sexta-feira, 4 de julho de 2014

Fala comigo como a chuva e me deixa ouvir (RJ)

Saulo Rodrigues e Ângela Câmara em belo espetáculo dOs Dezequilibrados
Foto: divulgação

Luminosamente belo!

“Fala comigo como a chuva e me deixa ouvir” é o novo excelente espetáculo do grupo Os Dezequilibrados, companhia que completa, em 2014, dezoito anos. Em cartaz em um casarão do início do século na Ladeira da Glória, ao lado do Outeiro, no Rio de Janeiro, o texto partiu de uma esquete escrita pelo norte-americano Tennessee Williams (1911-1983). Dirigido por Ivan Sugahara, a peça fala de um jeito muito poético e bastante sensível sobre um casal que não consegue mais se comunicar um com o outro, sobre a solidão que permanece através da união e não necessariamente afasta o amor que existe entre os dois. No elenco, Ângela Câmara e Saulo Rodrigues constroem imagens belíssimas nas cenas que se distribuem pela casa sob o sol do entardecer. As sessões são aos sábados e aos domingos, às 14h e às 16 horas.


Ivan Sugahara usa com inteligência os quadros do pintor neorrealista norte-americano Edward Hopper (1882-1967) para fazer vir à luz os personagens do Marido e da Esposa de “Fala comigo como a chuva e me deixa ouvir”. Assim como Tennessee Williams, Hopper celebra o período da depressão americana em sua maior potência estética. Os mágicos e gloriosos anos de 1920 deram lugar à extrema pobreza e austeridade depois da queda da bolsa de Nova Iorque em 1929. Nos anos 30 e 40, as pessoas da nação transcontinental que é os Estados Unidos se olhavam nos olhos de igual para igual, sem dinheiro, sem trabalho, com fome. Falando quase nada de política, mas tematizando esse lugar de encontro sensível e honesto, Williams e Hopper souberam dar cor a uma situação que ultrapassa o tempo e a geografia. Esse Marido e essa Esposa sabem que ambos estão sufocados em problemas, em angústias, em desolação. Os olhares de um que fogem do outro fogem antes de si próprios, mas se encontram em algum lugar desse casamento.

Quando a peça começa, o Marido acorda de uma noite de bebedeira e conta para Esposa o sonho que teve, em que ele se via à deriva, em mar aberto. Depois, ele pede que ela conte de si para ele. A Esposa então narra com o quê tem sonhado: ela sozinha, em um hotel distante, sem contato com ninguém, envelhecendo vestida de branco e lendo romances. Assim como os personagens, o público sabe que essas imagens que um abre para o outro, do mar e do hotel, querem dizer algo mais que apenas um sonho. O amor que existe entre eles convive com a solidão que ambos sentem, contrariando as versões mais tradicionais de ambos os sentimentos. Ao longo da peça, o público passeia por sensações diferentes desse contexto, nutrindo-se de um certo tipo de sugestão da montagem a esse quadro. O resultado é luminosamente belo.

Os diálogos de Williams e de outros autores ditos por Saulo Rodrigues e por Ângela Câmara rasgam o silêncio e se colocam ao lado de suas expressões faciais, de seus movimentos, do cenário (André Sanches), da paisagem natural, da trilha sonora (Sugahara, Lívia Paiva e Samuel Toledo), do figurino (Tarsila Takahashi) e da forma como cada um desses elementos bem expressam alguma intenção narrativa ou figurativa de construir cada quadro. O todo é equilibrado, mantendo o ponto de fuga para a próxima sequência, cheio de delicadeza, elegância, carinho. As pessoas se emocionam, tocadas pela beleza do que veem, com motivos cênicos para isso.

A internet fornece à contemporaneidade muitas coisas, mas esse banquete informativo muitas vezes desvia a atenção do homem por sobre ele mesmo. A solidão hoje não tem o mesmo sabor que tinha antes do fim do século passado, mas a sua semente ainda está em nós. “Fala comigo como a chuva e me deixa ouvir” é um tipo de grito de socorro que alguém perdido em alto mar ou em um hotel distante envia para alguém quando vislumbra uma possível saída. Mais de nós se encontram nessa situação do que realmente pensamos. Esse espetáculo é essencial. 


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FICHA TÉCNICA
Texto: Tennessee Williams
Tradução: Gisele Freire
Direção: Ivan Sugahara
Elenco: Ângela Câmara e Saulo Rodrigues
Cenário: André Sanchez
Iluminação: Renato Machado
Figurino: Tarsila Takahashi
Trilha Sonora: Ivan Sugahara e Lívia Paiva
Direção de Movimento: Duda Maia
Preparação Vocal: Ricardo Góes
Assistência de Direção: Lívia Paiva e Samuel Toledo
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Programação Visual: Thiago Ristow
Fotografia: Dalton Valério
Marketing Digital: Laura Limp
Coordenação de Produção: Tárik Puggina
Direção de Produção: Carla Torrez Azevedo
Produção Executiva: Aline Mohamad
Assistência de Produção: Carolina Kern
Administração Financeira: Amanda Cezarina
Realização: Nevaxca Produções e Athus Produções
Idealização: Os dezequilibrados

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