sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Intimidades (RJ)

Joaquim Lopes e Roberta Alonso em cena
Foto: divulgação

Um excelente trabalho de direção

O texto é bom, as interpretações são ótimas, o cenário é excelente, mas o maior mérito de “Intimidades” é de Bruce Gomlevsky pelo belíssimo trabalho de direção. Casados há anos, um Homem e uma Mulher discutem a relação. Ainda se amam muito, mas o acordo afetivo entre eles precisa ser refeito para continuarem juntos. Tamanhas são as nuances que o texto e as interpretações investigam, a peça poderia facilmente resultar em um lindo texto para ser lido, mas em um espetáculo teatral monótono se não fosse os inúmeros jogos corporais que a direção propõe. O ritmo não pára de se modificar de forma que a atenção do espectador aumenta cada vez mais, acompanhando os universos afetivos de cada um dos personagens, suas cores e suas texturas, e todo os membros do relacionamento entre os dois. Em cartaz no Teatro Glaucio Gill, “Intimidades” é uma peça que fala de um assunto já muitas vezes tratado e de várias formas, mas que traz pontos de vista sólidos que entretêm, fazem refletir e principalmente tocam.

Afundado em dívidas, e trabalhando ao cansaço, Ele (Joaquim Lopes no papel que foi de Otto Jr. quando a peça estreou em setembro último) tem certeza de que já não agrada sua mulher na cama. Imersa nos muitos livros que lê, Ela (Roberta Alonso) vê seu marido como um homem superficial e covarde, incapaz de tomar as rédeas da própria vida. Nesse que é o terceiro texto de Gustavo Machado (ator da comédia "Razões para ser bonita"), o conflito que opõe os dois personagens dessa história é muito mais sutil do que as dezenas de comédias românticas sempre apresentadas no teatro, no cinema e na televisão, o que é um grande valor. Não há pudor nem vulgaridade, mas um equilíbrio de temas e formas de se tocar neles que é harmônico, elegante e inteligente. Na encenação de Gomlevsky, cuja direção é assistida por Glauce Guima, o tom de voz dos atores é mantido linearmente durante boa parte da primeira parte do espetáculo, mantendo a atenção do espectador presa pela resistência. Então, depois dEle desvestir-se e vestir a roupa dEla e Ela fazer o mesmo com a roupa dEle, Ele muda o tom de voz, diminui o volume e esse pequeno gesto ganha uma imensa importância no jeito de narrar cenicamente a história. Porque constrói delicadamente uma estrutura rapsódica e, depois, quebra com ela, evoluindo a narração para um outro lugar, temos aqui o trabalho de direção atento e perspicaz que merece o primeiro aplauso.

Sem qualquer marca informativa, os detalhes do passado entre os dois, que fundamentam o momento atual da história, são mostrados ao público com marcas fluídas em quatros cheios de profícua articulação e com timing positivamente crescente. Entre o casal, há duas mortes e é aí que o inteligente cenário de Nello Marrese supera a beleza, ao lado da iluminação de Elisa Tandeta, e ajuda a aprofundar a história no melhor uso dos seus signos. O tablado onde estão os dois personagens é inclinado, de forma que o proscênio é mais baixo que o fundo. As laterais, às escuras durante boa parte do espetáculo, quando são acesas, permitem pensar, por exemplo, que estamos todos dentro de um caixão, mas sem a morbidez, nem a claustrofobia, mas com a sensível referência ao fim, ao descansar, à paz final que os dois parecem almejar. Nessa sugestão, a trilha sonora original de Marcelo Alonso Neves arremata o tom do drama, sem pesar, mas sem superficializar também.

Dosando as emoções delicada e potentemente, Roberta Alonso e Joaquim Lopes constroem momentos que vão da raiva ao sexo, da gargalhada à emoção. A cena em que a primeira lista de compras que Ela usou para ir ao supermercado tão logo os dois foram morar juntos é tão bonita quanto poética, reforçando a harmoniosa concepção de que o amor não é uma questão entre eles, mas, sim, todo o resto que envolve esse sentimento. E essa cena serve apenas para exemplificar a profundidade que essa estrutura cênica almeja e consegue estabelecer no trato com o tema a que se propôs. Belíssimo trabalho!

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Ficha técnica:
Texto: Gustavo Machado
Direção: Bruce Gomlevsky
Elenco: Roberta Alonso e Joaquim Lopes
Cenografia: Nello Marrese
Figurinos: Rita Murtinho
Iluminação: Elisa Tandeta
Trilha sonora original: Marcelo Alonso Neves
Aderecista: Fernanda Fernandez
Projeto gráfico: Redondo Estratégia + Design
Divulgação: João Pontes e Stella Stephany
Assistente de direção: Glauce Guima
Gerência administrativa: Anna Machado
Produção executiva e Administração: Osni Silva
Direção de produção: Cristina Sato
Realização: RAM Criações e Projetos Culturais

Um comentário:

  1. boa crítica Rodrigo, é bom saber que há críticos que, para além de toda opinião e conceito, ainda conseguem vibrar e se envolver com um espetáculo. Raro! Só te fazendo uma correção, eu não faço 'Billdog'. Atuo num outro espetáculo, que você inclusive já criticou aqui, Razões pra ser Bonita (Neil Labute). Abraço grande e continue! (conselho dado a todos que vivem de teatro nesse país tão cruel com as artes cênicas)

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