terça-feira, 3 de setembro de 2013

Síndrome de Chimpanzé (RJ)

Felipe Rocha em "Síndrome de Chimpanzé"
Foto: divulgação

A falta de lógica da contemporaneidade

Síndrome de Chimpanzé” é mais um ótimo espetáculo do grupo Foguetes Maravilha. Melhor lida a partir do gênero teatro do absurdo, a peça situa um casal de cosmonautas russos dentro de uma estação espacial (um foguete) em plena órbita de Plutão. A Terra, segundo a voz do computador chamada de Papai Smurf, acabou de explodir região por região do tabulareiro de War (jogo de estratégia da Grow), de forma que, além dos dois, só sobrou o gato Gorki, que convive com eles dentro do foguete. Nada mais existe e a vida deles está com os dias contados, pois não há para onde ir. Nesse espaço fechado, perdido em meio ao infinito, o absurdo da necessidade de descobrir-se, recriar identidades, de relembrar o passado e de celebrar os últimos momentos aparece. O mérito da produção é justamente o de oferecer ao público essa zona livre de julgamentos dos personagens que, com os quais nos identificamos, podem viver tudo aquilo que, por estarmos aprisionados pela lógica, não podemos. Com cerca de trinta minutos a mais do que seria suficiente, “Síndrome de Chimpanzé” vale a pena ser visto. 

Felipe Rocha interpreta o cosmonauta enquanto Renato Linhares e Stella Rabello se alternam na interpretação da cosmonauta. Assim, de um lado, temos um personagem que se apega a objetos para construir a sua identidade ("Isto é meu!") e, de outro, temos uma pessoa que analisa o seu próprio comportamento consigo mesmo para se auto-definir ("Eu sou um homem ou uma mulher?"). A junção é metáfora para o homem que necessita de algo externo para se reconhecer, mesmo que esse elemento  seja um reflexo de si próprio. O sexo, a necessidade de se perpetuar, os preconceitos, os comportamentos paradigmáticos, tudo isso ganha novas cores quando se sabe serem os últimos representantes da espécie humana no universo. Em sequências muito engraçadas, mas sobretudo ultra sensoriais (todos nós queremos estar ali entre eles), o texto e a direção de Alex Cassal é vibrante. 

Estabelece-se uma linha que divide o espaço cênico do não-cênico, mas essa linha é quebrada. Na alternância de personagens, Linhares e Rabello fogem de definições enquanto procuram por elas. Sensível e emotivo, o personagem de Rocha se transforma em alguém extremamente machista e antiquado. O jogo de Cassal é justamente esse: elege-se e se manifesta uma regra para, logo em seguida, quebrar-lhe. O resultado, prazer puro, é a construção de uma obra cujo absurdo é metáfora e convite para o diálogo sobre a contemporaneidade das relações e das auto-relações. 

Infelizmente, “Síndrome de Chimpanzé” se alonga mais do que poderia. Em determinado momento, vários fins surgem e o jogo de “quebras” acaba ficando cansativo. O monólogo final de Rabello é longuíssimo, porque sucede um outro monólogo longo de Rocha. Apesar de bem construído, o elogiado jogo não se sustenta nesses momentos e o ritmo cai vertiginosamente, o que é uma pena. 

Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabello repetem aqui o sucesso de “Ninguém falou que seria fácil”. Em excelentes interpretações, o trio é sexy, carismático, convidativo. É ótimo ver-lhes em cena representando, isto é, fazendo mimese, ou estando para algo que gostaria de estar. Livres em suas construções, os intérpretes fazem excelente uso do corpo, da voz e dos movimentos para construir as figuras que pairam nessa situação absurdamente trágica: não há nada que ampare o homem quando nem ele próprio se reconhece. 

Aurora dos Campos constrói um cenário que privilegia a liberdade, a criatividade e sobretudo a imaginação. As garrafas de plástico, as folhagens, as janelas redondas e os livros velhos unem o contexto através do despertar tátil. Tomás Ribas valoriza esses pequenos lugares criados pelo cenário, pela direção e, claro, pela dramaturgia, dando ritmo à narrativa enquanto isso é possível. O figurino de Antônio Medeiros é lúdico e, nesse sentido, bastante positivo também. Vale a pena, também, prestar a atenção na movimentação, que teve direção de Alice Ripoll, para notar o jeito como a ocupação do espaço encontra justificativas para o texto. 

Tais como chimpanzés em laboratório, os homens da peça (e do mundo fora dela) podem ser vistos como meros instrumentos de pesquisa, o que gera uma relação absurda com os acontecimentos da rotina. Foguetes Maravilha, de novo, está de parabéns. 

*

SÍNDROME DE CHIMPANZÉ – com o grupo Foguetes Maravilha
texto e direção: Alex Cassal
elenco: Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabello
assistência de direção: Marina Provenzzano
direção de movimento: Alice Ripoll
luz: Tomás Ribas
cenário: Aurora dos Campos
estagiária de cenografia: Carolina Sugahara
trilha sonora original: Domenico Lancellotti e Estevão Casé
figurino: Antônio Medeiros
assistência de figurino: Alessandra Padilha
costureira: Maria Marli
projeto gráfico: Triângulo Estúdio
fotos: Felipe Lima
assessoria de Imprensa: Mônica Riani
direção de produção: Tatiana Garcias
assistente de produção: Bia Rey
auxiliar de escritório: Wellison Rodrigues
realização: Foguetes Maravilha

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