sábado, 25 de janeiro de 2014

Edypop (RJ)

João Velho (Édipo) e Letícia Spiller (Jocasta)
Foto: divulgação

Querendo dizer muito, não diz nada

"Edypop" quer dizer muita coisa, mas não diz (bem) nada. Em uma mistura do mito grego de Laio, pai de Édipo, com o psicanalista Freud e a construção de sua teoria acerca do Complexo de Édipo, ao lado do ativismo pacífico de John Lennon e das manifestações brasileiras de junho de 2013, principalmente contra o Governador Sérgio Cabral, a peça se perde em argumentos não estruturados, jogados em cena em uma dramaturgia (cênica e literária) cansativa. Quem conhece as tragédias gregas não tem à sua disposição qualquer argumento em favor de uma articulação entre Laio e Sergio Cabral além do único fato de que os dois são governantes. Quem não conhece nem o mito de Édipo e nem os estudos da psicanálise estará diante de uma história pobre pobremente contada. Com excelente interpretação de Remo Trajano (Laio) e de Jorge Caetano (Freud), a peça tem ainda a forte presença de Isadora Medella em belíssima participação, o ótimo cenário de Fernando Mello da Costa e a boa direção musical de Felipe Storino. Em cartaz no Teatro Arena do Espaço Sesc Copacabana, o espetáculo é assinado por Aquela Cia. de Teatro, a mesma de "Outside, um musical noir" e de "Cara de cavalo".

Fernando Mello da Costa situa a história sobre um mapa astral e sob um globo ocular arrancado de uma face humana. Com isso, situa bem, por um lado, o conceito de tragédia (no caso da grega, os homens são vítimas de um destino previamente traçado pelos deuses) e, por outro, faz referência com o fim da vida de Édipo, ele que furou os próprios olhos, condenando-se à escuridão após saber que matou o seu próprio pai e casou-se com a própria mãe. Em cena, o pequeno Édipo (João Velho) dorme enquanto seu pai Laio se aproxima para matá-lo contra a vontade de Jocasta, mas em favor do povo que sofre com a peste enviada pelos deuses da qual só se livrarão quando Édipo morrer. Nesse bom contexto inicial de "Edypop", vemos em Laio o mesmo problema de Agamenon, que teve que sacrificar sua filha Ifigênia para agradar aos deuses e assim conseguir bons ventos necessários na batalha da Guerra de Tróia. Ou seja, tanto em Laio como (mais claro) em Agamenon, vemos o conflito entre o dever do homem público (favorecer o seu povo) versus o homem pai (defender sua descendência), mas, diferente de Agamenon, Laio não vai até o fim. Em Sófocles, Laio mandou que o bebê sem nome fosse amarrado pelos pés (daí o nome Édipo) em um precipício, abandonado ao destino (Já Ifigênia foi salva pela piedade dos deuses diante da fidelidade de Agamenon). O problema de "Edypop" começa a aparecer quando esse conflito de Laio se enfraquece e começa a ganhar importância a relação desse Rei com as manifestações públicas contra o governo fluminense de Sérgio Cabral em 2013. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, pois, de um lado, os tebanos não sabiam que sofriam a ira dos deuses porque Laio tivera um filho, fugindo do destino que lhe havia sido traçado (o de que não seria pai ou, se fosse, seu filho o mataria e casar-se-ia com sua esposa. É bom lembrar que o que leva Laio a desafiar os deuses e ter um filho é a vontade humana de ser pai). De outro lado, o povo brasileiro nas manifestações do ano passado culpou o governo democrático pelos seus males, sabendo de alguns deles. Os tebanos não votaram em Laio e o tinham como esperança, os brasileiros votaram em seus governantes e os têm como seus algozes. Laio precisa sacrificar o próprio filho para salvar o seu povo. Sérgio Cabral, no mínimo, precisou sacrificar seus passeios de helicóptero.  Por tudo isso, a justaposição dos dois personagens (Laio e Sérgio Cabral) é desarticulada apesar da força agressiva que a dramaturgia Pedro Kosovski faz.

Ainda, em outro investimento dramatúrgico descabido, temos a relação entre o Doutor Freud e seu paciente Laio, esse visto a partir do seu ciúme (e da insegurança acerca) do próprio filho ainda bebê. Laio está perturbado mentalmente e, por isso, incapaz de governar. O Complexo de Édipo, na teoria de Freud, explica a forma como o bebê masculino se identifica com o pai em relação à mãe, formando, assim, a sua identidade heterossexual. Ela ganhou esse nome apenas como uma referência metafórica ao mito do homem que casou-se com a própria mãe e nada além disso. Não há, além dessa questão superficial de nomenclatura, relação entre a teoria psicanalítica e o mito grego pelo simples fato de que Édipo não se apaixonou pela mãe, mas ganhou a mão da Rainha de Tebas por ter desvendado o mistério da Esfinge, que assolava a cidade quando na sua chegada vindo de Corinto. (Ou seja, Édipo não sabia que Jocasta era sua mãe quando com ela teve filhos.) Nesse sentido, a crítica de Kosovski à teorização, que deveria dar lugar à prática, na visão da dramaturgia, é infundada e mal articulada nas sessões entre Laio e Freud em mais um exemplo do quão fraco é esse texto.

A direção de Marco André Nunes não só não ajuda o texto como aumenta as cores de seus problemas. Há um excesso de gritos, construções superficiais e de movimentação pobre. Enquanto fala de patriotismo e de democracia, a peça traz inúmeras canções interpretadas em inglês (que só aqueles que conhecem o idioma e reconhecem elas como composições de John Lennon entendem o significado delas e suas relações com a peça). As referências ao mito grego e à teoria psicanalítica são (como diz no release) realmente pouco claras de forma que parece ter havido apenas uma captura selvagem dos nomes dos personagens e de um pouco da trama milenar que os envolve. Em lugar disso, há uma força imensa em valorizar as manifestações de 2013, os mascarados, as denúncias de corrupção, o movimento #ocupa, mas tudo isso sem articulação, tendo como ponto alto um beijo gay completamente deslocado nos últimos minutos da peça. "Edypop" não tem, por tudo isso, uma estrutura coesa e coerente, mas se apresenta de forma muito frágil enquanto narrativa.

João Velho, Letícia Spiller e Jandir Ferrari (Édipo, Jocasta e o irmão de Jocasta aqui chamado Clemente Greenberg, uma referência ao crítico de arte) têm trabalhos medianos, superficiais, lineares. Com a sua tradicional dose de grande carisma, Velho consegue alguns momentos interessantes, mas Spiller e Ferrari nem isso, apresentando construções duras e sem vida. Laura Araújo (Anna O.) vai no mesmo sentido infelizmente, mas mais prejudicada pela forma como seu personagem aparece na história (sua única função é argumentar contra a teoria em favor da prática no debate com Freud). Jorge Caetano surge no seu melhor trabalho dos últimos tempos, vivendo um personagem que resiste à caricatura (diferente de Velho, Spiller, Ferrari e de Araújo) e oferece um solo musical sensível, potente e tocante. É dele o melhor momento da peça, que se dá quando Laio, seu paciente, manda-o prender e ele diz "Isso é atitude de um rei", sugerindo que o Rei possa estar curado a partir de uma terapia que, nas palavras da peça, não trabalha com a hipótese da cura. Além de Freud, que é um personagem coadjuvante, Laio é quem tem mais complexidade e oferece, por isso, maiores desafios ao seu intérprete, a quem cabem mais elogios. Remo Trajano o faz bastante bem, cheio de excelente dicção, dosagem na representação das emoções, integridade nos movimentos corporais e proxêmicos e ótima expressão. Isadora Medella lidera o trio das babás (composto também por Gabriela Geluda e Paula Otero) com uma participação pequena, mas marcante positivamente.

Dentro da concepção da direção, a trilha sonora dirigida por Felipe Storino é positivamente interpretada, oferecendo o rock como uma ilustração do protesto social que a peça parece querer propor e representar. Dentro dessa proposta também, vão os figurinos de Marcelo Marques e a iluminação de Renato Machado.

Com uma selvagem captura de um mito grego, de uma teoria psicanalítica, de um personagem da história da música mundial e de suas músicas, e de um movimento político popular e espontâneo recente, "Edypop" não é bom.
*
Ficha técnica:

Texto: PEDRO KOSOVSKI
Direção: MARCO ANDRÉ NUNES

Elenco:
LETÍCIA SPILLER (Jocasta, voz solo)
JOÃO VELHO (Edy, voz solo)
REMO TRAJANO (Laio, voz solo)
JORGE CAETANO (Freud, voz solo)
JANDIR FERRARI (Clemente Greenberg)
LAURA ARAUJO (Anna O., voz solo)
GABRIELA GELUDA (Esfinge, Babá 2, voz solo, teclado)
ISADORA MEDELLA (Vaca, Babá 2, baixo elétrico e vocal)
PAULA OTERO (Babá 1, voz solo, violoncelo)
FELIPE STORINO (guitarra) . MAURICIO CHIARI (bateria)
Corpo de alunos do Tablado (Os Mascarados)


Arranjos e Direção Musical FELIPE STORINO
Cenografia FERNANDO MELLO DA COSTA

Figurinos MARCELO MARQUES
Direção de Movimento MARCIA RUBIN
Iluminação RENATO MACHADO
Visagismo JOSEF CHASILEW
Preparação vocal DANIELLE LIMA
Músicas Originais FELIPE STORINO e PEDRO KOSOVSKI
Videografismo GUSTAVO GELMINI
Direção de Produção CAMILA VIDAL

PARCERIA:Sesc Rio
PATROCÍNIO:Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura

5 comentários:

  1. Boa noite, Rodrigo. Acho que vimos a peça no mesmo dia. Minha esposa me mostrou seu site hoje. Eu não tinha gostado muito da peça quando vi, mas, agora, depois de ter lido o teu texto, gostei menos ainda. Um monte de coisas que eu não entendi ficaram claras pra mim. Vou começar a acompanhar teu trabalho. Parabéns! Você deveria estar nO Globo! Já pensou nisso? Abraços, Berto

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    1. Olá, Berto! Com a saída da Dona Bárbara, o jornal O Globo contratou o crítico Macksen para substituí-la. Na minha opinião, foi uma excelente escolha já que o Macksen é o crítico brasileiro há mais tempo em atividade contínua, escrevendo desde os anos 70 sem pausa. Sem dúvida, ele tem um olhar precioso que merece a nossa valorização. Obrigado por participar do blog. Volte sempre! Abraços, Rodrigo

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  2. Tem erros gritantes de português no seu texto. Fica a dica.

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  3. Olá! Tudo bem? Quando eu publiquei a crítica, havia três erros: um de ortografia (bem grave!), um de digitação e um de crase. Os dois primeiros me foram gentilmente apontados por Pedro Kosovski, dramaturgo de "Edypop". O terceiro eu mesmo vi. Os três já foram corrigidos e não há mais erros. Se porventura algum outro erro for encontrado por você, esteja certo(a) de que está enganado(a). E estou seguro disso. Obrigado pela participação, mas também pela intenção. Afinal, por que corrigiríamos alguém se não quiséssemos o bem dela e do trabalho dela?! Essa é também justamente a função da crítica. Abraços e boa semana, Rodrigo

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