sábado, 14 de dezembro de 2013

Elis, a musical (RJ)

Laila Garin é "Elis"
Foto: divulgação

Toda a responsabilidade e o mérito de Laila Garin

Duas coisas precisam ser ditas sobre “Elis, a musical”. A primeira delas é que Laila Garin merece todos os troféus de interpretação do ano, porque, de fato, ela está em trabalho mais do que excelente nessa produção. A segunda é que, apesar das boas participações de Ícaro Silva, de Peter Boos e de Claudio Lins, e da fluída narrativa de Nelson Motta e de Patrícia Andrade, pouco além da potência de Garin segura a atenção do público que tem lotado o Teatro Oi Casa Grande, no Leblon. O primeiro trabalho de Dennis Carvalho, que surge agora como diretor teatral, expressa um conhecimento nada mais que rudimentar sobre linguagem teatral nessa encenação. Dentro da direção de arte de Marcos Flaksman, os figurinos são apenas ilustrativos e o cenário é composto de andaimes, perdendo a oportunidade de dizer muito mais em termos de conteúdo e de beleza. O único bom momento na coreografia de Alonso Barros é em “Falso Brilhante”. Delia Fischer assina a direção musical com pouquíssimos desafios e consegue bom resultado, o que não chega a ser um valor. Em suma, ao sair do teatro, a impressão que se tem é que um show de Laila Garin faria exatamente o mesmo sucesso com bem menos pretensões. 

A maior marca do mérito de Garin está em evidenciar que o relevante de Elis Regina não são seus agudos, mas seus graves. São neles que a “Pimentinha” deixava escorregar suas emoções, sua presença nas palavras dos compositores das canções que ela interpretava. São os tons graves que mudaram ao longo de sua carreira desde os primeiros discos em Porto Alegre até o final. E, porque opera com força, grande resistência e muita intensidade nesse nível, a interpretação da maior cantora brasileira atinge um grau de profundidade que, até então, ninguém tinha alcançado. O movimento com os braços, o sorriso aberto, a mania enfrentativa de sentar sobre os pés em público, traços superficiais de sua personalidade, também estão presentes, mas aqui são apenas acessórios. No palco de “Elis, a musical”, está visto que a forma intensa como Elis se entregava às canções dos outros era justamente o que lhe dava a realeza: humildemente, ela emprestava o seu talento e a sua emoção a diversos compositores brasileiros novos e desconhecidos. E, nesse empréstimo, igualava-se aos demais artistas, acabando-se por ficar ainda maior que todos juntos. Essa nuance específica, minuciosa, sutilíssima paira sobre o trabalho de Laila Garin pela frequência com que os ombros aparecem largamente abertos, como o abrir da boca também significa fechar os olhos, como as palmas das mãos ficam abertas em direção à frente, ao público, e não de frente uma para a outra, isso para citar apenas três exemplos. Sem talvez notar esses traços tão pequenos, o público se emociona mesmo assim diante de uma estrutura interpretativa que é positivamente invisível, dada a concepção realista do espetáculo. Isso, claro, para não desenvolver o óbvio: a perfeita afinação, a voz sonora, o ritmo excelente de respiração, a disponibilidade cênica, o carisma, tudo isso já visto em sua participação no musical “Gonzagão – A lenda” no ano passado. Sem dúvidas, “Elis Regina” será o personagem definitivo da carreira de Laila Garin e “Laila Garin" será a intérprete definitiva da nossa principal cantora.

Todos os demais elementos, infelizmente, são ou superficiais ou ruins. São notáveis a presença cênica de Ícaro Silva na interpretação de Jair Rodrigues, os silêncios solenes na apresentação de César Camargo Mariano por Claudio Lins e é boa a dramaturgia de Nelson Motta e de Patrícia Andrade, que conta a história em ritmo de episódios, mas sem deixar de sugerir espaço para a complexidade. Se essa complexidade, no entanto, não chega visível ao público, a responsabilidade é da direção que não fez bom teatro a partir do texto literário (dramaturgia é literatura!). Dennis Carvalho exibe escolhas pobres, preguiçosas em um uso da linguagem teatral que é bastante ínfimo. De um modo geral, o espetáculo perde a oportunidade de dizer algo além do dizível em um mero documentário, pois tudo parece estar voltado à imitação do real, do como as coisas “realmente” aconteceram, o que é bastante humilhante para a arte, desde Hegel. Há a imitação de Miele, de Lenny Dale, de Dona Ercy e de Seu Romeu, de Ronaldo Bôscoli, de Paulo Francis e de outros em uma expressão do quão valorosa a simples aparência parece ser para o diretor infelizmente. Porque chega nas aparências ao invés de partir delas, “Elis, a musical” é uma grande e cara “casca” de teatro que deixa a desejar aqueles que se compadecem da responsabilidade de Laila Garin, que é a de sustentar quase sozinha a justificativa da presença dessa produção entre as melhores do ano. Há, no entanto, dois pequenos momentos de exceção que precisam ser valorizados. Em um deles, Elis (Garin) surge para cantar diante de uma multidão. Denis Carvalho, aí, foge do óbvio e coloca a intérprete de costas para o público, oferecendo ao público o raríssimo ponto de vista da coxia, até que, “dado o recado”, Elis se vira e então termina o número. Em outra cena, Elis e o cartunista Henfil (Peter Boos) se encontram e, pela forma como a narrativa se conta, sabemos que “O bêbado e o equilibrista” está prestes a aparecer no repertório. No entanto, na marcação, Elis sai de cena, vai embora, surpreendendo o público. A sua volta, o seu retorno, momentos depois, surge com muito mais força, essa que não teria se não tivesse havido essa quebra. É de “jogos” assim que a direção de Carvalho não dispôs a contento infelizmente ao longo da encenação.

Em “Elis, a musical”, falta espetacularidade, grandiosidade, pujança que apenas Garin e o pomposo palco do Oi Casa Grande não conseguem sozinhos dar, embora se esforcem para. Os painéis de janelas que descem e os sofás vermelhos que entram pelas laterais para compor o apartamento de Ronaldo Bôscoli são pouco para o esperado em mais uma grande produção da Aventura Entretenimento. Os andaimes são uma solução pobre, feia, muda para emoldurar a história de uma artista. Ainda dentro do trabalho de Marcos Flaksman, os figurinos (Marília Carneiro) parecem ter sido apenas recolhidos e não de fato concebidos, com exceção do vestido que Elis usa para cantar “Vou deitar e rolar”. Com exceção da poética coreografia de “Falso Brilhante”, também não há grandiosidade nas coreografias de Alonso Barros, cujo interesse parece mais apenas ter sido o de preencher o palco vazio pelos “buracos” cênicos abertos pela direção de Dennis Carvalho. A decisão de encerrar o espetáculo com personagens que estiveram presentes ao longo da história contada é colegial, no sentido negativo do termo. O repertório, que é bem escolhido, faz positivamente o óbvio, isto é, apresenta as canções tais quais elas foram gravadas por Elis, sem causar entraves. Pela ausência de desafios nisso, não, no entanto, há destaque na direção musical de Delia Fischer.

“Elis, a musical” não pode usar como desculpa para a ausência de grandiosidade nem o caráter biográfico e nem tampouco a falta de verbas. Infelizmente, é apenas de Laila Garin o grande mérito pela grande homenagem que ela faz. 

*

O Elenco

Elis Regina – Laila Garin
Ronaldo Bôscoli – Felipe Camargo (Participação especial)
Cesar Camargo Mariano – Claudio Lins
Luiz Carlos Miele – Caike Luna
Marcos Lázaro/Vinicius de Moraes – Rafael de Castro
Jair Rodrigues – Ícaro Silva
Lennie Dale – Danilo Timm
Romeu – Ricardo Vieira
Tom Jobim – Leo Diniz
Henfil – Peter Boos
Ercy – Leticia Madella

Personagens Masculinos – Guilherme Logullo, Alessandro Brandão, Lincoln Tornado, Thiago Marinho

Personagens Femininos – Carla de Sá, Maíra Charken, Lilian Menezes

Ensemble – Leo Wagner

Link para o release: http://www.midiorama.com.br/works/news/17259/elis-a-musical/

4 comentários:

  1. assisti ontem o musical e tive a mesma impressão que você! Crítica muito bem feita. O personagem de Elis oferece oportunidade para muitas emoções e abordagens no musical, mas a foi desrespeitoso o quão superficial essa figura foi tratada na peça. Garin está ótima, mas sozinha ela não consegue fazer o trabalho de todsa a produção para emocionar o público

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  2. assisti ontem o musical e tive a mesma impressão que você! Crítica muito bem feita. O personagem de Elis oferece oportunidade para muitas emoções e abordagens no musical, mas a foi desrespeitoso o quão superficial essa figura foi tratada na peça. Garin está ótima, mas sozinha ela não consegue fazer o trabalho de todsa a produção para emocionar o público

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  3. Assisti o Musical e me emocionei bastante, com a Atriz principal e também com os atores coadjuvantes. Quem curtiu a voz e a interpretação de Elis, tem uma boa oportunidade de matar saudades.

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  4. Assisti ao musical em São Paulo no sábado dia 22/03 e realmente em vários momentos fiquei arrepiada principalmente com a interpretação de Laila. mas tb de Icaro Silva como Jair Rodrigues, Claudio Lins como Cesar Camargo Mariano e Danilo Timm como Lennie Dale que estão maravilhosos. A minha crítica maior é quanto à distribuição do programa do espetáculo que por este preço devia pelo menos oferecer uma ficha técnica com os nomes dos atores, diretor, etc. Só desembolsando 30,00 é que vc tinha acesso aos dados . Tudo bem vender algo mais elaborado mas um folder simples com os dados de todos é o mínimo que se espera de um espetáculo tão caro.

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