


Foto: divulgação

Sartre com cara de Tennessee

“A prostituta respeitosa” é uma pérola do dramaturgo francês Jean Paul Sartre (1905-1980) escrita em 1946 e que recebe montagem dirigida por Marco Aurélio Hamellin, que estreia na direção. Em cartaz no Solar de Botafogo, a peça tem alguns pontos positivos, mas expõe uma falta de reflexão mais aprofundada do grupo por sobre o espetáculo proposto à programação do teatro carioca. Uma pena!

Disposta a ficar longe de problemas, a prostituta branca Lizzy Mac-Kay parte de Nova Iorque para uma pequena cidade no sul dos Estados Unidos. Ao amanhecer, enquanto seu Primeiro Cliente já está no banheiro, um Homem Negro aparece em sua casa. A partir daí, ficamos sabendo que, no caminho, ela testemunhou um crime do qual esse Homem agora é acusado injustamente. O verdadeiro culpado é Thomas, o primo do Primeiro Cliente, cuja família há de se esforçar para defender, incluindo subornar a única testemunha, a prostituta respeitosa. Menos sobre segregação racial e muito mais sobre a arte da política, a cena central da peça é quando o senador Clark, parente do criminoso, convence com palavras bem usadas Lizzy a assinar um depoimento forjado contra o Negro. Até então, o dinheiro e a força não tinham sido capazes de fazer a prostituta mentir. Com isso, naquele início de pós-guerra, Sartre mandava um aviso ao mundo: o verdadeiro poder não estava nas trincheiras e nas bombas, mas na política.

Na direção de Hamellin, há algumas incoerências graves. Se Lizzy foi embora de Nova Iorque para fugir de problemas e, pelos mesmos motivos, quererá fugir da cidade onde hora se encontra, é porque ela se arrepende das coisas que fez. Portanto, a peça não pode terminar ao som de “No, no regrets”, de Piaf. Para que a frase “Meu nome é Fred” tenha certo impacto no final, é preciso que o diálogo “Fred, é você?”, “Sim, sou eu!” do início não seja ouvido por Lizzy. O Primeiro Cliente só pode dizer que prefere a luz do quarto se houver mudança na luz do ambiente quando Lizzy abre as cortinas da janela. E, assim, vários outros pequenos problemas aparecem, revelando “buracos” nos acordos de verdade que a peça precisa fazer com a plateia para ser uma boa atualização do neorrealismo. (“A prostituta respeitosa” é um Sartre diferente de “As moscas” e de “Entre quatro paredes”.)

No que concerne às interpretações, todos os trabalhos apresentam problemas no uso do tempo. As expressões não surgem como materialização de uma reação, mas parecem partir de um roteiro pré-estabelecido e geralmente sem lógica. Thiago Detofol, em um trabalho exageradamente emocional, apresenta o personagem Fred com marcas de uma culpa sem motivos claros durante toda primeira cena e com poucas variações na sequência. A interpretação de Frederico Baptista exibe uma falta de consciência corporal, intenso demais e sem profundidade. Sérgio Fonta e Anita Terrana, que já interpretaram o Senador Clark e a protagonista Lizzy em montagem recente, fazem bom uso das palavras e trazem expressões mais vivas. Terrana tem movimentação cênica ruim, equilibrando-se no sapato de salto alto, aparentemente pouco à vontade no espaço.

O cenário e o figurino de Marcelo Marques são bastante bons, principalmente porque fazem uma boa crítica ao lugar e ao personagens. Embora a peça se passe nos anos 40, a história acontece no interior dos Estados Unidos. Os móveis pesados, antigos, gastos expressam o nível inferior desse quarto alugado pela prostituta recém chegada. Os figurinos agem no mesmo sentido, deixando claro também um certo conservadorismo da família Clark. Nesse sentido, as evidências do realismo não são um esforço para construir um documento verídico, mas a disposição de parte da peça em possibilitar uma estrutura verossímil.

“A prostituta respeitosa”, esse texto Sartre com gosto de Tennessee Williams, vale a pena ser conhecido.

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FICHA TÉCNICA
Autor: Jean-Paul Sartre
Tradutor: Miroel da Silveira
Diretor: Marco Aurélio Hamellin
Assistentes de direção: Frederico Baptista e Jairo Vicente
Elenco:Anita Terrana, Sergio Fonta, Thiago Detofol, Cláudio Bastos e Frederico Baptista.
Preparação corporal: Cecília Terrana
Trilha sonora: Marco Aurélio Hamellin
Fotografia: Paulo de Tarso
Cenário e Figurinos: Marcelo Marques
Assistente de figurino e costureira: Sônia Lourenço Coutinho
Assistente de cenografia: Jennyfer Baptista
Iluminação: Leysa Vidal
Programação visual: Marcelo Marques
Arte final: Augusto Batista (Art Press Design)
Produção Executiva: Beth Bessa
Assistentes de produção: Augusto César de Oliveira e Cecília Terrana
Divulgação/assessoria de imprensa: Ana Gaio
Coordenação do Projeto: Anita Terrana
Realização: Sereníssima Produções Artísticas

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