terça-feira, 20 de março de 2012

Judy Garland - O fim do arco-íris (RJ)

Foto: divulgação

Homenagem à Judy, ao gênero, ao teatro e ao público de teatro brasileiro

                Charles Moeller e Claudio Botelho sabem fazer musical. E musical aqui quer dizer comédia musical americana, um gênero teatral específico, com pais e avós conhecidos e filhos vivos. “Judy Garland – O fim do arco-íris” encerra a temporada no Rio de Janeiro cheia de vitórias: indicações para prêmios importantes por parte da crítica especializada, análises, como essa, bastante positivas e um público pagante que só não é maior porque um espetáculo como esse é caro demais para ser mantido pela realidade brasileira por temporadas anuais como acontece no primeiro mundo. Com alguns senões, a produção é um orgulho para o país ou, pelo menos, para dois estados: Rio de Janeiro e São Paulo (já que os musicais raramente viajam pelos outras vinte e cinco partes da nação, e é uma pena que não haja patrocínio suficiente para isso).
                Cláudia Netto é uma estrela. Excelente atriz e também excelente cantora, ela dá vida à personagem Judy Garland (1922-1969) nos seus últimos seis meses de vida. Na visão de Peter Quilter, autor do texto, a atriz e cantora Judy está prestes a se casar com seu quinto marido e apresenta em Londres o seu último show: “The talk of the town”. Mickey Deans e Anthony, respectivamente, o noivo e o pianista, vivem as crises causadas pela abstinência e uso das drogas que, ora prejudicam, ora impulsionam a vida da mãe da Dorothy de “O mágico de Oz”. Alguns fatos existem além da narrativa (deve-se evitar sempre dizer a confusa palavra “realidade”.): Morto, o corpo de Judy Garland foi encontrado num hotel em Londres em 1969. Deans foi seu último marido e, também, seu último empresário. E ele era mesmo anos mais jovem do que a atriz. Por fim, é de notório conhecimento, a incapacidade de mãe de Liza Minelli de se afastar das drogas, vício a que foi submetida desde a infância quando ainda uma garotinha dos estúdios da Metro. “Judy Garland – O fim do arco-íris” não é um mero (e excelente) documentário pela existência de Anthony, personagem fictício, mas não é só nele que estão os méritos de Quilter. A dramaturgia a que se assiste em cena é uma resposta raivosa aqueles que dizem impunemente que, em musicais, importam apenas boas canções. Ao público, está oferecido três personagens em seus conflitos internos, suas contradições, suas verdades e mentiras, suas profundidades e seus brilhos. O uso das drogas pode ser bom e pode ser ruim. Um homossexual pode ser apaixonar por homens e por mulheres. Um homem aparentemente interesseiro pode estar apaixonado. Não há como se desvencilhar do amor e o sentimento permanece quando o assunto é contrato de trabalho, saúde e planos para o futuro. Quilter arquiteta cada cena de forma a apresentar uma surpresa. Informa, mas não leciona. Emociona, mas não sensacionaliza. Diverte, mas não superficializa. Os diálogos são orgânicos, a evolução é inaparente, o desfecho é previsível, como em qualquer musical é, mas é tão belo, tão generoso, tão inteligente que sai-se do teatro com a sincera certeza de que, antes de um grande musical, é esse uma grande peça de teatro.
                Quando acima se disse que Cláudia Netto dá vida à Judy Garland, chama-se atenção para o fato de que é a vida um todo em suas partes. Sua interpretação permite ver a sua personagem em seus altos e baixos, a sua “descida ao inferno”, mas, também, a sua recordação do “céu”. Há estudo visível nos mínimos detalhes, conseqüências estéticas de uma formação que vem de longe. Há ritmo, há presença cênica, há talento aliado à técnica. Em alguns momentos, é-se capaz de jurar que se ouve a um playback, tamanha a semelhança da voz de Netto em relação à de Garland, sinal de que há trabalho interpretativo até mesmo no signo musical. O resultado é que o público é presenteado com a sensação inigualável de estar diante da verdadeira Judy Garland. Eis o mais sublime do teatro: Claudia Netto é Judy Garland.
                Francisco Cuoco interpreta Anthony e antes de sobre seu trabalho de interpretação, há que se falar de uma questão a respeito da produção: o fato de Cuoco estar envolvido nesse projeto. Anthony é um personagem secundário e, a princípio, sem brilho. Por outro lado, Francisco Cuoco é um ator reconhecido nos muitos cantos desse país nas muitas décadas de televisão nacional. E bem reconhecido. Um artista e um profissional de sua estirpe num personagem como esse, aliás, substituindo outro ator, já é sinal de sua generosidade, de sua jovialidade, de sua qualidade aplausível. O resultado é uma coadjuvância absolutamente perfeita: com personalidade, executando suas funções narrativas, conferindo níveis mais profundos, propondo novos caminhos para a história, possibilitando novos sentidos e sempre com muito carisma.
                Igor Rickli, que interpreta Mickey Deans, é um ator alto, bonito, forte e másculo. O problema de sua interpretação é justamente o visível esforço que ele parece fazer em parecer alto, bonito, forte e másculo. As participações de Rickli pesam pelo excesso de marcas e pela falta de verossimilhança. Em vários momentos, é nítido que Rickli está querendo parecer bonito e, como ele é, gaps negativos surgem, a verdade, assim, se compromete. Felizmente, a direção de Moeller dá ritmo suficiente para que as falhas sejam mais difíceis de se ver. Hábil, o diretor desenha seu espetáculo em forma crescente, o que é ótimo para quem assiste.
                Com cenário, figurino, maquiagem e direção musical sem falhas, “Judy Garland – O fim do arco-íris” cumpre positivamente todos os requisitos para uma boa comédia musical americana (esse é o nome do gênero, não importa se é feita no Brasil, no Japão ou na Europa): riqueza em detalhes, entradas e saídas sem falhas, condução ao ápice, forte apelo à identificação e clímax bem definido. Assim, os figurinos de Judy são cada vez mais bonitos e a trilha sonora se volta para os clássicos. De “How insensitive”, versão de “Insensatez”, de Tom e Vinicius, a “The man that got away”, “The trolley song” e “Just in time”, chegando a “Over the rainbow”, a escolha musical é acertadamente ascendente. As falhas estéticas na produção, nesse fim de temporada, são detalhes: papéis prateados que caem do urdimento durante toda a encenação, um fio de energia elétrica visível vindo da coxia até a mala de roupas de Judy e um contrarregra em cena esperando a sequência terminar para tirar o cenário são pontos negativos que entristecem a análise. Nenhum deles consegue felizmente tirar o brilho do resultado final.
                Lembrada por sua gargalhada pela própria filha, Judy Garland paira no imaginário coletivo de muitas gerações independente de nacionalidade, gosto estético, orientação sexual e classe social. O musical que a homenageia, pela forma séria e talentosa com quem é viabilizado, também homenageia o gênero e o teatro brasileiro com tão valorosas interpretações e trabalhos de ordem técnica.

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Ficha técnica:

(O programa do espetáculo é vendido ao público, em um mal exemplo trazido do exterior. A divulgação dos nomes dos técnicos responsáveis pelo espetáculo deveria estar incluída no preço que se cobra ou no gentil convite para ver os seus trabalhos expostos em cena.)  

3 comentários:

  1. Judy Garland tem ares d super produção, ótimo elenco, canções belíssimas, mas roteiro fraco e c/ piadas sem graça #deusono

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  2. Assisti ontem e amei! Nao sabia nada da vida de Judy a nao ser o Magico de Oz e fiquei fascinada em saber mais a respeito depois do teatro, pois sua historia e linda e muito triste tbm. Francisco Cuoco e maravilhoso e Claudia e fantástica.
    Quem nao viu esta peca tem que ver. E imperdivel!!!

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